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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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ARTE E TÉCNICA DA FUGA

É afirmação cediça que todas as pessoas têm problemas ao longo da existência. Tais problemas, em regra, provocam sofrimento, mas, como disse o poeta, quem nunca sofreu só passou pela vida, não viveu. Mais ou menos graves os problemas, as pessoas são forçadas a enfrentá-los e aí as formas variam. Algumas enfrentam de frente, de peito aberto, às vezes se dão mal; outras procuram contemporizar e a situação se resolve ou se agrava; outras tantas tratam de encontrar uma forma de fugir e se esquivar deles. 

Essas observações me ocorrem após a leitura da novela “Três Cidades”, de autoria do escritor mineiro radicado em Brasília Napoleão Valadares (André Quicé Editora – Brasília – 2023). O volume tem excelente feição gráfica e contém um texto compacto dividido em três tópicos, uma vez que a novela literária não deve conter capítulos como ensinava Agripino Grieco secundado por Monteiro Lobato. Escrito em linguagem correntia e direta, não existem diálogos, pelo menos assim configurados, mesmo porque o personagem conversa com poucas pessoas no correr dos fatos. Dialoga muito mais consigo próprio e não dá sinais de sofrer com a própria situação, ainda que essa conclusão se imponha aos olhos do leitor. 

Não concluí com firmeza se o personagem é medroso ou comodista, mesmo acompanhando passo a passo suas andanças por três cidades diferentes. Na primeira delas, o pequeno burgo natal, ele vive enrustido, fechado num casulo, até fugir. Por coincidência, viaja no mesmo ônibus em que se encontra o próprio pai embora não se vejam e nem se falem. Não parecem rompidos, mas estão distanciados, tanto que ele não procura encontrá-lo, mesmo não tendo dinheiro nem para um cafezinho na escala do veículo. Assim, fechado em si, ensimesmado, ele deixa a terra natal e desaparece como quem completou a primeira instância. Na cidade seguinte, um tanto maior, surgem problemas mais graves, inclusive o envolvimento involuntário com a amante do delegado. A situação se complica, surge até o risco de uma morte de encomenda, e ele põe em prática sua habilidade – foge. Vencida a segunda instância, vai dar na cidade grande e aí vive os melhores momentos da novela, compartilhando uma barraca com alguns bêbados e desocupados que sobrevivem da lavação de carros. Consegue um emprego e conta com a simpatia do patrão, mas as coisas se complicam e ele apela ao costumeiro recurso – rápido e sorrateiro, desaparece. Assim completa sua escalação e vence a derradeira instância. Inadaptado, desajustado, fugitivo permanente, nunca se queixa ou se revolta. Conformista, parece aceitar os seus fracassos. “Peguei minhas coisas e saí. Tranquei por fora, joguei a chave por cima do portão e fugi mais uma vez…”

Narrada em primeira pessoa, a novela nos leva a perambular com o personagem por ceca e meca, sem destino ou esperança. Uma leitura que prende e encanta.

Napoleão Valadares é autor de uma obra vasta e variada, mereceu diversas premiações e pertence à Associação Nacional de Escritores (ANE), da qual foi presidente.

Encerro com a observação de que Napoleão Valadares, além de ficcionista é pesquisador e ensaísta. Entre suas obras fora da ficção, publicou o curioso livro “Os Personagens de Grande Sertão: Veredas”, de autoria de Guimarães Rosa (André Quicé Editora – Brasília – 1982). Trata-se de um levantamento caprichoso das incontáveis figuras que povoam o monumental romance, seus nomes, origens, funções e atividades no bando de Riobaldo e fora dele. É um precioso ajudante para quem deseja se aprofundar no estudo dessa obra monumental do mineiro de Cordisburgo.

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