Considerado o maior historiador do século passado, Eric Hobsbawm (1917/2012) manteve sempre relações amistosas com nosso país. Tinha aqui numerosos leitores e admiradores e vários de seus livros, em especial “A Era dos Extremos”, foram bem recebidos, lidos e resenhados por brasileiros. Algumas de suas obras foram mais vendidas aqui que em outros países, inclusive da Europa e nos Estados Unidos. Segundo os críticos, Hobsbawm foi um grande escritor, além de autoridade mundial no campo da história, de sorte que seu estilo leve e elegante cativa o leitor mesmo na abordagem de assuntos graves e pesados.
Em seu livro com o curioso título de “Bandidos” ele abordou o fenômeno do banditismo social sem viés ideológico ou pré-ideológico. Nele os atores não conheciam as ideologias que dominaram o Século XX, como o fascismo, o nazismo e o marxismo. Agiam por impulso e em geral movidos por motivos pessoais, como foi o caso do cangaceiro Lampião. Eram revolucionários primitivos. E nesse ponto ele incluía o caso do Brasil entre outros países onde ocorreram fenômenos assemelhados. “O bandido social – escreveu ele – era um representante da sociedade rural, vivendo às suas margens e lutando pela redistribuição da riqueza, como Robin Hood, ou vingando-se por males cometidos, como o brasileiro Lampião, ou organizando uma resistência esporádica e desorganizada contra o Estado” Creio que ele não tomou conhecimento da chamada Guerra do Contestado, outro caso de rebelião primitiva e que se constituiu numa verdadeira revolução, surgida de baixo para cima e visando alterar pela força um status quo injusto e autoritário.
Viajante incansável, sempre com o pé na estrada, Eric andou várias vezes pela América Latina, inclusive pelo Brasil. Ficou horrorizado com o que acontecia na Argentina, onde uma ditadura militar implacável, com o apoio clandestino dos americanos, “prendia, torturava e desaparecia com dezenas de milhares de cidadãos suspeitos de aderir ou apoiar movimentos de resistência armada.” Menciona também o Brasil, “onde as coisas estavam igualmente ruins e uma ditadura militar continuava no poder, embora chegando perto do fim.” Também na Colômbia da época a mortandade promovida pelo totalitarismo era assustadora. Essas observações me trazem ao panorama do Brasil de hoje em que muitos desavisados clamam pelo retorno da ditadura.
Estendendo suas pesquisas sobre rebeldes primitivos, Eric esteve em Pernambuco e se espantou com a pobreza do povo mal alimentado e mal vestido, em contraste com São Paulo que “parecia uma Chicago do século anterior.” Percebeu que as Ligas Camponesas tinham o “potencial imenso de uma organização e davam sinais de revolta dirigida contra o alvo certo.” Logo depois elas foram desbaratadas pela ditadura. “Eu sou louco pelo continente latino”, declarou em entrevista no Chile..Já no Brasil, alertou que o colapso da URSS colocava em risco o estado de bem estar social conquistado como forma de defesa e que dali em diante perderia a importância. Ele previa a onda direitista que vem até hoje.
Em importante conferência proferida na UNICAMP, em Campinas, Eric alertou que estava na hora de varrer para o passado os golpes militares e conciliar o Brasil e a América Latina, de uma vez por todas, com a democracia. Suas palavras tiveram ampla repercussão, embora a imprensa ainda sofresse os efeitos da censura,
Muitas de suas manifestações dão o testemunho de seu apreço pelo nosso país, inclusive pela música popular brasileira, da qual foi apreciador. E revelam que ele conhecia muito bem o Brasil. Em retribuição, os brasileiros eram fiéis leitores de suas obras.
Em 2003, Eric foi a estrela da Festa Literária Internacional da Parati (FLIP), ocasião em que fez palestras, deu entrevistas e autógrafos, convivendo com quantos o procuravam. Sua participação foi um grande sucesso. A figura magra e de óculos se tornou familiar aos brasileiros.
Foi publicada no Brasil sua biografia sob o título de “Eric Hobsbawm – Uma vida na história”, e autoria de Richard J. Evans, publicada pela Editora Planeta do Brasil em tradução de Cláudio Carina (São Paulo – 2019). É uma obra monumental que reconstitui passo a passo a vida de um gigante da historiografia universal.