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Morte discreta do Advogado do Diabo

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Na época em que me bacharelei, os novos advogados, quase sempre, se dedicavam a uma advocacia genérica, uma espécie de “clínica geral”, atuando tanto no cível como no criminal. Era a advocacia nesta última área que dava renome ao profissional, em especial quando atuava no Júri. Os grandes advogados do Tribunal Popular se tornavam nomes nacionais, como aconteceu, entre outros com Romeiro Neto, Hugo Baldessarini e Evandro Lins, reconhecidos tribunos da oratória forense. Aqui no Estado, Brasílio Celestino de Oliveira era apontado como um dos mais brilhantes advogados do Júri. 

Criminalista de grande renome, sempre envolvido em casos polêmicos e de repercussão, foi Leopoldo Heitor de Andrade Mendes. Nascido em Minas Gerais e radicado no Rio de Janeiro, formou-se em Direito muito jovem, conquistando o doutorado e a livre docência da faculdade nacional de Direito. Tendo incursionado no jornalismo, publicou muitos artigos e um livro que se tornou um “best-seller” na época. Esteve sempre envolvido em casos polêmicos, em que foi acusado de causar prejuízos ao erário público e do assassinato da “socialite” Dana de Teffé. 

Nascida na Tchecoeslováquia e casada com um diplomata, Dana era uma mulher bonita, brilhante e rica. Envolveu-se com Leopoldo Heitor, de quem diziam ser amante, até seu misterioso e nunca esclarecido desaparecimento. Segundo a versão oficial, ela teria sido morta pelo advogado e seus restos mortais sepultados numa fazenda do Estado do Rio de Janeiro, com a qual o acusado nunca concordou, afirmando que ela fôra raptada por agentes soviéticos e levada para seu país natal, de onde nunca mais conseguiu sair. Dizia ele que lá esteve, clandestino, à procura da mulher, tendo se encontrado com ela, mas nunca apresentando qualquer prova desse contato. Mas a verdade é que, segundo a autoridade policial, Leopoldo Heitor acabou ficando com o patrimônio de sua suposta vítima.

O “caso Dana de Teffé” levou Leopoldo Heitor a três julgamentos pelo Tribunal do Júri, nos quais ele próprio se defendia, assessorado por outros colegas. No primeiro foi condenado a 35 e no segundo a 55 anos, sendo absolvido por maioria de votos no último. O processo a que foi submetido teve como relator no Supremo Tribunal Federal, o célebre Ministro Aliomar Baleeiro, cujo voto admitiu o julgamento sem o reconhecimento direto do cadáver da vítima, embora provado de forma indireta, provocando grandes debates.

Entre suas muitas prisões e fugas, Leopoldo Heitor viveu aventuras rocambolescas, contando com grande cobertura da imprensa, da qual era assíduo freqüentador. Apelidado de “Advogado do Diabo”, também participou de processos de repercussão, como o do Tenente Bandeira, e se envolveu com figuras como Tenório Cavalcanti, o conhecido “Homem da Capa Preta”, o juiz Sousa Neto, autor da absolvição no caso Aida Curi, e outras figuras polêmicas da época. Seu livro “A Cruz do Advogado do Diabo”, publicado pela extinta Editora Nova Geração, provocou muita discussão, o que não o impediu de retornar à tribuna do Júri, na defesa de clientes, com todas as pompas, afirmando: “ Às vezes, a mentira serve à causa da justiça.”

Contrariando seu modo de viver, Leopoldo Heitor morreu com discreção numa noite de 24 de fevereiro, no Rio de Janeiro, aos 78 anos de idade. Escritor e pianista de talento, professor e advogado brilhante, morreu esquecido, merecendo poucas notas na imprensa. Os ossos de Dana de Teffé nunca foram encontrados e ela própria jamais se manifestou, nem mesmo após a queda do muro de Berlin. Permanece o mistério, cujo deslinde Carlos Heitor Cony, não se cansava de pedir em sua coluna de jornal.

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