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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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ÁLBUM PARAIBANO

Oferecido pelos amigos Yó e Cláudio Limeira, ambos escritores e poetas, tive acesso ao álbum “Paraíba na Literatura”, editado pelo Governo do Estado. Em tamanho grande, impresso em papel especial e muito bem ilustrado, é acondicionado em estojo e contempla a vida e a obra de vinte expoentes das letras paraibanas. Entre eles estão Ascendino Leite, poeta aclamado pela melhor crítica e amigo com quem estive por várias vezes, inclusive em sua morada em João Pessoa, Elizabeth Marinheiro, com quem também estive, Cláudio Limeira, companheiro de andanças na capital paraibana e sua esposa Yó e W. J. Solha, romancista, cuja obra comentei na imprensa. Outros nomes bem conhecidos também integram o volume, como Ernani Sátyro, Hildeberto Barbosa Filho, Sérgio de Castro Pinto e Juarez da Gama Batista. É um excelente repertório destinado a bem divulgar as letras da Paraíba.

O volume se abre com belo ensaio sobre Ascendino Leite (1915/2009) de autoria de Mercedes Ribeiro Pessoa Cavalcanti. Ela ressalta a importância da obra diarística do autor, longa e persistente, colocando-o no patamar de Lima Barreto, Humberto de Campos e Lúcio Cardoso embora nenhum deles o tenha superado em qualidade e quantidade. No que respeita à poesia, Ascendino foi reconhecido a uma só voz como criador e filósofo como costuma acontecer com os grandes poetas. Só na maturidade assumiu a condição de poeta e na sua poesia transparece o telurismo que, acredito, o levou de retorno do Rio para sua Província. Também produziu romances que mereceram aplausos de grandes nomes de nossas letras. Como pensador, registrou suas cogitações em aforismos em que aborda inúmeros temas, inclusive suas ideias sobre a arte. Intelectual e escritor completo, Ascendino me honrou com a amizade desinteressada. Quando o visitei em Tambaú, agarrou-se a mim e não queria que eu partisse, repetindo com os olhos marejados: É a última vez que nos vemos! E tinha toda razão, não tardou a partir para o “eterno repouso.” Mas, como ele próprio escreveu, “Morrer é voltar para casa.” O ensaio da escritora e artista plástica é uma bela e merecida homenagem. 

Figura da maior expressão no meio cultural paraibano é Elizabeth Marinheiro, cujo perfil é traçado pelo crítico literário José Mário da Silva. Nascida em Campina Grande, dedicou-se com afinco ao ensino da literatura, graduando-se, obtendo o mestrado e o doutorado. Lecionou na Universidade Estadual e na Federal. Fez cursos no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e na Espanha. Além disso, foi ativa realizadora, criou congressos que projetaram Campina Grande no cenário nacional de literatura e outros eventos de grande repercussão. Segundo o crítico, ela “fez da sala de aula um verdadeiro laboratório de criatividade sustentada por metodologias renovadoras e repertório teórico-crítico sumamente moderno.” Nas minhas visitas a Campina Grande pude constatar in loco a admiração e o reconhecimento dos conterrâneos pela agitadora cultural que fixou para sempre a cidade sertaneja no panorama cultural brasileiro. Meu saudoso amigo Joaquim Inojosa tinha por ela grande admiração e foi num almoço por ele oferecido que pude conversar bastante com ela. Em um de seus livros fui honrado por excelente análise de minha obra. 

A “versatilidade ostensiva” de Waldemar José Solha é analisada em ensaio de João Batista de Brito. Para ele, no paulista de Sorocaba que se enraizou na Filipéia essa versatilidade “ocorre de forma orgânica: sua poesia é teatral, seu teatro é poético, sua ficção é plástica, sua pintura é funcional, e assim por diante.” Talento múltiplo, Solha é escritor, poeta, ator, compositor e artista plástico que encontrou em terras paraibanas seu verdadeiro chão. Sua produção intelectual se espraia pelo cinema, pelo teatro, pela pintura, pela poesia e pelo romance. Agitador cultural incansável, tem realizado experiências na área da estética, embora afirme que “arte é a capacidade de se resolver problemas estéticos.” Tenho especial admiração pelos romances de Solha, um dos quais comentei nesta coluna.

Em deliciosa crônica evocativa, Cláudio Limeira retrata uma figura humana das mais curiosas a partir do nome: Eulajose Dias de Araújo. Barbeiro de profissão, sempre sorridente e empunhando uma pasta 007, era assíduo frequentador das repartições da área cultural e dos grupos de escritores e artistas. Tinha paixão pela poesia e rabiscava seus versos em qualquer papel, até mesmo em pacotes de pães e onde quer que se encontrasse. Não havendo banco numa praça, o meio-fio servia de assento e com a pasta sobre os joelhos escrevia seus poemas antes que a inspiração passasse.  “A poesia de Eulajose era de uma originalidade desconcertante – depõe Cláudio. – Cada palavra era sua digital. As palavras saíam-lhe aos borbotões, de modo compulsivo, como bicho indomado.”  Em tom anedótico, o poeta fez este poema de título quilométrico: “Poema para o bigode de Cláudio Limeira e para Yolanda sua consorte. Feito na brisa de Areia: Se tirar o bigode/ de Cláudio Limeira/ ele se desequilibra,/ perde a rotação:/ não é mundo rolando/ mas perde a rotação limeiriando.// Somente Yolanda/ o segura pelo bigode/ Em pontas, em pompa.// Neste festival/ de Areia sétimo/ para Yolanda/ não perder o Cláudio Limeira,/ teve que o sequestrar./ Jogá-lo numa mesa de bar,/ envolvê-lo de cerveja/ com o frio de Areia.? Os cabelos de Cláudio Limeira,/ também crescem aos novelos,/ Yolanda quando não/ o segura pelo bigode,/ o segura pelos cabelos,/ Cláudio Limeira não foge/ amarrado pelos cabelos/ e pelo (guidom de bicicleta)/ que formam, que apertam/ As pontas de seu bigode. 

Publicadas, suas poesias mereceram toda sorte de manifestações, desde a chacota até ensaios eruditos. Foi amigo de Cláudio e Yó e, mesmo contracenando com a Parka, não perdeu o bom humor:

“Quando eu morrer

quero que junte

toda minha poesia

e forre meu caixão

para as letras

brincarem de solidão.”

Segundo o cronista, os herdeiros não colocaram o acervo no caixão, mas o guardam com o maior cuidado.

No correr da leitura desta bela publicação deparei com diversos nomes de escritores conhecidos dos quais nunca mais ouvira falar. Ignoro se isso se deve a alienação minha ou se a mídia dedicada à cultura só se ocupa de modismos passageiros. Creio que foi Baudelaire quem afirmou que a glória literária se resume a um verbete de poucas linhas numa enciclopédia repleto de erros e imprecisões. Com o álbum nas mãos, indago-me porque obras assim não acontecem por aqui. Mas olhando o panorama, vejo o Estado numa penumbra ignóbil de mediocridade em que não sobra lugar para a cultura. Que fazer?

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