Uma cidade que tem na origem de seu nome, Camboriú, duas ligações com a água – há quem diga que o nome Camboriú vem de “Camba o Rio”, ou seja, onde o rio faz uma curva, ou então da junção dos termos tupi kamuri (robalo) e ‘y (rio) – o rio dos robalos. Ainda há a filha, que leva seu nome e traz também ‘Balneário’, palavra que se refere aos locais de banho. No caso de Balneário Camboriú, são 10 praias ao total. Dois municípios que têm suas histórias construídas ao redor do rio que as nomeia e que, segundo um estudo realizado ainda em 2011 pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), estão prestes a vivenciar, a partir de 2025, uma crise hídrica, chegando ao colapso hídrico até 2043 – o que foi confirmado por um novo estudo feito em 2019.
As previsões
Ainda em 2011, foi publicada pela Univali a monografia da Mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental, Adelita Ramaiana Bennemann Granemann, com o título “Determinação do limite temporal e populacional do uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú–SC, Brasil”. Na época, foi indicado que as duas cidades irão viver um cenário de insegurança hídrica (quando a demanda é maior do que a disponibilidade de água) entre 2024, ou seja, este ano, a 2033, com base no crescimento populacional.
O último Censo Demográfico, de 2022, revelou que Camboriú passou dos 100 mil habitantes – se comparado ao Censo anterior, é um aumento superior aos 65%, de 62,3 mil para 103 mil habitantes em pouco mais de 10 anos. Já a população estimada pelo IBGE em Camboriú neste ano de 2024 é de 113.525. Já Balneário Camboriú cresceu 28,74% entre os Censos de 2010 e 2022, passando de 108.107 para 139.155 habitantes. Porém, agora em 2024 tem sua população estimada, também pelo IBGE, em 148.758.
Já em 2019, a dissertação de mestrado realizada pelo engenheiro ambiental Adailton da Silva Estácio, “Análise de medidas estratégicas estruturais para garantia da estabilidade hídrica na Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú (SC)”, demonstrou um novo cálculo, que confirmou o estudo de 2011 – a partir de 2025, a Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú pode sofrer uma crise hídrica, chegando ao colapso hídrico até 2043.
E o que significa isso?
Uma crise hídrica já foi vivenciada em São Paulo, em 2014, quando houve interrupções de fornecimento de água que chegaram a 30 dias e, na ocasião, geraram até mesmo manifestações por parte da comunidade. Crise hídrica pode significar racionamento de água, sistema de rodízio para abastecimento público, pode gerar conflitos entre produtores, agricultores e outros usuários de águas. Pode ainda afetar o comércio e o turismo – dois pilares da economia de Balneário e Camboriú, e também desvalorizar áreas imobiliárias. Vale lembrar que Balneário Camboriú possui hoje o metro quadrado mais valorizado do Brasil.
O professor Dr. Paulo Ricardo Schwingel, Especialista em Gestão de Bacias Hidrográficas e Recursos Hídricos, Presidente do Comitê Camboriú, e orientador da dissertação que confirmou os cálculos sobre a disponibilidade hídrica, pontua que o estudo de 2011 tem muita precisão, porque as projeções de tamanho da população foram confirmadas. Mas, em 2019, foi feito ‘um reestudo e reanálise’, que confirmou a primeira previsão.
“Passaram 8 anos, quanto mais você se aproxima do período que você está marcando, a assertividade é maior. Se você está projetando uma coisa que vai acontecer daqui 30 anos, a assertividade é menor, mas agora nós estamos muito próximos. Então, nós temos projeções que, a partir do ano de 2025 nós podemos ter momentos de escassez”, diz.
Schwingel destaca algo que chama a atenção – a outorga existente hoje para o Rio Camboriú, que autoriza a retirada de água, que é da Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú – EMASA, é muito acima do que deveria ser outorgável. “Ou seja, do que deveria garantir a vazão mínima para a manutenção dos processos ecológicos de um rio. Na prática: estão tirando muito acima. Isso não é nada bom, mas tem autorização e há legalidade. Porém, quando você trabalha com um rio, você trabalha com 40% da vazão no rio que pode ser outorgável. Claro que nós não podemos deixar a população desprovida de água, mas isso mostra que nós estamos numa crescente muito perigosa”, informa.
Menor bacia hidrográfica de SC
A alta pluviosidade da região, especialmente desde o ano de 2021 até este ano de 2024, é apontada pelo professor como algo que pode mascarar uma realidade que está cada vez mais se acercando. Ele lembra que a Bacia do Rio Camboriú é muito vulnerável a essa condição, porque é uma Bacia pequena e não segura água por muito tempo.
“Quanto menor a Bacia, mais risco nós temos. Nós estamos com 200 quilômetros quadrados, se pegarmos as Bacias Contíguas, as pequenas Bacias que estão associadas, vamos para 220 quilômetros quadrados. Isso é uma Bacia muito pequena, aliás, é a menor de Santa Catarina. Quando olhamos esta Bacia, a gente observa que o tamanho do nosso rio não chega a 40 quilômetros e isso é um trajeto muito pequeno para um rio. Ou seja, ele depende de chuvas constantes para manter a vazão – no momento que nós temos períodos de seca, essa vazão cai abruptamente”, explica.
Hoje, o tempo de ‘residência’ da água na bacia – da gotinha que cai no morro até chegar no mar, é menos de 24 horas. Ou seja, mesmo que chova bastante, que haja uma pluviosidade alta, após 24 horas essa água não está mais na bacia e já chegou ao mar e é ‘perdida’. “É urgente aumentar a disponibilidade hídrica na Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú. A questão da água não é só uma questão ambiental – há até mesmo aquelas expressões ‘devemos salvar a natureza para nos salvarmos’. Nos salvarmos tem vários sentidos, ambientalmente, socialmente, economicamente. Sem água, não existe economia, sem água não existe turismo e construção civil, molas mestras dos dois municípios. Temos que garantir a disponibilidade hídrica para garantir que a economia desses municípios não pare”, acrescenta.
Crise hídrica e esgotamento sanitário
Schwingel salienta que 80% da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú está em Camboriú, onde estão as nascentes do rio, e hoje a cidade não tem nem 1% de rede de esgoto. O professor pontua que, quando foi contratada a concessionária Águas de Camboriú, não foi contemplado o esgotamento sanitário, que foi adicionado em contrato somente neste ano.
“Obviamente que isso foi um erro histórico do município, ocorrido há oito anos atrás, aproximadamente, em que nos colocou numa situação bastante difícil no município de Camboriú. O fato é que esse município não tem saneamento hoje. O processo vai iniciar, mas é lento. Nós esperamos que daqui 10 anos tenhamos uma cidade saneada. Quem acha que 10 anos é muito, é só lembrar que se tivéssemos fechado há oito anos, já estaríamos em uma situação muito diferente”, pontua.
Por outro lado, há Balneário Camboriú, que é uma cidade que não tem área rural e sim áreas urbanas consolidadas, com qualidade ambiental boa em suas morrarias, segundo o professor. Balneário coleta quase 100% do esgoto, através da Empresa Municipal de Água e Saneamento – EMASA, entretanto ainda não trata 100% dele, após um problema grave em sua Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), localizada no Bairro Nova Esperança. Ainda em 2020, a estação identificou bolhas no tanque de aeração porque houve um rompimento da geomembrana, com possíveis danos ao lençol freático e consequente falha na eficácia do tratamento de esgoto. A situação se arrastou até janeiro/2024, quando a lagoa de aeração voltou a operar.
Isso baixou muito a eficácia do tratamento na cidade, inclusive afetando a balneabilidade da Praia Central da cidade durante a última temporada de verão. Hoje, a situação está melhorando, mas, como citado, a eficácia do tratamento ainda não está em 100%.
“Chegou em momento que Balneário Camboriú não chegava a ter nada de tratamento de esgoto, coletava e devolvia praticamente como chegava. Isso provocou grandes danos. O caso foi judicializado, nós acompanhamos. A EMASA tem avançado na recuperação da ETE. Não é algo que se resolve tão rápido, mas tem melhorado mês a mês; nós temos um grupo formado através de um decreto municipal, que está acompanhando essas obras. Entre outras entidades que integram o Comitê Camboriú, Observatório Social e OAB. Esperamos, inclusive, que no próximo verão tenhamos melhor qualidade na balneabilidade, comparada com os anos anteriores”, acrescenta Schwingel.
Reserva de água
Uma das principais medidas para minimizar os riscos da possível crise hídrica já é discutida há mais de 10 anos – a construção do Parque Inundável Multiuso em Camboriú. O futuro Parque servirá como uma reserva artificial para os dois municípios [para o abastecimento público em períodos de seca ou de maior demanda hídrica], pois irá reter a água do escoamento em período de chuvas intensas e/ou prolongadas, tendo ainda a função de controle de enchentes.
Segundo projeto desenvolvido, o valor da obra é estimado em R$ 47.548.090,94. Deste montante, estima-se que para esta natureza de obra, 40% são relativos a custos com mão de obra. Será implantado um dique feito de terra para represar as águas do Rio Camboriú e possíveis cheias. Com o represamento das águas, serão alagadas as áreas a montante (antes) do dique. A área de alague será de aproximadamente 313 hectares, partindo do trecho inicial do Rio Camboriú, até o dique do Parque Inundável Multiuso. No Parque será possível construir espaço para eventos, jardim botânico, horto florestal, borboletário e planetário, setor de esportes, resort, campo de golfe, etc.
“O Parque Inundável é fundamental. Não é mais uma opção – é a única opção que deve ser feita. Esse é o grande desafio para os próximos prefeitos, que se eles não realizarem essa obra, estarão colocando em risco a população dessas duas cidades. Em risco não só econômico, mas de saúde mesmo”, pontua o professor.
Schwingel aponta que Balneário Camboriú possui imóveis que custam milhões, o que é positivo para a economia, pois gera recursos e empregos, mas se esse apartamento não tiver água na torneira, então há risco para a economia. Ele opina que a própria construção civil entende isso e vê que, se os construtores de Balneário e Camboriú investirem no Parque Inundável, estarão investindo em seus próprios negócios, pois ‘cuidar da água é cuidar da segurança ambiental, social e econômica dos municípios’.
“Eu tenho uma convicção, que talvez não tanto pelo aspecto ambiental, mas pelo socioeconômico, pela pressão do setor produtivo, que pode trazer resultado para que tenhamos águas melhores. Ao mesmo tempo, com o saneamento básico de Camboriú que a AEGEA tem responsabilidade de fazer pelo contrato com a prefeitura, e o trabalho que está sendo feito hoje pela EMASA de recuperação da ETE de Balneário, vão trazer uma melhor qualidade do Rio Camboriú”, completa o professor.
Importância do esgotamento de Camboriú, que já está em andamento
A obra de implantação do esgotamento sanitário de Camboriú é, sem dúvidas, a mais esperada do município. Ela não estava no contrato da Águas de Camboriú e foi transferida em 15 de março deste ano, o que vai permitir a cobertura da cidade inteira, como explica a presidente da concessionária, Reginalva Mureb.
“Toda a cidade vai receber rede de coleta de esgoto – aproximadamente 500km de rede, e também uma grande Estação de Tratamento de Esgoto, de aproximadamente 250 litros por segundo, que vai permitir tratar o esgoto da cidade inteira. Pelo estudo de concepção serão 31 estações elevatórias de bombeamento de esgoto por toda a cidade. Vamos apresentar ao município dois locais para a construção da ETE, um no Centro e outro no Rio Pequeno. O município indicou outra área, mas não será possível utilizá-la e sugerimos essas outras”, explica.
A expectativa é, segundo Reginalva, que em meados do segundo semestre de 2025 já iniciem as obras, pois dependem de licenças do órgão ambiental estadual, para implementação do sistema de esgotamento. O primeiro passo será a obra da ETE e das redes coletoras.
“E aí a partir do início da obra, temos até 2033 para alcançar 90% e vai um pouquinho mais para alcançar 100%, porque a legislação fala de universalização com 90%, mas Camboriú chegará em 100%. O investimento é de R$ 300 milhões”, informa.
A presidente aproveita para lembrar o quanto a obra vai agregar para a cidade de Camboriú e também para Balneário, já que é na cidade vizinha que o Rio Camboriú desemboca e pode contaminar as praias – lembrando que no último verão a Praia Central ficou em uma situação complicada e sem balneabilidade.
“Afugenta turistas que, eventualmente, optam por outras regiões com balneabilidade. Espera-se incremento no turismo, condição melhor para o rio que abastece as duas cidades, o rio que corta as duas cidades, que as nomeia, que sempre contou com muitos peixes, fauna rica… há, sim, possibilidade de melhorar as condições do rio e entorno, e o esgotamento sanitário de Camboriú vai trazer, com certeza, mais valorização imobiliária para os dois municípios”, pontua.
Reginalva acrescenta também que havia restrição do Ministério Público para não se construir tanto em Camboriú porque não havia sistema de esgoto, e que com a obra já fala-se de projetos de condomínios, permitindo um maior crescimento da cidade e também de seu orçamento, algo muito esperado.
“Podem ser exploradas áreas, turismo rural, será muitíssimo bom para a cidade e representa mais saúde, empregos e qualidade de vida. A valorização imobiliária em nossa região vem numa crescente, falam-se de 11 a 20% na Costa Esmeralda, de Piçarras até aqui, e chegou a vez de Camboriú também contar com essa valorização imobiliária – há estudos que indicam que coleta e saneamento trazem valorização imediata de 14% aos imóveis. Acredito que em cinco anos já vamos ver resultados bem significativos e em 10 anos vamos ver uma nova cidade e um novo Rio Camboriú”, completa.
Balneário Camboriú coleta 100% do esgoto
A secretária do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, Maria Heloísa Lenzi, vê que a situação hídrica é algo que já era uma demanda em Balneário ainda antes da cidade ser emancipada – há exatos 60 anos, e quando tudo ainda era Camboriú.
“Nessa época já havia demandas relacionadas a esgoto e tudo mais, porque Balneário cresceu muito rapidamente em toda sua história. Ainda na época da Casan existia solicitação para a rede ser feita, esgoto ser tratado, e foi acontecendo aos poucos até que chegamos a 100% da rede de coleta, por outro lado Camboriú nesses anos todos não teve nenhum avanço relacionado a água, que usam da Emasa, e nem de esgoto”, pontua.
Heloisa opina que há uma ‘necessidade séria’ de resolver a situação do esgotamento sanitário de Camboriú e que, falando do futuro, a crise hídrica é algo que preocupa, mesmo não sendo uma particularidade apenas da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú.
“Ainda assim, Balneário Camboriú faz sua parte como produtor de água tentando preservar nascentes para garantir qualidade hídrica, mas chega no rio e tem o problema que ninguém nega. Não dá para separar dos planos de governo, as duas cidades terão novos gestores, essa necessidade de tratar saneamento e resolver a situação hídrica precisa ser enfrentada”, afirma.
A secretária diz que o atual prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira, levou ‘muito a sério’ todas as tentativas de despoluir o Rio Marambaia, que tem sua nascente nas proximidades da Rua 2.450 (no Colégio Vereador Santa) e vai até o Pontal Norte, e que a ideia era aplicar nos outros rios que são exclusivamente de Balneário, como Rio das Ostras e Rio Peroba.
“E também buscar soluções para o Rio Camboriú. Houve problemas na ETE, uma vez que já tinha problemas, que culminou com a problemática de ter que refazer todas as lagoas, e assim foi possível modernizar o sistema. Balneário se colocou nos eixos, mas dependemos agora de Camboriú. Os municípios precisam levar mais a sério a questão de saneamento. Não podemos continuar com essa problemática porque afeta o turismo, saúde e dos dois municípios. Há também a obra do Parque Inundável, que vai armazenar água e que é muito importante”, comenta.
Questionada pelo jornal se acredita que há solução para o Rio Camboriú, Heloísa diz que tem esperança, e que há alternativas principalmente porque a contaminação do rio é principalmente orgânica [esgoto] e que se deixar de chegar ao rio, o ambiente consegue se recompor. Porém, pode demorar. Um exemplo dado pela secretária foi a lagoa da Praia de Taquaras, que recebeu esse aporte orgânico por um certo tempo e está se recuperando, mas de forma muito lenta.
“Por isso houve busca da Emasa para melhorar de forma mais rápida – houve teste, como nanobolhas, mas nenhuma se mostrou realmente eficaz. São demandas a longo prazo. Temos que focar também na proteção de margens e da água – muitas áreas em Camboriú não tem pavimentação, o que faz com que haja sedimentação dos cursos de água, levando para os rios toda essa demanda de sedimentos. Os municípios precisam entender que cursos d’água têm outras funções, como controlar sedimentação, manter margens e vegetação, o que é extremamente importante para a qualidade das águas”, finaliza.
Como a construção civil e o mercado imobiliário veem a situação
Stéphane Domeneghi, diretora da FG Talls, engenheira do Grupo FG (construtora responsável pelos maiores arranha-céus da cidade, incluindo o futuro Senna Tower), que está à frente das ações de responsabilidade sustentável, acredita que o primeiro olhar para o Rio Camboriú seja realmente da despoluição, que tem como principal fonte a falta de saneamento em Camboriú.
“A principal mudança é que esses dois municípios se vejam como integrados, pois geograficamente são, e todas as políticas urbanas e públicas de um refletem diretamente no outro, e assim é o Rio Camboriú. Há um interessante projeto proposto por Sérgio, da Alleanza, apresentado aos delegados do Plano Diretor de criar uma proposta de real revitalização do Rio aos moldes do que se faz em países desenvolvidos, permitindo a ocupação controlada das margens pelas pessoas, em espaços contemplativos, gastronômicos, que gerem valor e principalmente que criem o sentimento de pertencimento da comunidade a esse elemento vital que corre em meio a cidade”, diz.
A diretora opina que essa abordagem ‘é fantástica’, pois além de preservar com uma ocupação controlada cria um novo ambiente de uso coletivo e com proteção constante, pois quem tem comércio e quem utiliza quer o Rio bem cuidado.
“Vejo que a melhor forma de transformar nosso Rio é transformá-lo em um elemento tão importante quanto a praia, que seja valorizado tanto quanto o mar, que a beleza natural volte a ser presente. Medidas imediatas são fundamentais como a implantação do saneamento em Camboriú, melhoria da rede de saneamento da EMASA para que se evite passar por situações recentes que vivenciamos e também atenda a crescente população, sabemos que o sistema precisa ser avaliado para aportar o crescimento populacional”, acrescenta, salienta ainda que, com isso, medidas de limpeza, desassoreamento podem enfim serem implantadas com tranquilidade e que, se houver disposição dos delegados, da comunidade e da prefeitura incluir no novo Plano Diretor a implantação de um parque linear às margens do rio, mas com vocação de uso gastronômico, contemplativos, ou propostas que promovam integração urbana às margens. “Ao invés de distanciá-las das pessoas e consequentemente levar o rio para longe do senso de pertencimento como elemento protagonista da cidade”, completa.
Já Laurício Leal, sócio da Imobille, uma das principais imobiliárias da cidade, vê que Balneário Camboriú se destaca como a cidade com o metro quadrado mais valorizado do Brasil, e que isso não é à toa, pois as praias atraem turistas do mundo todo e são a base do turismo.
“Entretanto, o que muitos não percebem é que a beleza e a valorização da nossa cidade também dependem de um fator crucial: a qualidade do nosso meio ambiente. Um Rio Camboriú limpo e bem cuidado não é apenas uma questão de estética; é uma questão de qualidade de vida para os moradores e uma atração a mais para os visitantes. Vejo que a preservação do nosso rio impacta diretamente o turismo, o comércio e, claro, o mercado imobiliário”, diz.
Ele aponta que estão vindo grandes empreendimentos que vão transformar ainda mais a paisagem da cidade, como o ‘icônico’ Senna Tower, que promete ser o edifício residencial mais alto do mundo, com mais de 500 metros de altura.
“Por isso, a limpeza do rio não é apenas uma responsabilidade, e sim também uma oportunidade. Ao investirmos no saneamento e na preservação do Rio Camboriú, estamos garantindo a sustentabilidade do meio ambiente, para que as futuras gerações possam desfrutar de uma cidade vibrante, saudável e cheia de potencial”, analisa.
E as futuras gerações? Crise hídrica é debatida nas escolas em Balneário e Camboriú
Apesar de as duas cidades viverem uma iminente crise hídrica e o assunto ser sensível, ele precisa ser mais discutido – principalmente com as futuras gerações e isso é feito nas escolas de Balneário Camboriú e Camboriú. A reportagem esteve em duas escolas dos municípios – no Centro Educacional Municipal (CEM) Ariribá, em Balneário, e na Escola Básica Municipal Professor Artur Sichmann, em Camboriú.
CEM Ariribá
No CEM Ariribá, em Balneário Camboriú, três professores desenvolvem projetos sobre os recursos hídricos da região – Zuleide Graf Rocha, professora de Geografia, Fábio Cunda, professor de Matemática e Andréa de Souza Gois, professora dos anos iniciais na escola.
A professora Andréa iniciou um projeto no Dia Mundial da Água, 22 de março, com o tema ‘Velejando pelas águas de Balneário Camboriú: do Rio Camboriú até as torneiras da nossa casa’, com os alunos do quinto ano. O objetivo era ensinar para as crianças de onde vem a água que chega nas casas deles – no caso, do Rio Camboriú, e que ele precisa ser preservado. A turma inclusive fez uma visita na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Balneário Camboriú, para entenderem o trabalho realizado.
“Eles ficaram bem encantados com a visita na ETA, de conhecer todas as etapas, se envolveram bastante. Falei com eles também sobre a poluição do rio, e que muito disso tem a ver com as nossas ações. Lembrei que, apesar de sermos chamados de planeta água, muita dessa água não é potável, não pode ser usada para consumo, porque está poluída. Buscamos conscientizar as crianças, mas sabemos que na prática é mais difícil, por conta também dos maus exemplos dos adultos”, informa.
Os alunos Daniel Ramos e Maria Eduarda Correia Fenzke, ambos de 11 anos, participaram do projeto. Eles contaram que se surpreenderam com todo o processo de captação, tratamento e distribuição da água. Maria disse que ‘achou legal’ descobrir como a ETA distribui a água para a cidade, já Daniel contou como é o processo de limpar a água e ‘tirar a sujeira’.
“É uma estrutura muito grande! Lá tiram todas as bactérias para oferecer uma água bem limpa. Explicaram bastante. A água estava bem poluída. Eu acho que vão limpar nosso rio, mas as pessoas precisam parar de sujar também, né? Com certeza falta mais cuidado com a nossa natureza”, afirmou Daniel.
Esgotamento sanitário e poluição dos rios também em pauta
Já Zuleide e Fábio atuam juntos, discutindo com os alunos principalmente a questão do Rio Marambaia, pela proximidade com o colégio. O rio encontra-se em uma situação crítica, apesar de já ter sido desassoreado e haver um projeto para a construção de um Parque em suas margens (saiba mais aqui). Os professores anualmente, desde 2022, levam suas turmas até os arredores do rio e pontuam que sempre há muito lixo, e que inclusive a própria maré traz. Segundo eles, os adolescentes se surpreendem ao verem a quantidade de material – até uma mala foi encontrada por eles. Duas das alunas que participaram da limpeza neste ano, Eduarda Amaral, 15 anos, da turma 901 e Betina Semolini, de 14 anos, da turma 903, também conversaram com o jornal e descreveram o que viram por lá – um cenário que as entristeceu.
Betina opina que a população não possui consciência no quesito de não poluir os rios e usa de exemplo o esgoto que sai no Rio Marambaia e deságua no Pontal Norte.
“Eu acho que está bem ruim a situação, porque as pessoas não se conscientizam e isso prejudica tanto a saúde dos ecossistemas marinhos como também a nossa saúde. É um problema de toda a cidade”, afirma.
Já Eduarda avalia que é um problema não só de quem descarta o esgoto irregular ou joga lixo, mas que também prejudica o turismo.”Porque a praia fica feia, fica suja, fica esteticamente horrível e as pessoas acabam ficando doentes, não querendo mais vir para cá e acaba diminuindo até o turismo da cidade, o dinheiro que a cidade recebe, até para resolver o problema”, comenta.
A professora Zuleide conta que também levam os alunos na roda gigante Big Wheel, que fica no Pontal Norte e permite a visualização da orla da Praia Central e do Rio Marambaia.
“Os alunos se surpreendem, mas percebo que ainda está muito longe da realidade. Trabalho a situação dos rios com eles no sétimo e nono ano, e parece ainda distante da prática diária deles. Quando vamos na roda gigante e nas margens do rio é positivo porque eles mesmos veem e dizem ‘olha a cor do mar, professora’. Teve um dia que nós fomos que realmente estava saindo uma água muito preta do Rio Marambaia. É muito triste, né? Porque nós poderíamos ter uma situação diferente. Olha quanta beleza que tem na nossa cidade, que nós estamos destruindo. É muito grave”, afirma.
Importância da reciclagem
Na sala de aula os professores também trabalham em cima da importância da coleta seletiva (separação de recicláveis) e na questão de conscientização de, por exemplo, não jogar óleo no ralo.
“100% das ruas têm coleta seletiva, e os alunos dizem que não sabiam, que na rua deles não passa. Isso tudo a gente trabalha com eles, que podem e devem separar porque tem coleta seletiva, e que também tem pontos de coleta de óleo, que não pode ser despejado no ralo da pia, porque vai para a rede e o impacto é muito negativo. A gente faz o trabalho de formiguinha. Sabemos que é um trabalho muito longo, mas fazemos o que conseguimos”, acrescenta a professora Zuleide.
Mais conscientização é fundamental
O professor Fábio fez seu Mestrado sobre o Rio Camboriú, com base na quantidade de produção de água, a quantidade de esgoto que comportaria até 2025 e na crise hídrica prevista pelos estudos da Univali. Ele abordou em seu estudo a questão da falta de água, que apesar de não ser sentida nos últimos anos, não é que não faltou porque as pessoas se conscientizaram, e sim porque houve o acordo com os rizicultores.
“Não foi solucionado o problema, só foi ‘desviada’ a situação. Hoje o agricultor ganha para não produzir. Daqui a pouco podemos ter problema pela falta de produtos que o agricultor está deixando de produzir. É uma solução que eles encontraram para amenizar, né? Mas não foi uma resolução do problema. O problema está aí, a poluição está aí, gigante. É vergonhosa a quantidade de lixo e de cheiro que tem, tanto no Marambaia como no Camboriú”, diz.
A reportagem questionou os quatro, professores e alunas, sobre o futuro e se veem que há uma perspectiva mais positiva quanto a saúde dos rios da cidade. Todos tiveram a mesma opinião – se não houver uma mudança na consciência da população e dos governantes, não haverá uma melhora e Balneário e Camboriú não terão água potável.
“Precisa haver conscientização da população e também incentivo do poder público. Eu sempre trato na sala de aula a situação de países da Europa viveu, com rios que estavam poluídos (como o Sena, em Paris, o Tâmisa, em Londres e o Tejo, em Lisboa) e que foram despoluídos. Se eles conseguiram, nós também somos capazes. As duas cidades precisam estar juntas nisso, são cidades irmãs que precisam se unir, com apoio também de Itajaí, Itapema… eu acredito nas próximas gerações, por isso implantamos neles a mentalidade para que eles mudem essa situação”, completa a professora Zuleide.
Escola Básica Municipal Professor Artur Sichmann
Na E.B.M Professor Artur Sichmann, de Camboriú, quem desenvolve o projeto sobre a situação hídrica é Antônio Carlos Mesquita Leite, biólogo formado pela Universidade Federal do Paraná, que atua na escola há 13 anos e em Camboriú há 15. Ele também é membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú, e conhece de perto a triste realidade.
“Desde que estou aqui, há 15 anos, sempre trabalhei o Rio Camboriú, a importância dele para a nossa cidade. Eu levo as crianças até o rio, peço para eles fazerem entrevistas com os mais velhos para saberem como era o rio antes. Eu peço para eles fazerem pesquisas da fauna e flora. E nesses 15 anos, infelizmente, vejo que ele está cada vez pior. Nós estamos sujando o Rio cada vez mais”, diz.
Antônio aponta que há duas situações que acendem alerta – a crise hídrica prevista para 2025 e o fato de Camboriú não ter saneamento básico, que é algo muito solicitado pela população da cidade.
“Cada vez que entra em uma nova gestão, a gente pede, porque se formos fazer um levantamento histórico, hoje estamos com uma população de aproximadamente 98 mil pessoas. A cidade de Balneário Camboriú, quando fez a sua primeira estação de tratamento, foi lá em 1960, na época da Casan, e eles tinham previsão para 60 mil pessoas. Então com 60 mil pessoas eles já tinham estação de tratamento de água. Nós estamos com 98 mil, estamos em 2024, e ainda não temos estação de tratamento”, comenta.
O professor conta que em um dia que levou os alunos para as margens do Rio Camboriú, há três anos, perceberam que os peixes do estavam ‘todos aflitos’, que estavam tentando respirar.
“Isso significa que o índice de oxigênio dentro da água estava baixíssimo, e era uma situação de verão. Nós temos que preservar o nosso rio a qualquer custo, e a melhor forma é justamente colocar em prática as ideias que o Comitê Rio Camboriú apresenta, juntamente com os estudos da Univali – que é fazer o saneamento e a obra do Parque Inundável. Essas obras não são opcionais e sim fundamentais, obrigatórias. O Parque Inundável, por exemplo, vai trazer dois grandes benefícios para a cidade, 1) vai evitar as inundações, que a gente sabe que qualquer chuvinha provoca inundação, e 2) para evitar, no verão, que é o tempo de estiagem, a falta de água, pois a gente vai ter água reservada”, acrescenta.
Indícios da crise podem começar a ser percebidos
Antônio comenta ainda que o Rio Camboriú não está mais dando conta de assistir as duas cidades, e que isso pode começar a ser percebido em breve. Um exemplo é a baixa do rio que, segundo ele, já é percebida no nível da água na ponte. Além disso, o professor aponta que a água vai estar cada vez mais suja.
“E a gente vai ver cada vez mais os peixes tentando sobreviver, buscando oxigênio na superfície. Acredito que também vamos ter episódios de falta de água – embora a Águas de Camboriú prometeu que não ia mais faltar água aqui, é uma promessa difícil de ser cumprida, porque não depende só deles. Se o rio tiver quantidade de água suficiente, tudo bem, mas se não tiver, como é que vai fazer? É a nossa única fonte. O que eu sempre digo para os meus alunos é que existe uma diferença entre preservar e conservar. Preservar é preservar limpa, mas conservar, você tem que conservar desde a sua nascente até o ponto de retirada. Como é que você vai conservar uma coisa se você não está acumulando, guardando? Por isso precisamos do estoque, possível através do projeto do Parque Inundável”, informa.
Esperança para um futuro melhor
Ainda assim, o professor se considera otimista e avalia que o primeiro passo foi dado – a Águas de Camboriú está trabalhando na obra de esgotamento sanitário da cidade. Ele comenta que, embora 10 anos possa parecer um período longo, é algo que precisa acontecer e que vai trazer os resultados esperados. Antônio comenta que a maior parte das pessoas não tem ideia de que a região está passando por uma situação hídrica e sente que só vão perceber quando vivenciarem, mas que não deveria ser assim.
“Por isso, levo os alunos ao rio e eles ficam assustados, é quando entendem o que está acontecendo. Fazemos também o teste da água, para verem no microscópio os ‘bichos’ que estão na água do nosso rio. Mas eu, pensando no futuro, sonho e tenho esperança que, um dia, a gente vai ver o Rio Camboriú com as águas claras. É possível, não é impossível. Hoje, a ciência prova que não existe impossível – existe improvável, mas não impossível. Espero que realmente a gente consiga arranjar o saneamento básico da cidade, que vai dar trabalho, mas vai trazer resultado. As duas cidades precisam estar juntas nesse desafio em prol do nosso rio. Eu acho que a nossa cidade merece, tem muito futuro pela frente, porque as nossas crianças de hoje vão ser os nossos adultos de amanhã, e eles vão precisar de um local para viver, para trabalhar… vão precisar de um meio ambiente, de água. Tenho esperança. É o que todo professor tem, esperança”, completa.