O atual Plano Diretor de Balneário Camboriú, discutido e aprovado pela comunidade entre os anos de 2007 e 2008, proporcionou um ciclo de riqueza sustentável como nunca ocorreu na história da cidade, e poderia ser mantido pelos Delegados, sem alterações substanciais, no processo de revisão que está em andamento.
Essa é a opinião de um dos “pais do Plano” de 2008, o ex-secretário do Planejamento Auri Pavoni, para quem a ideia foi oportunizar que as pessoas crescessem junto com a cidade, não só pensando em adensamento, mas em desenvolvimento.
Outro “pai do Plano”, o ex-prefeito Rubens Spernau, defende que alguns pontos da cidade sejam potencializados, mas com propósitos específicos e não apenas para construir unidades residenciais.
Potencializar, por exemplo, é construir hotéis e desenvolver outras atividades econômicas nos bairros, visando emprego e renda.
Spernau é contra o adensamento populacional, principalmente em bairros que dependem da BR-101 para locomoção, ou estão separados pela estrada, pois os problemas de mobilidade já são grandes e não existe perspectiva que isso melhore de forma significativa no futuro.
O ex-prefeito, que é secretário municipal, falou à reportagem como cidadão, porque a revisão do Plano Diretor é decidida pela sociedade e não imposta pelo governo municipal.
Spernau também defende a manutenção de zonas residenciais unifamiliares, onde continuaria proibida a construção de edifícios.
Ele considera controverso permitir a construção de apartamentos menores, mas insiste que seja discutido um potencial construtivo restritivo, com liberdade de ocupação, mas com limitação no número de unidades.
O Potencial Construtivo ou Coeficiente de Aproveitamento é a relação entre a área do terreno e a área que pode construir. Se o Potencial for 5, por exemplo, num terreno de 300 m2, é possível construir 1.500 m2.
Spernau lembra que aumentar o potencial construtivo nos bairros não vai baixar o valor dos imóveis, ou torná-los mais acessíveis às pessoas que trabalham aqui, mas não podem morar na cidade, porque os preços superam a capacidade de pagamento.
Ele dá como exemplo o Centro, onde os preços subiram -e estão entre os mais elevados do Brasil- mesmo com o aumento do potencial construtivo.
O secretário do Planejamento, Fabiano Queiroz de Mello, que foi um dos delegados que ajudou a construir o Plano bem sucedido, em vigor há 15 anos, destaca que o maior desafio é a mobilidade.
Outra dificuldade, lembra o secretário, é a moradia, agora inacessível até mesmo à classe média, o que leva as pessoas a morar mais longe, alimentando as dificuldades de locomoção.
O que o Plano proporcionou
A reportagem, com auxílio do ex-secretário do Planejamento Auri Pavoni, reuniu informações que demonstram o sucesso do atual Plano Diretor, confira:
Crescimento do orçamento municipal
Entre os anos de 2010 e 2022, em valores corrigidos, o orçamento per capita da prefeitura de Balneário Camboriú aumentou 52%. Significa que a cidade teve mais dinheiro para investir em saúde, educação, infraestrutura etc., o que beneficia toda a comunidade.
Para comparação, a vizinha Camboriú no mesmo período aumentou sua população em 80%, mas o orçamento por morador cresceu apenas 22%. O desequilíbrio entre crescimento da população e orçamento municipal costuma resultar em graves problemas sociais.
O setor produtivo paga a infraestrutura

A principal e praticamente única indústria em Balneário Camboriú é a construção civil que desde o Plano Diretor de 2008 passou a pagar -e pagar caro- para produzir seus edifícios.
Foi usado um mecanismo do Estatuto das Cidades, o Solo Criado, e outros adicionais construtivos, para exigir que o construtor pague ao município se quiser construir acima de determinada metragem.
Desde 2008 esses mecanismos arrecadaram, em valores não corrigidos, R$ 784 milhões, uma “montanha de dinheiro” para uma cidade cuja capacidade de investimento até então era limitadíssima.
O Plano Diretor fixou adicionais mais baratos, quanto mais longe o edifício estiver da praia central.
Esse dinheiro é usado em melhorias de infraestrutura, desde o governo Edson Piriquito, como os binários de trânsito, viaduto da Quarta Avenida etc.
A pressão dos construtores para pagar menos adicionais construtivos é permanente, e existe o risco do prefeito endossar a ideia, pois recebeu amplo apoio da construção civil nas duas últimas eleições municipais.
O rumo que o prefeito sinalizar é importante, porque ele tem ascendência sobre os delegados do Plano Diretor e domínio sobre a Câmara de Vereadores.
Ao longo da história, sempre que os interesses da construção civil predominaram foi ruim para a cidade, porque os empresários, obviamente, procuram maximizar lucros, por isso são importantes os limites impostos pela sociedade, um sistema de peso e contrapeso que funciona bem.
Proprietário-turista paga e não usa
Provavelmente o maior segredo do sucesso de Balneário Camboriú seja o fato que os donos dos milionários apartamentos do Centro pagam IPTU elevado, contribuem para o condomínio o ano todo e quase nunca utilizam serviços públicos como saúde e educação. Eles pagam para a população fixa ter médico e escola.
Prédio alto não causa adensamento
Os prédios altos no Centro causam menos adensamento que a mesma área construída nos bairros.
Porque os apartamentos na área central costumam ter o dobro do tamanho, portanto com menos pessoas morando no prédio, além da maioria das unidades ficarem vazias a maior parte do ano.
Em taxas e impostos, num prédio construído na Atlântica, a cidade chega a arrecadar 200 vezes mais do que com a mesma área construída na Vila Real, Municípios ou Nações.
Tamanho do apartamento é vital
Atualmente, a área mínima dos apartamentos nos bairros é 50m2; na Avenida Atlântica 100 m2; na quadra do mar 90m2, avenidas Brasil, Terceira e do Estado 80m2. Com isso, fica impossível construir “pombais”, apartamentos pequenos, de baixo custo, que ao longo do tempo desvalorizam a cidade.
Há insistência por parte de alguns construtores em adotar padrões paulistanos de construção de estúdios (miniapartamentos) de 25 m2, mas esses empresários não parecem interessados em outra coisa a não ser ganhar dinheiro, mesmo à custa da qualidade de vida da cidade que os deixou multimilionários.
Discutir prédio alto é supérfluo
As manchas de sombra na faixa de areia da praia central são produto de quase 50 anos de construção de prédios altos, portanto atualmente não faz a menor diferença se um edifício terá 30 ou 130 pavimentos, pois a iluminação natural já foi comprometida de maneira irreparável.
Prédio alto dá muito dinheiro à cidade
Para construir em Balneário Camboriú é preciso pagar à prefeitura, sendo possível também adquirir adicionais de construção (Solo Criado, TPC, ICON, ICAD), que encheram os cofres do município desde 2008.
Por exemplo, o “Triumph Tower”, prédio residencial mais alto do mundo, que será construído na Avenida Atlântica pela FG/Havan, pagará à cidade R$ 125 milhões em licenças.
Serão 228 apartamentos de padrão “top”, portanto os proprietários também trarão muito dinheiro para gastar na cidade.
O que faltou dar certo
Educação é oportunidade desperdiçada

A demanda pelo ensino público municipal cresceu apenas 11% entre os anos de 2010 e 2023, enquanto que no ensino privado aumentou 78%.
Isso significa população com mais poder aquisitivo, que pode pagar ensino privado.
O ensino público, mesmo com muito mais dinheiro disponível para atender quase a mesma quantidade de alunos, marcou passo, as administrações municipais fracassaram em oferecer um ambiente educacional qualificado.
Os últimos resultados disponíveis do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb/2021), mostram os alunos dos anos iniciais em situação regular e dos anos finais e ensino médio com aproveitamento insatisfatório.
Metade dos alunos não teve bom aprendizado em português e a maioria não aprendeu matemática. Eles sairão da escolas despreparados para seguir adiantes nos estudos e sem uma qualificação profissional.
Apesar das promessas dos prefeitos Edson Piriquito e Fabrício Oliveira, a cidade não desenvolveu cursos profissionalizantes, nem mesmo aqueles que são fáceis de implantar e garantem excelente empregabilidade como os da área tecnológica.
“Pena que a melhoria proporcionada pelo Plano Diretor não veio acompanhada de avanços reais no ensino. Todas as cidades que investiram em educação ingressaram fortemente na nova economia, a economia do conhecimento, que hoje é a que mais cresce no mundo. Balneário Camboriú tem condições de educar melhor e com isso criar uma nova e forte matriz econômica”, defendeu Auri Pavoni.
Saneamento básico regrediu

Graves problemas com saneamento básico ressurgiram em 2022 e isso precisa ser levado em conta, de maneira prioritária, ao revisar o Plano Diretor.
Apesar da Empresa Municipal de Água e Saneamento (Emasa) ser superavitária -e o caixa da prefeitura ter enriquecido na última década e meia-, a cidade regrediu em tratamento de esgotos, devido a erros técnicos e administrativos.
Como consequência, na última temporada a praia central ficou poluída e na próxima também estará, porque as obras necessárias para corrigir os erros não estarão prontas. Ainda existe o risco de o sistema continuar capenga na temporada 2014/2015.
Outra situação que compromete o futuro da cidade é o fornecimento de água, porque o município não adotou medidas concretas para aumentar a reserva de água bruta e a solução proposta, uma grande lagoa em Camboriú, custaria centenas de milhões de reais, dinheiro que a Emasa não possui.
Valorização dos servidores públicos
Durante a campanha de 2016 o prefeito Fabrício Oliveira prometeu valorizar os servidores públicos, promovendo-os a cargos de confiança, mas isso nunca ocorreu.
Pelo contrário, ele adotou uma nefasta rotatividade de secretários (quase uma centena em seis anos) e loteou todos os cargos para agradar a grupos políticos.
O atual prefeito também terceirizou diversos serviços como as UPAs das Nações e Barra; manutenção predial de escolas e outras unidades, limpeza dos prédios municipais; contratação de 771 vagas em escolas privadas; manutenção da drenagem, paisagismo, Casa de Passagem, Abordagem Social etc.
Com isso, o município paga a empresas por serviços que antes eram executados por funcionários públicos, mas a quantidade de empregados (e o custo) na folha aumentou, em vez de diminuir.
Nova matriz econômica
Os dois últimos prefeitos usufruíram de cofres cheios por causa do Plano Diretor e prometeram desenvolver uma nova matriz econômica para Balneário Camboriú, com base tecnológica, o que é uma vocação natural para cidades agradáveis de morar e com alta qualidade de vida.
Não fizeram absolutamente nada nesta área, que poderia trazer excepcionais reflexos na economia (também na educação profissionalizante) e preparar a cidade para uma previsível futura redução na construção civil.
O bom exemplo está próximo, mas não foi seguido pelos prefeitos: em Florianópolis a tecnologia gera mais recursos do que o Turismo.
Próximas etapas do Plano

As reuniões dos Delegados Revisores do Plano Diretor prosseguem, com a expectativa de que em maio seja possível concluir essa etapa, com o encaminhamento do projeto à Câmara de Vereadores.
O Plano Diretor deveria ter sido revisto em 2013, mas isso não ocorreu e agora existe decisão judicial para que ela ocorra.