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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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BANQUETE PARA LOBATO

Peter Pan, o menino que não queria crescer, personagem do escritor escocês J. M. Barrie (*), e que encantou gerações de leitores, volta à tona através da reedição de livros e de numerosas matérias na mídia mundial. É um esforço para despertar na garotada de hoje o interesse por heróis que não matam, não brigam, não usam armas, agem no campo poético da fantasia e da imaginação. É difícil prever se dará bom resultado, mas a tentativa é meritória e corajosa porque implica em considerável investimento dos editores na publicação e divulgação. Interessante observar, porém, que nessa investida publicitária surge o nome de um brasileiro como pioneiro na tradução e adaptação das histórias envolvendo o célebre personagem para as crianças das línguas portuguesa e espanhola: Monteiro Lobato (1882/1948). Além de muito escrever sobre ele, Lobato o encaixou na saga do Sítio do Picapau Amarelo e lhe dedicou todo um volume da obra infanto-juvenil onde Dona Benta narra ao pessoalzinho de casa o rol das aventuras do curioso menino que “morava na rua das casas, número das portas” (**)

Coincidem essas notícias com a chegada de uma raridade sobre Lobato que me foi oferecida pelo dedicado lobatiano paulista Trajano Pereira da Silva. Trata-se do discurso proferido pelo Prof. Bernardino Querido, educador, escritor, poeta, nome de rua e patrono de escola da cidade de Taubaté, terra natal d Lobato, para festejar o lançamento do livro “Urupês”, publicado no ano anterior. O banquete, oferecido pelos amigos, aconteceu na noite de 9 de julho de 1919, no salão do Hotel Lino que “apresentava-se garridamente ornamentado.” Bernardino Querido é autor da frase insculpida numa placa do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, nestes termos: “Quando Santos Dumont contornou a Torre Eiffel, o nome do Brasil fez a volta ao mundo.”

Segundo a reportagem do jornal “O Norte”, de 11 de julho de 1919, viam-se nos cardápios “figuras alegóricas aos personagens criados pela pessoa fulgurante de Monteiro Lobato trabalhadas pelo espirituoso pincel do Dr. Severiano de Miranda.” Por coincidência, festejava-se o aniversário da esposa do homenageado, D Purezinha, que foi saudada pelo Dr. Granadeiro Filho “com frases de muita inspiração. Dr. Miranda esteve também em seu dia e fez uma chispa de que as gentis senhoritas o incumbiram.”

“Tomaram assento à mesa, em forma de U, além do homenageado, – prossegue o jornal – as Exmas. Sras. Pureza Lobato, Zenaide Rams, Maria de Lourdes, Constancia Quadros, Aracy Monteiro, Alice Natividade, Thereza Varella, Noemia Euthalia, Alayde Valentino Vieira, Helena Natividade e os Srs. Braga Jr., Cesar Costa, Granadeiro Guimarães, Severiano de Miranda, Renato Granadeiro, Adolfo Leonardo, Bernardino Querido, Granadeiro Jr., Carvalho Viana, Luiz Guimarães Vieira, João Victor, José Benedicto Malhado, Paulo Costa, Felix Guisard Filho, Crescencio Costa, Antenor Leite e Francisco de Barros, fazendo-se ouvir durante o banquete uma orquestra regida pelo Prof. Jovino de Barros.” A reportagem vaticinava que “muito breve a Academia Brasileira lhe abrirá suas portas”, o que, na verdade, nunca aconteceu. A relação de Lobato com a Academia foi sempre de desconfiado distanciamento, apesar de ter se candidatado duas vezes, sendo derrotado na primeira e tendo desistido na segunda sem concorrer.

Como se vê, a homenagem foi preparada com esmero em todos os detalhes, valorizando o escritor conterrâneo que tinha a centelha do gênio e que bem souberam avaliar. Estiveram presentes as figuras mais expressivas da cidade. Eram tempos em que a sociedade prestigiava os escritores e reconhecia de público seus méritos.

Tudo indica que Lobato foi apanhado mais ou menos de surpresa, só tomando conhecimento com a antecedência suficiente para rabiscar as palavras de agradecimento. Na única carta escrita de Taubaté que aparece no segundo volume de “A Barca de Gleyre” (***), enviada ao “amigo escrito” Godofredo Rangel (como observou Trajano), Monteiro Lobato não faz qualquer menção ao banquete. Datada em 25 de junho de 1919, portanto poucos dias antes, ele se mostra mais interessado na planejada mudança para o Rio de Janeiro e nas pescarias no rio Paraíba. Declara-se feliz com o silêncio da terra natal, um silêncio que pode ser ouvido, e que “parece a zoada de milhões de grilinhos microscópicos que nos envolvem de todos os lados – e isso opera como eliminador das toxinas urbanas. Não fazer nada… Comer, dormir, não ler, viver como um pé de abóbora: não há melhor Urodonal.” Mais adiante: “A solução da vida está no alternarmos coisas inversas – rumor e paz do silêncio, pasmaceira e tumulto, capital e cidadinha do interior.” Aproveita para mais um dos múltiplos conselhos que dava ao amigo mineiro: “Deves organizar tua vida de modo a teres pelo menos cinco ou seis semanas de capital por ano. Estás há tanto tempo amachadado, assilvestrado, santarritado, estrelado…” (p. 200). Referia-se a Machado, Silvestre Ferraz, Santa Rita do Sapucaí e Estrela, comarcas onde Rangel exerceu a judicatura. Nessa época Lobato residia em São Paulo e sua editora progredia a passos largos.

Voltando, porém, à noite do banquete, vejamos como o orador da solenidade alimentou o verbo para saudar o escritor vitorioso. Segundo o jornal, “ao champagne  o Sr Bernardino Querido dirigiu ao Sr. Monteiro Lobato a seguinte saudação:

BANQUETE PARA LOBATO (final)

“Minhas senhoras! Desta festa, o encanto na música repousa, em vós, nas flores! Erguendo-me, eu saúdo-vos num canto!

Caríssimas senhoras!

Meus senhores!

Meu caro Juca Lobato!

Perdoa-me se desacato, neste solene momento, o nome dessa pessoa, que em todo o Brasil reboa, com meu rude tratamento.

Quando a voz da multidão quer dar mais força e razão a um nome que ela reclama, usa logo a parcimonia; põe de lado a cerimonia, que não faz liga com a fama. E o Zé-Povo quando quer, a seu eleito fazer ficar em franca evidência, o doutor fica esquecido; joga o título ao olvido e põe de parte o Excia. E assim longe de insultos trata o povo os grandes vultos, como quem fala a um vizinho! Mas confessemos, Lobato; há nos modos desse trato, muita coisa de carinho…

Vamos adiante! Os amigos (não só do tempo dos figos) deram-me a dura prebenda de ofertar-te este jantar. Aceitas? Vamos gozar as delícias… de uma lenda. Mas pra sair dessa entala preciso deitar a fala com que a musa pára estática. Mas é preciso, obedeço, e de tudo o mais esqueço, só lembrando a pragmática.

Seria indelicadeza, se em torno desta mesa, só nós apenas sentados estivéssemos, já quando eu sei que fora, esperando, existem mais convidados. É feio e mesmo não presta que os que motivaram a festa, não estejam cá presentes.

Não sejamos egoístas: em vez de uma, duas listas, por não haver descontentes. Uma é a nossa – a de homenagem ao portador de bagagem tão rica de verve… a graça. Noutra – os nomes eu coloco dessa gente posta em foco pelo autor que vence… e passa.

Mas porque tenham receio, e não queiram neste meio vir não sendo acompanhados, proponho que cada um, de nós sem faltar nenhum, vá buscá-los bem cuidados.

É fácil que alguém não goste, da posição de preboste a procurar desertores: mas também (o mas é tudo!) quero crer que um não tão rudo não nos trará dissabores.

Crescencio, fica incumbido de trazer o divertido e bom Saci-Pererê; este grande personagem não pode ficar à margem, pois que também é Urupê!!! Não querendo que se escape quem vem das bandas de Iguape, fica o Paulo por seu mal encarregado inda agora de nos trazer sem demora, esse Problema Vital.

Concretiza estas visões, que vivem pelos sertões e dá-lhes banho… de luz! Como juiz dá-lhes conselho, e mostra da vida o espelho no progresso que seduz!

O Braga, ao certo que traz, pela gola esse rapaz, a quem matou Jerebita – gozo de fama: é o Cabrea, que tanto perturba a idéia de D. Maria Rita.

Granadeiro, que é mais moço, arrasta pelo pescoço aquele pobre coitado. É o Pontes – não tenhas medo; que mesmo morto, o segredo do riso tem bem guardado. Fôra um bom; fizera rir, somente por divertir sem mal fazer, como vês: numa ceroula enforcado, lá fica dependurado, nas folhas dos… Urupês.

Tu, Miranda, junto a nós, traze também esse algoz dessa velhinha louçã. Quem sabe lá se ele inspira, com o rosto de mau caipira, Meu conto de Maupassant?

Tu Renato, que aprecias as belezas e alegrias, que a natureza reparte, traze conosco essa gente, da Bucólica inocente e dá-lhe um lugar à parte. Sinh’Ana e Maria Veva; Pedro Suã, que se atreva; o Chico…quem mais sei seu? Por todos, enfim te empenhas! O Luís, a Ignácia, que venha! Aninha, não! que morreu!

E o Barros sorri. Pois bem: Irás tu buscar alguém, que talvez esteja à espera, Sinh’Ana Rosa e Joaquim e aquela ingênua menina, que vive lá na tapera. Tu também és beletrista; segue pressa, põe-te à pista, vence as veredas e atalhos, e traze sem dor nem mágoa, esse terno Pingo d’Água… numa colcha de retalhos.

Pernambi deseja entrar. Tem fome. Pode passar por Felizinho trazido. Recende a cachaça e a fumo, mas é por fim um resumo do caboclo divertido. Conserva-o sempre no colo, porque não vá no monjolo de seu pai, buscar a morte. Aquele Chooo-pan! do Nunes, como assassinos impunes, é Barzabu de má sorte.

João Victor vai a Itaoca, e mostra a Pata Choca, que é a D. Joaquininha; mas não te esqueças do Gama, coronel de grande fama, cujo valor se adivinha. Filhos não, são dezesseis; só em contá-los vai-se um mês. Somente o doutor virá: chama-se Inácio o tratante; se queres vê-lo num instante, dize que Yvone está cá!

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