Sempre admirei as iniciativas espontâneas e criativas de nosso povo, entre elas as chamadas feiras livres ou populares. Foi uma forma que os pequenos produtores encontraram para fugir do intermediário, o atravessador, e levar sua produção diretamente ao consumidor, assim barateando o custo. Tudo indica que a ideia prosperou, uma vez que as feiras existem hoje em todo o país e em grande parte do mundo, algumas delas gozando de grande fama e frequentadas por incontáveis pessoas. Muitas se transformaram em pontos turísticos, como as de Caruaru, Belo Horizonte e União dos Palmares entre outras. A de Caruaru tem merecido incontáveis matérias jornalísticas e ensaios folclóricos, a exemplo do que fez o folclorista pernambucano e meu saudoso amigo Nelson Barbalho. “A feira de Caruaru – escreveu ele – é uma rica aula de sociologia ao vivo e a céu aberto..” Essa feira tem 12 km de extensão e nela se compra e vende tudo que se possa imaginar, inclusive animais vivos. Também é comum a realização de trocas de mercadorias, o chamado “brique.” Poetas populares apregoam seus cordéis em altos brados. Tive oportunidade de visitar todas elas, mais de uma vez, e sem nenhuma pressa.
O escritor Benedito Gonçalves Mendes, estudioso e conhecedor do assunto, publicou em importante revista acadêmica um dos mais curiosos trabalhos a respeito das feiras sertanejas (*) .As feiras semanais – diz ele – “além de serem um espaço comercial são também locais de encontros e congraçamentos dos habitantes do campo com os das cidades. Os fazendeiros aproveitam a ida à feira para rever familiares e amigos que moram na cidade, ir ao médico, comprar óculos, encomendar ternos de linho na alfaiataria, fazer compras nas lojas de tecidos e de produtos industrializados, enquanto a população urbana vai à feira para se abastecer de gêneros alimentícios vindos da área rural e para se encontrar com amigos e parentes que residem nas fazendas e sítios.” Como é de imaginar, a presença de tanta gente enche de vida a cidade, em geral pequena, e o bruaá das conversas se espalha pelas ruas e praças. Negócios variados acontecem à margem das barracas, discussões e arranjos políticos, namoros e até mesmo algumas brigas podem ocorrer. Mas tudo permanece ativo e movimentado até o anoitecer, quando as barracas passam a ser desmontadas e a pequena cidade recai no silêncio habitual. A feira é um acontecimento dos mais curiosos.
As feiras maiores e mais sofisticadas praticam até mesmo uma espécie rústica de divisão do trabalho. Surgem barracas especializadas em variados negócios, como ferraria, selaria, louçaria, cesteiro, tarrafeiro, gameleiro, mercadinhos, frutarias, cerealistas, lanchonetes e até botecos para uma boa dose da branquinha que ninguém é de ferro. Curandeiros e barbeiros aproveitam a junção de povo para auferir uns “cobres” extras. Algumas barracas se tornam célebres pela qualidade da comida e dos lanches fornecidos. Observei, em Caruaru, que diante de algumas barracas havia sempre extensa fila de clientes. Os comboieiros que conduzem para as fazendas e sítios os animais carregados de compras e os motoristas de caminhões, caminhonetes e outros veículos ficam à espera para receber algum frete. E até os carroceiros dispostos a vencer caminhos ásperos e difíceis.
As feiras populares valem uma visita e merecem ser prestigiadas para que não desapareçam.
(*) Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras (ANRL), número 75, 2023, p. 96.