Expectativa é que a obra inicie em 2023 e que seja realizada pela concessionária Águas de Camboriú; projetos para despoluir o rio também estão em pauta
Era uma vez um rio com muitos robalos e até ostras… um rio que cortava duas cidades – a mãe e a filha, até então recém-emancipada. Esses dois municípios iriam prosperar dali alguns anos, principalmente a filha, que até iria ficar conhecida nacionalmente como ‘Dubai brasileira’.
Você pode não acreditar, mas esse rio vivo, com muitos frutos do mar, limpo e saudável é o Rio Camboriú. Hoje a realidade é bem diferente, mas ele ainda é a principal fonte hídrica que abastece as duas cidades acima citadas, a filha, Balneário Camboriú, e a mãe, Camboriú.
O Rio Camboriú mudou… hoje ‘respira por aparelhos’: é um rio poluído que precisa urgentemente de ajuda, com um dos principais problemas sendo o esgoto jogado diretamente nele, vindo de Camboriú. A filha Balneário é inclusive um exemplo a nível Brasil, sendo quase 100% saneada, enquanto Camboriú não chega a ter 1% de rede de tratamento de esgoto. Abaixo, saiba mais sobre a atual situação do rio, com sua história contada por pessoas que conhecem de perto a sua, hoje, triste realidade.
Rio era vivo, com muitos peixes: “Hoje está pedindo socorro”
Quem mora ou visita Balneário Camboriú, certamente conhece o famoso Barco Pirata. O seu dono, Domingos Casemiro Pinheiro, é nativo de Balneário Camboriú, nascido no Bairro da Barra, o tradicional ‘bairro dos pescadores’ da cidade. Domingos, que é de família de pescadores, conta que, há cerca de ‘30 ou 40 anos’, ele, seus familiares e amigos nadavam e pescavam no rio.
“Eu atravessava de um lado para o outro, principalmente onde fica a passarela hoje. Cansei de tirar ostra perto de onde tem a ponte que leva para o Barranco (Bairro São Francisco de Assis, em Camboriú). Abria ela, cozinhava e comia com limão e sal. Ali também tinha muito robalo… dava muito peixe. Me sinto muito triste, porque era um rio vivo, farto, e hoje está pedindo socorro. Você vê a fermentação da água, que ele está muito poluído”, recorda.
O morador de Balneário, que hoje reside no Pontal Norte da cidade, lamenta que hoje a situação é bem diferente de suas memórias.
“Têm pontos do rio onde a água não tem oxigênio, por isso que vemos a morte dos peixes a cada mês. Realmente está na hora do município de Camboriú, junto com Balneário, fazer algo para salvar o Rio Camboriú. Camboriú hoje está atingindo 100 mil habitantes, 100 mil que não tem um metro de esgoto tratado! Tem gente que não usa nem o sistema de filtro… tudo vai para o rio”, comenta.
Projetos ambientais buscam mudar a história do rio
Domingos não aceita a situação e por isso foi o idealizador de duas importantes ações: a primeira delas é a limpeza do Rio Camboriú, que acontece anualmente em abril, em parceria com o Conselho Comunitário de Segurança Náutica de Balneário Camboriú (CONSEG-Mar) e com o Lions Clube BC Centro – na edição deste ano foram retirados do rio 25 metros cúbicos de lixo.
E a segunda é o Barco Escola – Expedição pelo Igarapé, que leva estudantes (crianças e adolescentes) a navegarem pelo rio e conhecerem a sua realidade, de forma segura, em um barco que foi preparado especialmente para atender a esse projeto.
“A educação e a consciência ambiental têm que começar desde cedo. Temos inclusive negociação com a Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú (Emasa) e Águas de Camboriú para que possamos fazer uma parceria de trabalho, levando as escolas municipais das duas cidades a conhecer o nosso projeto. Todos temos que fazer a nossa parte”, acrescenta.
Saiba mais sobre o Barco Escola
A engenheira ambiental Carolina da Luz trabalha no Barco Escola e conta que, por estar praticamente todos os dias no rio, percebe que ele de fato está pedindo por socorro.
“Ele está entre duas cidades que estão sempre em expansão e que recebem muitos turistas, além de novos moradores. Me preocupo com a qualidade da água e com a quantidade, já que ele é a nossa fonte hídrica”, diz.
Carolina opina que a grande saída para a situação começar a melhorar é o saneamento básico de Camboriú ser feito, através de uma união entre Balneário e Camboriú, já que apesar de Balneário ser quase 100% saneada, Camboriú está estagnada nesse sentido.
“É fundamental e é o primeiro passo, porque a água pode ser transmissora de bactérias e vírus, logo, de doenças. É em Camboriú que ficam as nossas nascentes. É o futuro em jogo. No Barco Escola procuramos sensibilizar e conscientizar as crianças sobre a situação do rio e a necessidade de preservarmos esse nosso importante recurso hídrico, que é o único que abastece as duas cidades. Os alunos levam para os pais os ensinamentos, multiplicando conhecimentos, pois veem a realidade, o lixo, a coloração que não é comum, o odor forte… veem que o rio está precisando de ajuda, e entendem que todos precisamos e devemos ajudar”, pontua.
Diretor da Emasa analisa situação: “Todo o esgoto de Camboriú, de quase 100 mil pessoas, vai para o rio”
O diretor da Emasa, Douglas Beber, relembra que, ainda em 2000, o Ministério Público Federal (MPF) acionou quem era responsável pelo recolhimento e tratamento do esgoto de Balneário Camboriú – a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), porque durante o verão, quando a cidade recebia cerca de 400 mil habitantes, o ‘excedente’ não era tratado.
“Na época, a Casan informou que não tinha capacidade de tratar esse esgoto excedente, que ia todo para o rio. Teve decisão judicial, o processo respingou em mim, há 20 dias tive que ir à Porto Alegre/RS, pois entramos com recurso porque queremos comprovar que, depois que a Emasa assumiu, não lançamos esgoto irregular. Hoje, todo o esgoto de Balneário é tratado – no verão com eficiência de 80 a 85% e durante o ano com eficiência acima de 90%, chegando a 95%”, destaca.
Douglas aponta que, se o MPF entrou com demanda judicial na situação envolvendo o esgoto excedente que não foi tratado pela Casan, em um processo que envolve ainda órgãos como Ibama e Instituto do Meio Ambiente de SC (IMA-SC), é possível imaginar o tamanho do problema ambiental que Camboriú causa, já que 22 anos se passaram e a cidade joga todo o seu esgoto diariamente no rio.
“Hoje, Camboriú só tem fossa e filtro, que praticamente de nada adiantam. Essa é a realidade: todo o esgoto de Camboriú, de quase 100 mil pessoas, vai para o Rio Camboriú, uma bacia de 200km, que é considerado um rio pequeno e que abastece as duas cidades… e é considerado um dos rios mais poluídos do mundo. Ou seja, por Camboriú não ter iniciado o processo de instalação da rede coletora, é que hoje o nosso rio não existe mais, ele está morto”, opina.
O diretor da Emasa lembra que Balneário é destaque nacional, inclusive ganhando prêmios na área de saneamento e meio ambiente, podendo chegar em 2023 tendo praticamente 100% da cidade coberta pela rede coletora e abastecimento de água.
“Porém, a falta de esgotamento sanitário no município vizinho acarreta maiores investimentos por parte da Emasa, que impacta na conta dos consumidores, tanto Balneário quanto Camboriú, já que hoje Balneário vende água para a concessionária de Camboriú, Águas de Camboriú. Hoje, a gente não tem peixe no rio. E há 30, 40 anos, pegavam muito peixe ali. A realidade era bem diferente. Balneário investiu mais de R$ 100 milhões em saneamento nos últimos anos, e Camboriú nem R$ 1,00”, comenta.
Praia Central também é afetada
Como o rio desemboca na Barra Sul, na Praia Central de Balneário Camboriú, o diretor da Emasa vê que muitas pessoas ainda acreditam que a praia é poluída, e não é.
“A nossa praia tem balneabilidade. O IMA-SC começou a fazer a análise de balneabilidade em 1996, e em 2020 tivemos pela primeira vez a Praia Central com 100% de balneabilidade. Foram 25 anos praticamente que as pessoas escutam que a Praia Central não tem balneabilidade, que tem esgoto na praia. Por mais que nesses dois últimos anos mostramos que temos, que investimos, fizemos ações, é difícil tirar a imagem. Ou seja, a poluição do Rio Camboriú também trouxe um problema de imagem, de turismo, e acaba gerando problema econômico. A falta de ação de Camboriú é um crime! Da mesma maneira que agiram com a Casan, em 2000, deveriam agir em Camboriú”, completa.
O que diz o presidente da Fundação do Meio Ambiente de Camboriú
Valmor Dalago, que hoje preside a Fundação do Meio Ambiente de Camboriú (FUCAM), reconhece que hoje um dos maiores problemas que o Rio Camboriú possui é a questão do esgoto de Camboriú.
“Isso prejudica toda a cidade. Passando a estação de captação de água é tudo poluído, não dá para dizer que ele [o rio] está morto, mas hoje é um grande esgoto a céu aberto. Precisamos resolver essa questão do esgotamento sanitário e tomar medidas para a despoluição do rio. É urgente”, afirma.
O presidente da FUCAM afirmou que a prefeitura ‘tem falado’ com a Águas de Camboriú e com a Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (ARESC) para repactuar o plano entre o município e a empresa, e assim a Águas poder assumir a obra do esgoto de Camboriú.
“Eles têm interesse em assumir. No primeiro acordo, a prefeitura pegaria R$ 87 milhões, que viriam em 2016, faria toda a rede e entregaria para a Águas de Camboriú tocar, mas não fizeram o projeto, perderam prazo e os R$ 87 milhões não vieram. Hoje o município não tem recurso e a única solução é a Águas de Camboriú assumir a questão”, acrescenta.
Segundo Valmor, a ideia é iniciar a obra do saneamento de Camboriú no segundo semestre de 2023 – seguindo por 10 anos, até o município ficar 100% saneado.
“Tem que ser feita, temos que começar. Não tem mais como esperar. É um problema que afeta as duas cidades, e a Emasa também poderia ajudar. Poderiam fazer parte desse consórcio, talvez ampliando a estação de tratamento e a Águas de Camboriú fazendo a rede coletora. Seria o melhor caminho”, diz.
Desassoreamento do rio em pauta
O presidente aproveita para citar que a preocupação com a despoluição do Rio Camboriú também está presente, e que inclusive o prefeito de Camboriú, Elcio Kuhnen, já conseguiu verba para desassoreá-lo (retirar com máquinas o lodo, entulhos, pedras, etc.) – da estação de captação até o mar.
“Tem que ser feito projeto, se for aprovado no IMA-SC, conseguiríamos o recurso para limpar o lodo e dejetos. Pode não resolver, mas ajuda. A consciência das pessoas é fundamental, porque ainda muitas jogam lixo. Porém, vejo que o nosso rio ainda tem jeito. Ele é muito bonito, poderia ser utilizado como atrativo de navegação. Assim que começarmos a despoluir, podemos trabalhá-lo turisticamente também. Sabemos que, se não fizermos o saneamento urgente, vamos perder o rio. Outra situação preocupante é a ocupação do solo, principalmente no interior, que também estamos acompanhando”, salienta.
Parque Inundável também
Outro projeto comentado há anos e que pode contribuir na garantia do fornecimento de água para Camboriú e Balneário é o Parque Inundável, que segue tramitando. Valmor informou que agora estariam faltando apenas dois itens para conseguir a Licença Prévia (LAP).
“Acredito que até o fim deste ano, podemos conseguir. Tendo a LPA, conseguimos buscar recursos e iniciar o Parque, que vai salvar toda a água que hoje perdemos. A nossa bacia hidrográfica é muito pequena. Hoje a água que cai, em seis horas perdemos. Com o Parque Inundável, ela ficaria retida ali, e sem estar tão contaminada”, completa.
Plano de Recursos Hídricos: três ações urgentes, debatidas em 2018, não foram realizadas
A consultora do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú e Bacias Contíguas (Comitê Camboriú), Aline Antunes, acompanha de perto a situação do rio e os planos que foram traçados para ele ‘ser salvo’ nos últimos anos, e lamenta que a maioria não saiu do papel.
“Entregamos cartas abertas aos candidatos e atuais prefeitos das duas cidades, Fabrício Oliveira e Elcio Kuhnen, tinham mais de 10 ações, uma delas era cumprir as ações emergenciais elencadas no Plano de Recursos Hídricos, feito em 2018: 1) implantação do esgoto de Camboriú, 2) o Parque Inundável e 3) um monitoramento fluviométrico de qualidade. Até agora nenhuma foi feita”, explica.
Aline lembra que o Comitê Camboriú não é um órgão fiscalizador e sim consultivo e deliberativo, servido para articular as ações prioritárias visando o equilíbrio hídrico. Um estudo feito pela Univali aponta inclusive que, se nada for feito, as duas cidades tendem a viver uma crise hídrica a partir de 2025.
“O Plano de Recursos Hídricos visa discutir soluções, mas nada foi feito até o momento. Em 2017, fizemos um pacto pelas águas com os poderes públicos de Balneário e Camboriú, tinham várias ações que deveriam ser executadas até 2020, dentre elas a implantação de um programa de despoluição e revitalização do rio, que também não foi feito”, lembra.
Pontos do rio sem oxigênio
A consultora pontua que a questão do saneamento de Camboriú foi discutida em simpósio recentemente, mas que, resumindo, não há novidades.
“A sugestão apresentada por Camboriú é para que os dois municípios se juntem, que a Emasa e Águas de Camboriú se unam e executem a obra. Podemos dizer que hoje o rio está em situação crítica, inclusive com pontos sem oxigênio, o que pode ser a causa da morte dos peixes. Nós não podemos executar nada, quando chegam denúncias, repassamos aos responsáveis. Sou engenheira ambiental, e o que vejo é que esses peixes morreram por asfixia. Faltou oxigênio porque houve contaminação local do rio, uma carga orgânica que talvez consumiu o oxigênio rápido, mas não tem como afirmar”, pontua.
Qualidade da água varia entre razoável e ruim
Aline aproveita para informar que o Governo de SC realiza monitoramentos trimestrais da qualidade dos rios catarinenses. No Rio Camboriú é coletada amostra perto do Instituto Federal Catarinense, em Camboriú (Ponto P40), e que o índice varia entre razoável a ruim.
“Em março/2022 agravou muito a condição de qualidade, e o Governo de SC chegou a emitir uma nota técnica ressaltando isso, porque tinham atingido os piores valores históricos, que indicavam contaminação orgânica, que, traduzindo, são fezes. Eu, de forma particular, acho que é inadmissível, em pleno 2022, a gente lançar dejetos no próprio rio, que é de onde vem a água que bebemos. É absurdo! Estudos demonstram a péssima saúde do nosso rio, que está quase morto”, diz.
“A natureza não tem divisão política”
A consultora lembra que a bacia hidrográfica é pequena e que está ‘próxima de um colapso’ – ou seja, se não tem capacidade de abastecer o consumo para os moradores beberem, quem dirá para diluir esgoto, que precisa de vazão.
“Ter água é saúde, é sustentabilidade econômica e social. Sem água, como fluirá tudo? Entendo que Balneário é quase 100% saneada, é mais rica, e por isso deveria ajudar Camboriú. A natureza não tem divisão política, a bacia hidrográfica é dos dois municípios e exige planejamento de ambos. Balneário depende de Camboriú e vice-versa. Precisam dialogar, executar ações juntos”, destaca, apontando que a falta de saneamento é um problema ambiental e social e, se nada for feito, poderá ser um problema econômico ‘gravíssimo’. “Para a saúde do rio, o passo mais importante é a implementação do esgotamento sanitário de Camboriú, com certeza”, finaliza.