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Balneário Camboriú

CADÊ WALTER?

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Diante da pensão onde me hospedava havia uma pracinha arborizada e florida, local muito agradável. Lá funcionava uma barraquinha que vendia água de coco, caldo de cana, refrigerantes e um cafezinho passado em coador de pano que era o forte do negócio. Voltando das aulas, eu ali permanecia por algum tempo, sentado num dos bancos espalhados sob as árvores. Foi então que conheci Walter, rapaz da minha idade e que frequentava a mesma escola, embora em outra série. Alegre e simpático, ele era de boa prosa e gostava de literatura como acontecia comigo.

Fazia plantão no local um guarda municipal muito jovem, orgulhoso de sua farda, e que às vezes participava de nossas conversas.

Num repente, porém, o Walter desapareceu. Nunca mais esteve na praça e nem compareceu às aulas. A ausência dele me inquietou e resolvi procurá-lo. Ele residia em um prédio baixo e acinzentado, na esquina, do outro lado da praça. Seu apartamento tinha o número 1 e ficava no térreo, onde eu o vi entrar muitas vezes e até o procurei em várias ocasiões. Para lá me dirigi e toquei confiante a campainha. A porta se abriu e surgiu uma mulher loira, de aspecto alemão e de cara amarrada. Notava-se desde logo que estava de mau humor.

 – Bom dia! – eu disse. – O Walter está?

Ela fez um gesto brusco e respondeu seca:

– Aqui não tem Walter! Não conheço Walter!

E foi fechando a porta sem cerimônia.

E agora? – pensei comigo. – Estou certo de que ele reside ali, como verifiquei tantas vezes. Talvez ele tenha se mudado e outra gente ocupou o apartamento. Com essas ideias balançando na cabeça rumei para a escola.

Dias se passaram e o rapaz não apareceu. Conversei a respeito com o guarda e decidimos ir juntos à procura dele. Tocamos a campainha do apartamento número 1 do prédio cinzento e a mesma mulher apareceu. Quando nos viu, lado a lado, e o guarda fardado, ela levou um susto, mas logo se recompôs.

– Gostaríamos de falar com o Walter – disse o guarda. – A senhora poderia chamá-lo?

Revelando irritação, ela respondeu em tom ríspido:

– Aqui não tem Walter! Não conheço Walter!

O guarda tentou conversar, mas ela foi logo fechando a porta. Vermelho de raiva pelo que considerou um desrespeito à sua farda, ele esmurrou a porta e a mulher loira reapareceu. 

– Queremos uma explicação – falou ele, quase gritando. – Fizeram alguma coisa com o Walter?

– Aqui não tem Walter – repetiu ela. – Não conheço Walter! – e, depois de uma pausa, arrastando os rr: – Pode entrar e verificar.

Entramos e olhamos tudo. Tratava-se de um apartamento normal, sem nada fora do comum e mal mobiliado, denotando poucos recursos. Agradecemos e nos retiramos frustrados. Que mistério havia no sumiço do rapaz?

Ocorreu-me a ideia de verificar na secretaria da escola e para lá rumei. Com toda boa vontade, a secretária procurou o Walter na relação dos alunos, mas ele não aparecia em nenhum registro. Agora a situação se complicava porque o Walter havia se evaporado, não existia. Comentei com o guarda e ambos decidimos ir à polícia. Talvez um depoimento da loira alemã solucionasse o caso. E lá fomos nós à delegacia do bairro.

Fomos atendidos por um comissário ainda jovem cuja elegância nos impressionou. Ouviu com atenção a história do desaparecido Walter e elogiou nossa atitude, em especial do guarda cioso de seu dever. Lamentou não poder fazer muito diante de tão poucos elementos, mas nós insistimos e ele concordou em tomar o depoimento da mulher loira enfezada. Mandou intimá-la para comparecer e dias depois nos informou de que ela fora ouvida e bastante pressionada mas insistiu até o fim que não conhecia Walter e não sabia de quem se tratava. Abrindo os braços num gesto de desalento, ele encerrou o assunto:

– Esqueçam do Walter! Ele não existe!

Dias depois, passando diante do prédio cinzento, avistei duas moças entrando e perguntei se conheciam o Walter.

– Sim – disse uma delas. – Ele mora no número 1.

Fiquei boquiaberto. Tudo iria recomeçar. Anotei o nome dela e o apartamento onde morava. Tomei coragem e retornei à delegacia. Conseguir falar com o mesmo comissário e ele concordou em ouvir a moça, mas o resultado foi negativo. Ela não sabia o sobrenome dele e nem o seu destino. 

Tudo voltou à estaca zero. Era forçoso esquecer do Walter e sua localização. Fiquei atento, mas ele nunca mais voltou. O guarda foi designado para outro posto e eu concluí o curso, mudei de escola e de endereço.

Quando passo pelo local, às vezes, observo as alterações havidas. O prédio cinzento não existe mais, foi substituído por outro, mais alto e moderno. A pracinha continua a mesma e para matar a saudade sento por momentos em um de seus bancos e tomo um cafezinho da barraquinha, passado em coador de pano, que continua famoso. Na minha cabeça, no entanto, baila sempre uma pergunta angustiante e sem resposta:

– Cadê Walter?

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