A história da pirata Alwilda, também grafado Awilda, Altilda, Alvilda ou Aelfhind é, muito provavelmente, totalmente fictícia. Supostamente teria ocorrido por volta do século V na Finlândia. Não existe um consenso quanto ao local e data. Alguns autores (Durham, 1840; Beorh, 2009; Stanley, 1995) situam a história de Alwilda no século V, outros (Sharp, 2002) em 1100. Referências posteriores ao registro de Saxo Grammaticus (1150-1220 d.C.) citam Suécia (Garcia, 2011), Finlândia e Dinamarca como locais do acontecimento. Como mencionado, tudo o que sabemos de Alwilda provém da obra Gesta Danorum, do autor Saxo Grammaticus.
Saxo nos relata em determinado momento, a história de Alwilda, filha de Synardus, um rei gótico que a prometeu ainda jovem como esposa ao príncipe Alf, filho de Sygarus, rei da Dinamarca. Inconformada com a situação de submissão a qual as mulheres eram obrigadas a aceitar, optou por fugir do compromisso matrimonial imposto tornando-se uma andarilha, vestida como homem para não chamar a atenção. Em determinado momento de suas andanças, encontrou uma embarcação cuja tripulação era composta por diversos jovens, muitos na mesma situação que a dela, mulheres vestidas com roupas masculinas e jovens fugidos de suas famílias por não suportarem a pressão social imposta por seus pais. Resolveram então navegar juntos para longe daquelas obrigações caseiras quando se depararam com um barco pirata. A tripulação de bandidos lamentava a morte de seu capitão e estavam com dificuldades em escolher um novo líder; mas ficaram tão cativados e impressionados com a postura de Alwilda, que resolveram elege-la líder da bandidagem.
Esta primeira parte da história de Alwilda ganhou uma segunda versão com elementos mais fantasiosos e típicos da Idade Média (Sharp: 2002). Nela, o pai Synardus (ou Sypardus) tomado de ciúmes dos muitos pretendentes de sua filha, trancafiou-a no alto de uma torre, cercada por serpentes venenosas. Os pretendentes que almejassem sua mão em casamento, deveriam vencer as serpentes. Muitos morreram, e somente um príncipe chamado Alf conseguiu tal feito, apenas para descobrir que a princesa Alwilda, com a ajuda da mãe, havia fugido de seu quarto na torre, juntamente com todas suas criadas e outras mulheres nobres, tomando um barco e formando uma tripulação de piratas. O príncipe Alf ficou tão furioso, que jurou encontrá-la.
Vamos continuar com a primeira versão. Agora na situação de piratas, a tripulação mesclada de homens e mulheres ganhou grande reputação na região pelos vários assaltos e prejuízos que causaram nas vilas costeiras e barcos mercantes. E foi assim que o rei Sygarus enviou seu filho Alf para combater a horda de meliantes, sem que ele soubesse que se tratava na verdade, de sua ex-pretendente. O encontro ocorreu no golfo da Finlândia e o embate entre as forças reais e os piratas foi violenta. Mas por fim Alf conseguiu invadir o barco e seus homens mataram quase todos os tripulantes, fazendo refém a líder dos piratas, que trazia seu rosto oculto por um elmo.
Ao retirar o capacete, uma enorme cabeleira vermelha caiu sobre os ombros do pirata. Qual não foi a surpresa de Alf ao descobrir que se tratava de sua foragida e amada Alwilda. E após uma longa conversa, conseguiu convencê-la a se casar com ele, ainda a bordo do navio pirata, e depois a levou para partilhar de sua riqueza, na corte de seu futuro reino.
Tudo leva a crer que o casal “viveu feliz para todo sempre”, como assim nos diz a regra máxima dos contos de fadas. E realmente o teor da história está envolto em elementos narrativos medievais que valorizavam a aventura, o romance e as “correções” sociais, pois a uma princesa não lhe era permitida a vida de aventuras, quanto mais a vida de pirataria. Cabia a elas casar e ter filhos – homens de preferência – que assegurassem a continuidade da Casa Real.
Talvez o mais interessante no conto de Alwilda seja o registro feito por Saxo Grammaticus da insubordinação feminina frente sua situação social; insatisfação essa estendida posteriormente às suas “criadas e demais damas da corte”. Mesmo que se trate de um ingênuo conto popular – e provavelmente o é –, seu mero registro já é fato notável. E mais notável ainda é o contraponto que o conto faz com o outro extremo da situação: um bando de jovens mulheres insatisfeitas optando pela pirataria! A pirataria, que no caso de Alwilda, era o oposto da submissão, do casório e da vida subordinada ao marido. Era a liberdade em oposição a prisão social.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e editor da revista Gilgamesh. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a página: (revistagilgamesh.com.br)