Li em algum lugar que Trancoso, o português Gonçalo Fernandes Trancoso, tido como o escritor que deu forma ao conto literário, ficava indignado quando encontrava textos chamados de contos pelos autores mas desfiguravam aquilo que ele entendia como tais. Lendo, se fosse possível, os contos de autoria do catarinense Marco Antonio Arantes nada teria a reclamar porque ele produz autênticos contos, enquadrados com perfeição no gênero e modelares na estrutura e no conteúdo. É um consumado contista
Foi com prazer e crescente interesse que li o livro “Romãs Maduras” (Editora Terceiro Nome – S. Paulo – 2005), coletânea de contos de autoria de Marco Antonio e que me foi por ele oferecida, O volume contém treze estórias curtas das mais significativas e mereceu aplausos de nossos melhores críticos, dentre os quais o saudoso Lauro Junkes, intérprete por excelência e divulgador incansável da literatura produzida em nosso Estado.
O volume se abre com “Romãs Maduras”, o conto-título, relatando a saga comovente de um jovem casal anarquista espanhol que luta para fugir da Espanha durante a Guerra Civil e não cair nas mãos sangrentas das falanges de Franco. O esforço é malsucedido, pelo menos em parte, porque o marido foi fuzilado no dia em que completava vinte anos, com pernas quebradas e mãos amarradas. Nos seus 19 anos, a viúva chega ao Brasil, depois de escapar do fascismo de Franco para cair no do Estado Novo. As dificuldades e horrores que enfrenta são descritas com precisão, levando o leitor a viver com a personagem todas aquelas situações. Nesse conto o autor utiliza os discursos intercalados, como dizia Agripino Grieco, método em que os personagens falam em parágrafos ou trechos sucessivos da narrativa sem qualquer explicação mas o leitor entende com perfeição. Wilson Martins também aborda a técnica que o contista catarinense usa com inteiro êxito. Esse conto, por sinal, me faz recordar de Hemingway, para quem a Espanha foi a segunda pátria e viveu os horrores da Guerra Civil, foi ferido com gravidade e escreveu “A Quinta Coluna” em um quarto do Hotel Flórida enquanto os bombardeios aconteciam nas proximidades. Arantes revela dominar o tema, sentindo o clima da guerra e transmitindo com precisão ao leitor. É um conto marcante.
Outros contos enveredam pelo caminho do realismo fantástico e do surreal. Neles a imaginação criativa parece fervilhar de ideias modelando seres e situações que fazem o leitor despregar os olhos do texto e fixá-los no infinito para bem apreender a narrativa. Também nessas escolas o autor se move com segurança. “Todas as luzes” e “Apenas tudo” entram nesse rol em que o Gênio afirma que aquele que ama tudo pode enquanto o Amo caminha pela casa empoeirada em meio à imensa quinquilharia por ele acumulada. Contos que exigem meditação.
Quatro contos, pelo menos, trilham pelo caminho da brevidade proposital e procurada. Não falta a eles, no entanto, uma só palavra. “De compras & vendas” se desenvolve através de um diálogo do começo ao fim e termina como um látego numa só palavra. É surpreendente e impactante. “Longe” traz à lembrança dos habitantes de Afogados do Indaiá a passagem de um senhor que estivera no Japão e depois desaparece sem ao menos se despedir. Sua presença, no entanto, deixou marcas indeléveis que até hoje preocupam os pacíficos cidadãos. “Tia Juju em chamas” ora constrange, ora faz rir, mas prende como poucos. “Ego te absolvo te” é dos mais impactantes, exibindo em poucas palavras a frieza sem par de Maria rezadeira.
A coletânea é uma sucessão de contos para variados gostos, alguns mais breves e outros mais longos, aproximando-se da novela, lineares ou subjetivos, sempre criativos e bem escritos. Como escreveu alguém, “Marco Antonio é um inventor que tem intimidade com a palavra e com a estrutura do conto na melhor tradição clássica.” Anote-se ainda a atenção do autor no detalhe. Dizia Gilberto Amado que o distraído, o avoado, o desatento pode ser tudo na vida, exceto ficcionista e, menos ainda, cronista. Tem que andar sempre com as antenas ligadas para captar os assuntos “cronicáveis” que acontecem. Rubem Braga, nosso cronista-mor, notou a presença de pequena borboleta amarela perdida no centro do Rio de Janeiro e desse fato mínimo fez uma de suas mais memoráveis crônicas. Marco Antonio, por sua vez, nada deixa escapar.
Creio que o título do livro é uma sutil homenagem à chamada fruta do amor – a romã.
Encerro estas mal traçadas com uma nota pessoal. Nos meus dias de solicitador-acadêmico, que já vão longe, patrocinei algumas causas miúdas na comarca de Palhoça, cujo Juiz de Direito, era o Dr. Abelardo da Costa Arantes, pai de Marco Antonio, de quem me tornei amigo e admirador. Com ele muito aprendi quando dava os primeiros passos na advocacia. Tanto tempo depois, o amigo Manoel Cardoso promoveu nossa aproximação e hoje somos amigos escritos porque ainda não nos encontramos em pessoa.