Já passou o tempo em que suicídio era visto como assunto proibido. Esse tema, apesar de complexo, precisa ser debatido e, pensando nisso, existe a campanha Setembro Amarelo, para alertar a todos da necessidade da prevenção. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a cada 40 segundos alguém tira a própria vida no mundo.
Em Balneário Camboriú, a situação também é complexa, o programa Abraço à Vida, que atende moradores da cidade com ideações suicidas e/ou problemas psicológicos, já realizou neste ano 19.384 atendimentos (número que reflete os atendimentos – sendo que uma pessoa é atendida mais de uma vez, considerando atendimento psicológico, acompanhamentos, idas ao programa, etc.).
O Página 3 conversou com uma moradora de Balneário Camboriú que tentou tirar a própria vida, com uma psicóloga do programa Abraço e também com um psiquiatra, que destacam a importância da campanha Setembro Amarelo. Acompanhe abaixo.
J., empresária e moradora de Balneário Camboriú, que preferiu não se identificar – “A pandemia me atingiu com força, fechei minha empresa, perdi minha mãe, acabei terminando meu casamento… foram muitas emoções intensas. Eu fazia terapia há anos e me considerava muito bem emocionalmente, então jamais imaginei que chegaria onde cheguei. Tudo o que senti se misturou, pensei que a única coisa que poderia ser a solução para aquilo tudo o que eu estava sentindo era deixar de viver.
Por sorte, minha irmã mais nova sabia da minha situação, tinha a chave da minha casa e conseguiu evitar que o pior acontecesse.
Procurei ajuda, contei com apoio de psicólogo e psiquiatra, estou mudando de profissão e até namorando novamente.
A perda da minha mãe virou uma saudade enorme e sei que essa dor vou levar comigo, mas com o apoio de profissionais consegui, sim, encontrar a vontade de viver novamente.
Vejo que campanhas como o Setembro Amarelo podem ser uma fonte de divulgação, uma luz para quem não faz ideia de que podemos ser ajudados e que a morte, definitivamente, não é e nunca será a solução. Sou feliz porque hoje vejo que ainda tenho muito o que viver, e que é possível, sim, termos dias melhores”.
Abraço à Vida já realizou mais de 19 mil atendimentos em 2022: “Precisamos romper a barreira do silêncio”
Vivian Martins Piva, psicóloga do programa Abraço à Vida – “Os efeitos da pandemia ainda são sentidos, pois impactaram significativamente na saúde mental de muitas pessoas associado a diversos fatores como o isolamento, as incertezas, o medo de perder entes queridos, a recessão econômica entre outros. Este cenário suscitou e agravou o sofrimento e consequentemente os problemas de saúde mental, em especial a depressão e a ansiedade, aumentando consideravelmente o risco do comportamento suicida.
É extremamente importante falarmos sobre o tema com cuidado e sensibilidade para que a pessoa que está em uma situação difícil sinta-se acolhida e saiba que não está sozinha, que pode contar com profissionais especializados para lhe ajudar a superar suas angústias e tristezas. Precisamos romper a barreira do silêncio para que as pessoas que estão passando por algum problema emocional possam pedir ajuda. O silêncio, o preconceito e o tabu podem se transformar em gatilhos para as pessoas que estão sofrendo.
O Abraço à Vida é um programa municipal fundamental na prevenção ao suicídio e valorização da vida. Desde o surgimento do programa no ano de 2018 até o momento atual foram 62.698 atendimentos no total sendo em 2021 (21.996) e neste ano de 2022 (19.384) atendimentos até o momento. Nesse mês do Setembro Amarelo estamos com um cronograma especial de atividades voltadas para a prevenção do suicídio e valorização da vida. Vejo que campanhas como o Setembro Amarelo certamente auxiliam muito, pois a campanha do Setembro Amarelo é uma grande ação conjunta de diferentes esferas da sociedade. É um mês que visa levar conscientização e informação para todas as pessoas possibilitando prevenir novos casos de suicídio por meio educativo e aberto sobre o tema.
Devemos estar atentos aos sinais de alerta que podem variar de pessoa para pessoa. São apenas sinalizadores, podendo nem estarem presentes e não indicarem necessariamente risco de suicídio. Mas como são geralmente associados ao perfil, vale a pena serem observados e conhecidos. Algumas pessoas deixam suas intenções claras, enquanto outras mantêm os pensamentos suicidas e sentimentos ocultos”.
Vivian separou alguns fatos de alerta que exigem atenção, que serão reproduzidos pelo jornal abaixo:
*Falar sobre se sentir um fardo para outras pessoas, desejo de morrer, sentimentos de vergonha e culpa, por exemplo, são alguns deles.
Além disso, há outros sinais que também podem ser identificados, como: falta de esperança; sensação de vazio; falta de vontade de viver; sentimento de aprisionamento; tristeza excessiva; ansiedade, agitação ou excesso de raiva; muita dor (emocional ou física).
Alterações no comportamento também podem ser alguns sinais, por exemplo: distanciar-se dos amigos; comportamentos arriscados, como dirigir em alta velocidade; alterações bruscas de humor; comer ou dormir em excesso; consumo frequente de drogas e álcool.
“Caso sejam identificados sinais de alerta para o suicídio em você ou em outra pessoa, procure ajuda profissional rapidamente. O programa Abraço à Vida possui uma equipe capacitada para atender os moradores de Balneário Camboriú com plantão 24h através do telefone (47) 9 99822322”.
“Uma vida salva conta muito”: psiquiatra destaca importância de ajudar quem precisa
Cesar A. Carus Goulart, médico-psiquiatra e diretor técnico da Clínica Bem Viver – “Nós percebemos que no período pós-pandemia e mesmo durante a pandemia os sintomas ansiosos e depressivos aumentaram bastante, e certamente isso tem um impacto nas tentativas de suicídio.
Nós observamos vários casos de tentativas de suicídio, mas ainda não temos estudos nacionais devidamente desenhados para avaliar isso. Porém, seguramente esses eventos que estiveram presentes na pandemia como o isolamento, a perda da esperança, as perdas financeiras, as perdas de familiares… as famílias sofreram muito com isso!
Então, todos esses fatores levam ao agravo de situações mentais que as pessoas já tinham e, nesse sentido, a piora do quadro teve impacto nas internações hospitalares, com muitas pessoas ainda buscando atendimento.
É importante a gente falar sobre o suicídio porque as pessoas têm preconceito ao falar sobre os seus sentimentos; o suicídio é basicamente ligado à desesperança, uma perda de perspectiva de vida, e que muitas vezes pode ser trabalhado com uma palavra, com um ato, um gesto amigo… estando do lado. Então, é importante falarmos sobre suicídio e olhar para alguém da família que está diferente, que está isolado, mais triste, para a gente poder se aproximar dessa pessoa e ajudá-la a buscar tratamento.
A depressão e a ansiedade têm tratamento! A maioria dos transtornos psiquiátricos são bem resolvidos quando a gente trabalha com terapia medicamentosa mais a psicoterapia e as pessoas podem ser ajudadas, sim! Falar sobre suicídio é importante porque podemos ajudar uma pessoa a não tirar sua vida. Quanto mais as pessoas souberem que podem pedir ajuda ao invés de tomar uma atitude desesperada, faz diferença! Uma vida salva conta muito.
A imprensa tem um papel fundamental na prevenção do suicídio, ao invés de noticiar casos das pessoas que se mataram, pode ser anunciado que existe a possibilidade de tratamento, de auxílio… que pode pedir apoio, que todos esses serviços estão à diposição da população, tanto na rede particular quanto pública!
As famílias podem e devem participar desse momento e buscar apoio psiquiátrico, hoje falamos muito de rede social de apoio, que começa com a família, que precisa reconhecer os sinais, sendo um papel fundamental.
A melhor hora para procurar ajuda é no começo dos sintomas! Quanto mais precoce intervirmos, melhor tende a ser o desfecho! Essa é a hora de buscar o auxílio. A Clínica Bem Viver está preparada para atender tanto no início quanto em situações mais avançadas, mas o tratamento precoce pode salvar vidas!”.
Setembro Amarelo tem programação em Balneário Camboriú
Diversas ações integram o Setembro Amarelo em Balneário Camboriú. Confira abaixo a programação até o fim do mês. Na sexta-feira (16) foi realizado o Baile “Abraçando a Vida”, na Casa da Família, das 14h às 17h e no sábado (17), uma atividade de conscientização sobre a prevenção do Suicídio e valorização da vida, no Acampamento Farroupilha, em frente à Praça das Bandeiras, das 16h às 19h.
A programação segue:
*Segunda-feira (19) – A Escola do Legislativo de Balneário Camboriú Félix Eugênio Reichert promove uma palestra, que terá como tema a prevenção ao suicídio, alusivo ao Setembro Amarelo. Será das 15h às 16h, no plenário da Câmara, e é aberto ao público.
*Quinta-feira (22) – Evento em alusão a Campanha Setembro Amarelo, organizado pelo Programa Abraço à Vida, Casa da Família, Caps II e Caps AD, na Praça Higino Pio, das 10h às 16h;
*Quarta-feira (28) – Atividade de conscientização sobre a prevenção do Suicídio e valorização da vida para as famílias, no Núcleo de Educação Infantil Pequeno Navegador, às 18h.