A relação entre as civilizações pré-colombianas é motivo de estudo ainda hoje. Sabemos que, seja na Mesoamérica ou nos Andes, elas coabitavam os mesmos espaços e costumavam realizar trocas comerciais ou embates bélicos por motivos variados, em especial, pela conquista de territórios e produtos.
Na semana passada, uma nova descoberta arqueológica revelou mais um pouco sobre a relação entre esses antigos povos: um altar da cultura Teotihuacán foi descoberto no coração de Tikal, a emblemática cidade Maia hoje em terras da Guatemala. Datado do final de século IV (c. 378 d.C.), a estrutura não deixa dúvidas sobre sua origem, pois tanto a arquitetura quanto os motivos pictóricos são típicos de Teotihuacán e bastante distintos do que os maias praticavam. A descoberta surpreende, pois, a distância entre Tikal e Teotihuacán é de mais de 1.000 quilômetros!
O altar em questão foi localizado dentro de um pátio residencial da elite maia. Ele tem apenas 1 x 2 metros de largura, com 1 metro de altura; mas suas quatro faces são ornadas com rostos frontais ostentando cocares de penas e tiaras circulares. As cores típicas de Teotihuacán também estão presentes: preto, amarelo e vermelho. Os arqueólogos envolvidos na descoberta – Edwin Román Ramírez, Lorena Paiz Aragón, Thomas G. Garrison, Angelyn Baixo, Stephen Houston entre outros – não tem a menor dúvida que se trata de uma obra realizada por habitantes oriundos de Teotihuacán.
A partir desta evidência, uma série de questões começaram a surgir. A principal delas questiona a autonomia de Tikal em relação a Teotihuacán. Estariam os arqueólogos diante de uma “cópia” da arte praticada em Teotihuacán pelos maias? E se de fato for uma cópia, ela foi realizada por admiração ou por imposição de autoridades estrangeiras à Tikal? Contudo, devido a fidelidade da arte, os arqueólogos supõem que o altar foi de fato erguido e pintado por membros da elite de Teotihuacán como forma de dominação política.
Reforça essa teoria de dominação a descoberta de corpos sepultados no interior do altar. Um deles de um homem adulto acompanhado de objetos de obsidiana verde – material típico de Teotihuacán – e de crianças (entre poucos meses a 3 anos) posicionadas em posição fetal (sentada), o que não era comum nos sepultamentos maias de Tikal. Da mesma forma, inscrições localizadas na década de 1960 sugeriam a interferência de Teotihuacán em Tikal, onde teoricamente haviam instalado um mandatário de sua vontade. O texto mencionava a deposição de um rei e sua substituição por um quisling (pessoa ou autoridade que colaborou com a ocupação estrangeira). Ou seja, a descoberta pode ter confirmado uma dominação política entre os dois grupos que se arrastou por muitas décadas.
É provável que esta intervenção do poderoso império de Teotihuacán sobre os maias não tenha ocorrido de forma violenta, mas sim por intimidação. Iucatã era um território rico em minérios, jade, madeira, animais, penas, frutas tropicas e chocolate. Desta forma, é provável que tal dominação ocorreu como forma de se obter produtos dos quais o México central carecia.
Tanto o altar quanto outras evidências de Teotihuacán em Tikal foram posteriormente enterradas cerimonialmente pelos maias, sugerindo que Tikal havia de libertado do jugo estrangeiro e queria assim apagar qualquer evidência deste período de subordinação. Contudo, somente as futuras escavações irão confirmar de fato tais suposições.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e editor da revista Gilgamesh. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a página: (https://www.revistagilgamesh.com.br)