Nutricionista com 20 anos de experiência, Priscila Magalhães aposta em um atendimento fora do padrão: sai a mesa do consultório e entra a cozinha, com panelas, ingredientes e muito afeto. Alimentos que causam medo, refeições que são um campo de batalha e famílias inteiras fragilizadas por uma questão aparentemente simples: a alimentação.
Há duas décadas atuando exclusivamente com crianças e adolescentes, a nutricionista Priscila, de Balneário Camboriú, tem uma visão muito clara sobre como é possível transformar esse cenário.
“Hoje não cabe mais nutricionista atrás da mesa apenas prescrevendo o que pode ou não comer. Não que o cálculo das necessidades nutricionais não seja importante, mas é preciso ir além”, afirma.
Essa busca por algo a mais levou Priscila a criar a primeira cozinha terapêutica de Balneário Camboriú, localizada na Rua 1.021, 140, no Centro, com toda a estrutura necessária para permitir autonomia às crianças e adolescentes: forno elétrico, espremedor, geladeira, formas, facas, utensílios adaptados, além de sala de brincar, banheiro acessível e recepção. Como ela mesma define: é um espaço projetado para que as crianças possam ter contato com os alimentos de maneira positiva, sensorial e respeitosa.

“Um ambiente onde é possível colocar a mão na massa, literalmente”, acrescenta.
Por que a cozinha?
A resposta está, segundo a nutri, no impacto sensorial e emocional da alimentação infantil. Muitos dos pacientes que chegam até a nutricionista apresentam diagnósticos complexos, como seletividade alimentar severa, dificuldades sensoriais e até medo do alimento.
“A cozinha vem para a criança ter contato com o alimento, para ver a alimentação não de forma estressante, mas com memórias positivas. Terapeuticamente falando, a criança só consegue tolerar um alimento quando não sente medo. E como ela deixa de ter medo? Fazendo amizade com a comida. Isso acontece no preparo de um bolo, de uma panqueca, de uma massa caseira”, comenta.
Esse processo é contínuo e respeita o tempo de cada criança. “Ela precisa sentir o cheiro, a textura, e isso tem que ser frequente. É nesse contato respeitoso que a gente trabalha a autonomia alimentar”, complementa.

Um desafio complexo
Hoje, Priscila acompanha cerca de 35 pacientes com diagnóstico de dificuldade alimentar.
A maioria apresenta preferências restritas, como por alimentos pastosos, o que pode também estar ligado à falta de desenvolvimento adequado da mastigação. Arroz, feijão, saladas e proteínas sólidas costumam causar mais ‘receio’.
“As principais refeições são as maiores dificuldades. Muitos perderam o contato com o prato feito, e o que vemos é a preferência por frango empanado, batata palha, macarrão. Os alimentos coloridos e a mistura causam receio nas crianças”, analisa.
Boa parte dos casos também está associada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), embora a nutricionista faça questão de dizer que isso não é uma regra.
“A questão sensorial é mais exacerbada dentro do espectro, mas não vem no ‘pacote do autismo’. Existem crianças com transtornos do processamento sensorial que não têm autismo, mas enfrentam sérios desafios com a alimentação”, observa.
Terapia alimentar: mais do que brincar com comida
Apesar de parecer algo simples à primeira vista, a terapia alimentar é um processo técnico e estruturado.
“Não é só brincar com a comida. Existe um plano terapêutico, com histórico do paciente, objetivos definidos, acompanhamento das evoluções e, principalmente, estudo por trás”, disse Priscila.
Cada criança tem um cardápio personalizado, que antecipa o que será trabalhado nas sessões — como purê de batata, macarrão ou alimentos novos que precisam ser introduzidos aos poucos.
“Previsibilidade e organização fazem toda a diferença. A criança precisa saber o que vai acontecer. Elas aprendem brincando, mas com técnica e direcionamento. Tudo é feito de forma individualizada, respeitando o diagnóstico e a demanda de cada paciente”, acrescenta.
Além disso, a nutricionista atua em constante troca com outros profissionais que acompanham os pacientes, como psicólogos e fonoaudiólogos, garantindo uma abordagem interdisciplinar e integrada.
Pais são parte fundamental do processo
Se a criança está no centro do atendimento, os pais estão logo ao lado. O envolvimento da família é essencial para que os avanços obtidos na cozinha terapêutica se reflitam em casa.
“Antes de uma criança que come mal, existe uma família fragilizada. Não é um espaço para julgamentos, e sim para oferecer ferramentas práticas e apoio emocional”, ressalta.
Ao final de cada sessão, os responsáveis recebem feedbacks detalhados e orientações para treinos domiciliares. A ideia é criar um ambiente mais seguro para a alimentação também fora da clínica.
“Muitos pais sabem que algo está errado, mas não sabem como sair disso. Meu papel é encorajar a criança e dar ferramentas palpáveis para a família. Se não existe o hábito de almoçar todos juntos, por exemplo, não se trata de forçar isso, mas de adaptar. O papel da cozinha terapêutica é ser apoio, ouvido e abraço”, diz.
Os adolescentes também têm vez – a nutri explica que há pais que têm receio de deixá-los preparar os alimentos, por isso na cozinha terapêutica eles (adolescentes) também podem aprender a fazer um omelete, um sanduíche nutritivo, um risoto simples.
“O adolescente ganha noções básicas de cozinha, o que também é fundamental para o futuro”, comenta.
A clínica também mantém convênio com a AMA (Associação de Pais e Amigos do Autista), e está conectada a uma rede de profissionais e instituições para potencializar os resultados do atendimento.
Para conhecer mais sobre o trabalho de Priscila, basta acessar @cozinhaterapeuticabc.