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NHÔ MARCO (2) – Figura de Folhetim

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Duas vezes por ano Nhô Marco recebia ordem para ir à Vila. A primeira acontecia pelo mês de março, dias antes da visita de inspeção dos grandões do Rio de Janeiro, e a outra nas vésperas do Natal. Montava na velha égua, muito cedo, e cortava os caminhos fundos que varavam o mato fechado, sempre úmidos por falta do sol que não conseguia furar a copa do arvoredo. Viajava ruminando na inutilidade daquelas viagens porque o Administrador se limitava a perguntar, naquele sotaque chiado de carioca, se havia alguma novidade e ele respondia que não, porque nunca havia mesmo, e, se houvesse, nem ele e nem os grandões iriam verificar ou tomar providência. A visita seguinte tinha outro motivo: o Administrador encomendava um pinheirinho nativo para o Natal, repetindo a mesma recomendação – que fosse bonito e perfeito. Tarefa fácil porque pinheirinhos nasciam a dar com o pé no próprio pátio de seu rancho. No dia marcado, o fordeco do Joca Volante iria buscá-lo o mais perto onde pudesse chegar. Voltando dessas viagens, baforando seu palheiro ao trote seco da égua, Nhô Marco concluía que não passava de um inútil, não prestando para nada, e embora seu nome fosse marco, não marcava coisa alguma. Sentia ganas de estufar a camisa e cair no mundo, mas depois se lembrava de que não tinha idade para aventuras. Marco – excogitava – você é bananeira que já deu cacho!

Conformado, ajeitava o animal no piquete, calçava os chinelões de couro cru e sentava na área para matear. Principiava ali uma prosa com ele mesmo que não tinha rumo, nem começo e nem fim, ia pulando de assunto enquanto sugava a bomba cujo bocal, nos tempos de dantes, fôra dourado.Passavam atropeladas cenas da infância, tão longe no poço do tempo que nem pareciam com ele, episódios sangrentos da revolução, carreiradas, fandangos, leilões que apregoara, tropas conduzidas em viagens duras no rumo da Serra-Abaixo, descendo lançantes tão fortes que a montaria quase sentava. Raras lembranças de momentos alegres, mesmo porque quase não existiram. Também não vinham recordações doces, de mulheres bonitas, a não ser uma que outra china passageira. Nhô Marco nunca amou e nem foi amado, desconhecia parentes e não deixaria descendência. Velho e solitário, tinha como função cuidar do que não carecia de cuidado porque de tão grande e ermo lá ninguém chegava. Nem tinha vizinhos, a não ser os ferroviários de Anhangüera, que só avistava em raras visitas ou quando o guarda-chaves, bufando morro acima, vinha trazer reconvenças do Administrador. A noite caía pesada, envolvendo o mato distante e se aproximando devagar. A passarada se recolhida, bichos gritavam ao longe, vagalumes voavam e o silêncio avançava de mansinho, tudo dominando. Nhô Marco sentia um nó no peito. Entrava no rancho, acendia o lampião de querosene e preparava o revirado: feijão preto, arroz, aipim, farinha e um naco da carna trazida da Vila. Bebia uns goles de café, arrumava tudo, lavava os pés na gamela e se estendia numa tarimba dura, recoberta de colchão de palha. Esforçava-se para cortar os pensamentos e dormia naquele rancho cercado pela mataria sem limite. (Continua na próxima semana).

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