Acabo de voltar de Joinville, onde fui submetido a uma avaliação dos olhos. Afirmam os facultativos, como diria o Nogueira, que está tudo bem. Também me mandaram “voltar às atividades”, como haviam feito antes.
Cumprindo tais ordens, perlustrei (outra vez o Nogueira) os dois volumes da “A Barca.de Gleyre”, reunião de 44 anos de cartas enviadas por Monteiro Lobato a Godofredo Rangel. Leitura atenta, de caneta na mão, anotando e riscando. Aliás, as páginas têm tantos riscos e anotações, com tintas diferentes, que às vezes confundem. Mas o fato é que, mais uma vez, saí do livro fascinado. As comparações, as imagens, o humor, a ironia, a erudição – coisas incomparáveis. O que ele diz a respeito de Camilo Castelo Branco, seu mestre maior, estilos literários e cartas daria grandes ensaios sobre os três assuntos se fossem colocados em ordem.O final da última carta é emocionante:
“Adeus, Rangel! Nossa viagem a dois está chegando perto do fim. Continuaremos no Além? Tenho planos logo que lá chegar, de contratar o Chico Xavier para psicógrafo particular, só meu – e a 1a. comunicação vai ser dirigida justamente a você. Quero remover todas as tuas dúvidas.”
Quanto à foto da Cainçalha, grupo que se reunia no Minarete em que cada um recebia nome de cão, entendi a situação. Na “Barca”, o terceiro da direita para a esquerda é Raul, como alguém sempre disse. Na obra de Edgard Cavalheiro, entre as páginas 142 e 143, o mesmo cão aparece como Nogueira, o que está errado. Foi um equívoco do biógrafo com olhos descataratados muito bem esclareci. Ironia da história: “Furacão na Botocúndia”, cujos autores criticam Cavalheiro, incidiram no mesmo erro, revelando que se basearam no próprio criticado. Bem dizem os campeiros que a língua é o chicote da bunda!
Nessa leitura fiquei de olho arregalado para o Frango Sura, procurando registrar qualquer indício de sua presença. E lá o encontrei nas páginas.77, 78, 80 (duas vezes), 89, 104, 107, 108, 115, 129, 134, 138, 151, 159, 164, 165 e 255, todas do Vol. II. Salvo engano ou escondidela em alguma macega, não o avistei no Vol. I. Devia ser uma figura muito incomodativa para aparecer tanto assim! Sequioso por agarrá-lo pelo pescoço, eis que de rabo não dispõe, continuei seguindo os indícios..
Ansioso, fui à minha coleção da “Revista do Brasil”, temendo não encontrar, pois ela não é completa, faltando alguns tomos. Mas lá me deparei com os números de agosto e setembro de 1916, onde estaria a chave. Folheei página por página e veio a decepção: não há nada assinado por Plínio Barreto nesses dois números. Existem resenhas subscritas com iniciais ou pseudônimos, como Yorek, mas nada que se encaixe com Plínio Barreto ou o presumível Frango Sura. Não contente, recuei vários meses, página por página, e só encontrei um longo artigo assinado por aquele escritor, tratando de Leonor Telles, parece que uma historiadora portuguesa maltratada pela crítica (págs. 262 a 274, número de julho de 1916). Nada mais que pudesse abrir caminho à identificação do misterioso Frango Sura. . .
E agora? Que fazer?
Como acredito que existam fundadas suspeitas de quem fosse o incomodativo personagem, abrigo a esperança de que surja alguma coisa.
E já que estou no terreno das indagações, quem foi o meu xará Enéias, que ora é prefeito (de Taubaté?), ora é juiz de Ubatuba e tio-afim de Lobato? Ambos estavam no tão lembrado acidente do Trole. Em carta de outro livro, Lobato fala nas “fantasmagorias do Enéias.” Ainda outra pergunta: quem seria o F. às vezes mencionado? Seria o próprio?
Em telefonema, D. Hilda Junqueira Vilella Merz afirma que o Frango Sura foi Manoel Francisco Pinto Pereira, conforme ela sustenta numa pesquisa não publicada a que chamou “Lobatiana número 2.” Ela foi diretora do Museu/Arquivo da Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, de São Paulo, conheceu o escritor e muito sabe a respeito de sua vida/obra.