Num conto de Lygia Fagundes Telles, um ganso e um galo, ambos brancos, eram amigos inseparáveis. Embora formando uma dupla estranha, caminhavam lado a lado pela granja, em longas e misteriosas conversas. O ganso, mais comedido, empinava o longo pescoço e esbugalhava os olhos redondos antes de responder. Com as asas lançadas para trás, como braços cruzados nas costas, sobrestava o passo e ponderava na resposta. Já o galo, agitado, sacudia impaciente sua larga crista vermelha, enfático no argumento ou ansioso pela resposta. E assim, compostos como convém a dois respeitáveis cavalheiros, andavam e andavam, provocando geral admiração.
Ainda que fugindo do texto da contista, fico imaginando alguns dos assuntos dessas peripatéticas andanças.
“Có! Você tem reparado, compadre, como anda ruim o milho que nos servem?” – questionava o galo com a preocupação na voz.
“Horrível, compadre, horrível!” – concordava o senhor ganso, entre grasnidos. – “Além de carunchado, é duro e sem gosto.”
“Deve ser conseqüência dos agrotóxicos que aplicam nas lavouras” – acudia o galináceo. – “Có! Có!”
“E a ração, compadre? É azeda” – e o senhor ganso dava uma esticadinha no longo pescoço. – “Que andarão colocando nela?”
“Có, có, có!” – concordava o galo com sucessivas olhadelas para os lados e sacudidas de crista.
“Até a água do lago tem algo estranho” – informava o ganso. – “Sempre que saio de meu nado diário sinto uma comichão esquisita na barriga…”
“É mesmo, compadre? Que absurdo!” – protestava inconformado o senhor galo. – “Estão envenenando nosso mundo. Có! Có! Có!”
“E eles ainda se julgam os reis da criação!” – ajuntava seu ganso, esticando o pescoço.
E assim, preocupados, prosseguiam em suas caminhadas, lado a lado, solidários e coesos. Para sorte deles, estavam alheios à politicalha, com a qual não sobrecarregavam suas justas preocupações. Ainda bem!
Mas voltemos ao conto para que o leitor não fique no ora-veja.
Vai que um dia, na ausência do granjeiro, um novo cozinheiro desastrado agarra o pobre ganso e, sem o menor respeito pelos seus ares cavalheirescos, torce-lhe o pescoço e o leva à panela.
O galo, estranhando a ausência do amigo, procura-o por toda a parte, como se perguntasse: onde está ele? E desde então se recusa a comer e a beber. Sua crista perde a cor, as penas se arrepiam, os olhos parecem fixos. Até que, numa manhã cinzenta, foi encontrado morto no local em que o compadre ganso costumava sair do lago depois de seu nado diário.
Coisas!