Já não é novidade que no universo do mundo pré-colombiano, os Incas foram aqueles que ocuparam o maior número de regiões possíveis na América do Sul. Foi de fato, um dos maiores impérios do mundo! E a necessidade de possuir tantas terras sob seu controle não era por mera vaidade. Dominar pisos ecológicos diferentes era a garantia de obtenção de recursos distintos e também uma forma de aplicação de poder.
Até poucas décadas atrás, a certeza que tínhamos era que os Incas ocuparam toda a Cordilheira dos Andes – hoje território peruano – e os extremos norte (representado pelo atual Equador) e o extremo sul (representado pelo Atacama, no Chile). Mas uma recente descoberta nas proximidades do Aconcágua e Mendoza (Argentina) lança uma dúvida sobre os limites deste poderoso império. Segundo o andinista Miguel Doura, uma série de sinais em forma de “U” foram descobertos a apenas 3km do atual acampamento base do Aconcágua. Estas formações, conhecidas como “pircas”, serviam para demarcação de território, mas também como espaços cerimoniais como a observação celestial de solstícios e equinócios.
Não é segredo que proeminentes montanhas eram referência na cosmovisão dos povos pré-colombianos. Esses locais eram considerados “huacas”, lugares sagrados, e muitas vezes ocupados por entidades míticas com poder para interferir na vida dos homens. Por vezes, às montanhas eram dedicadas oferendas e a elas eram traçados caminhos sagrados de peregrinação. Seria então o Aconcágua, um desses lugares sagrados? Segundo o especialista em arqueoastronomia Gustavo Corrado e o investigador Víctor Durán, a descoberta dessas estruturas pode sim ser um forte indício que a região foi ocupada pelo Incas com uma função simbólica e ritualística; e à descoberta se somam outras como o sítio conhecido como “Puente del Inca” e o corpo de uma criança mumificada, sacrificada, encontrado na região.
A questão que se coloca aqui é até onde os Incas chegaram dentro do continente Sul-Americano? Teriam atingido locais mais ao sul ainda? E como seria essa ocupação? Será que foi uma ocupação física permanente, ou apenas simbólica representada por peregrinações? Sabemos que o simples fato de uma estrutura estar presente em determinado território não significa, necessariamente, sua ocupação permanente. Temos como exemplo diversos geoglifos do norte do Chile (Atacama) que representavam uma ocupação territorial não efetiva. Eles funcionavam mais como um lembrete que naquele território existiam grupos ativos.
No caso dos Incas, a incerteza de seu limite territorial ao sul do continente também ocorre na direção leste. Até então, o limite aceitável estava demarcado pelas ruínas de Samaipata (Bolívia), um limiar entre as terras altas e a floresta. Será que não devemos nos perguntar se os Incas também não avançaram além de Samaipata, mesmo que de forma simbólica e ritualística, adentrando-se em território brasileiro?
O “Qhapaq Ñan” (Caminhos Incas) percorrem de norte a sul as terras incaicas, por cordilheiras e pelo deserto litorâneo; mas são poucos os vestígios destes no sentido leste. Muitos trechos desse antigo caminho eram na verdade, anterior aos Incas. Um sistema de caminhos bem mais antigo, cujos vestígios desapareceram com o tempo. Podemos tomar como exemplo o “Peabiru”, uma vertente confirmada desse sistema de caminhos que vinha das cordilheiras andinas atravessando o Paraguai e entrando no Brasil até o litoral de São Paulo. Esse antigo caminho foi registrado pelos portugueses e inutilizado por lei, para evitar prejuízos no comércio que controlavam. O Peabiru, uma vez abandonado, caiu no esquecimento e somente há poucas décadas começou a ser redescoberto. Também no norte do Peru existem indícios que um segundo caminho pré-colombiano levava ao território amazônico, fazendo a ligação entre cordilheira e litoral norte do Brasil.
Desta forma, a recente descoberta de vestígios incas no Aconcágua vem apenas reforçar a ideia que os Incas chegaram mais longe do que podemos imaginar, e que uma possível presença – mesmo que simbólica – em quase todo continente Sul-Americano, não é uma ideia tão absurda como pode nos parecer.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)