- Publicidade -
21.1 C
Balneário Camboriú

ACREDITAVAM OS PRÉ-COLOMBIANOS EM SEUS MITOS?

Dalton Delfini Maziero
Dalton Delfini Maziero
Historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador das culturas pré-colombianas e história da pirataria marítima.
- Publicidade -
- Publicidade -

Esta é uma das perguntas mais complexas e difíceis de responder em relação ao mundo pré-colombiano. Paul Marie Veyne (1930-2022) em sua obra, “Os gregos acreditavam em seus mitos?” explorou de modo muito abrangente o sentido da verdade entre os antigos gregos e o conceito de alegoria. Podemos transpor algumas dessas reflexões para a antiga América? Acredito que sim.

No mundo pré-colombiano, existiu uma aceitação popular pelo sagrado, associado a uma casta ou liderança político-religiosa. No mundo Andino, os Incas impuseram seu poder pela força em um vasto território, difundindo a ideia que eram herdeiros de uma linhagem mítica, oriunda da época da criação. O casal sagrado – Manco Capac e Mama Ocllo –, formadores desta linhagem, fortaleciam o argumento Real e a justificativa de expansão territorial. Mas como a população de modo geral aceitava esse argumento? O respeito prestado aos líderes incaicos era de fato pautado pela crença de sua origem divina ou existia um respeito temerário diante do poderio apresentado?

Arqueólogos encontraram recentemente, vestígios em Vichama – litoral do Peru – de espaços sagrados usados para aplacar a fúria de entidades que castigavam a região com tempestades ou secas. Desta forma, os antigos peruanos pediam melhor sorte às entidades organizando oferendas específicas em lugares específicos, sob uma arquitetura específica. Um desses espaços trazia a imagem de um sapo – ser natural associado a chuva – e imagens esculpidas de homens esqueléticos que pereciam pela fome. 

Da mesma forma na Mesoamérica, no vale de Oaxaca, a poderosa cidade de Monte Albán cobrava tributos de todas as comunidades zapotecas da região. Para justificar essa cobrança, impunham a força de um exército, mas também o controle sobre o sagrado, sobre o divino, através de rituais específicos que só uma casta privilegiada poderia praticar. A partir do momento em que Monte Albán enfraqueceu, as comunidades zapotecas tributadas não pensaram duas vezes em seguir seu próprio caminho e até se associar a povos invasores que minaram o poderio na antiga cidade. Podemos pensar então, que os zapotecas não levavam a sério as práticas sagradas que as autoridades de Monte Albán conjuravam junto a entidades míticas? 

A cosmovisão pré-colombiana esteve intimamente ligada a natureza e entidades que nela habitam. Montanhas, vales, rios e cavernas são lugares muitas vezes sagrados, morada de deuses ou de antepassados distantes venerados como entidades especiais e vivas, capazes de interferir na vida cotidiana. Em minhas andanças pela Cordilheira dos Andes, pude observar pequenos povoados que ainda hoje realizam oferendas as suas entidades, independente de uma pressão política ou religiosa das autoridades estatais. A crença no sobrenatural, e na capacidade de sua intervenção na realidade diária da população é algo bastante presente e natural. 

Na Mesoamérica, a entrada de cavernas – Cenotes – e suas galerias submersas, nunca foi apenas um espaço geográfico causado por erosão e desmoronamento. No passado, aqueles locais representavam a entrada para o infra mundo, onde duas esferas de realidade se cruzavam. Onde o mundo terreno dos vivos tocava o mundo dos mortos. Inúmeras oferendas já foram resgatadas dessas águas, incluindo ossos de pessoas sacrificadas. Contudo, diferente do que ocorre no Peru, esses lugares específicos hoje foram tomados pelo turismo, diluindo a permanência e crença popular em sua antiga função sobrenatural. 

Neste pequeno ensaio, posso afirmar que sim, os antigos pré-colombianos de fato acreditavam em mitos, entidades e lendas; e até construíam espaços sagrados para difundi-los. Qual a adesão a esta crença? Não sabemos! Mas esta relação entre sociedade e entidades míticas é muito mais complexa e cheia de particularidades dependendo da região e da época onde ela ocorria.  

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e editor da revista Gilgamesh. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a página: (revistagilgamesh.com.br

Clique aqui para seguir o Página 3 no Instagram

Últimas do mesmo autor

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -