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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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ENSAIOS DE SÂNZIO DE AZEVEDO

Faz tempo que não escrevo sobre o professor e escritor cearense Sânzio de Azevedo, amigo e correspondente de longos anos. Nestes últimos dias estive às voltas com seu livro “Escritores de Outras Plagas” (Expressão Gráfica e Editora – Fortaleza – 2020) que me foi por ele oferecido. No volume o autor reuniu diversos estudos sobre importantes escritores, abordando os mais variados aspectos e tornando a leitura deveras interessante e informativa.

O autor mais importante analisado na coletânea é o romancista e poeta francês Victor Hugo (1802/1885) cuja obra se universalizou e alcançou o mundo todo. Na sua vasta produção se eleva a obra romanesca, constituída de obras célebres como “Nossa Senhora de Paris”, “Os Miseráveis”, “Os Trabalhadores do Mar”, “O Homem que Ri” e “Noventa e Três”, todos lidos, analisados, discutidos e em grande parte teatralizados e filmados. Muitos de seus personagens se popularizaram e são identificados pelos leitores em geral e pelas pessoas do povo. Quasímodo, o corcunda de Notre Dame, a cigana Esmeralda, o agitado Jean Valjean são bons exemplos. Este último, condenado por furtar pães para matar a forme dos sobrinhos, ingressou sem querer na literatura jurídico-criminal como exemplo de autor de furto famélico e como tal conhecido de quantos se dedicaram ao estudo do Direito. O homem que ri também se tornou um personagem conhecido. Ele aparenta estar sempre rindo ou sorrindo quando, na verdade, foi extirpado seu lábio superior. É uma figura triste e sofrida.

Quanto a “Os Miseráveis”, é um livro complexo como bem acentua o ensaísta. Na edição original, em francês, tinha dez volumes. No Brasil é sempre editado em dois, fato que indica o quanto foi “podado.” Seu conteúdo é longo e tumultuado, envolvendo-se o enredo com a situação mundial da época, a história e a política da França e a vida do próprio autor. Não é apenas uma obra que se destina ao povo, mas também àqueles que têm o poder de interferir no destino desse povo, como afirmou um crítico. Desde longa data Hugo se preocupava com os fracos e oprimidos e o seu livro apareceu em momento propício como acentuou Gaston Bordet. É um livro magistral que se destaca no panorama da extraordinária literatura francesa. Como diz Sânzio, embora não se saiba se os menos jovens e os mais jovens brasileiros leem Hugo, todos deveriam ler. O ensaísta fez muito bem trazendo à tona um autor da maior envergadura e que merece ser lembrado sempre.

Outro trabalho dos mais interessantes se refere a Pedro Nava, considerado em geral o maior memorialista das letras nacionais. Embora seja leitor e admirador de suas obras, inclino-me a encarar Gilberto Amado como o mais refinado autor do gênero. Mas a opinião é livre e reconheço que estou em minoria, mesmo porque Gilberto Amado se encontra em total ostracismo, o que é lamentável. Nesse texto, misto de ensaio e crônica, o autor recorda seus contatos com Nava, a trajetória e os reflexos de uma carta dele recebida e os encontros no “Sabadoyle” (reuniões das tardes de sábado na biblioteca de Plínio Doyle). Essa carta que renova tantas lembranças é transcrita no texto. Nava pertenceu ao primeiro grupo do Modernismo mineiro, convivendo com as maiores expressões literárias da época. Sânzio acentua a extraordinária memória de Nava ao reconstitui nos mínimos detalhes fatos de antigamente e seu agudo senso de observação. Aliás, foi Gilberto Amado quem escreveu que o distraído, o avoado, o desatento pode ser tudo na vida, exceto cronista. O mesmo se aplica, penso eu, a quem se dedica a reconstituir o passado. 

Em outro trabalho, Sânzio de Azevedo se entrega à análise de um poeta: Da Costa e Silva (1885/1950). Nascido na bucólica cidade de Amarante, no Piauí, enlaçada pelo Rio Parnaíba, por ele alcunhado de Velho Monge, é considerado o maior expoente da poesia piauiense e venerado com justiça pelo seu povo. 

Diz o crítico que no início do Século XX a poesia brasileira foi um complexo de várias e variadas tendências estéticas com um substrato lírico de extração romântica. Transitando pelo Simbolismo, afirma o autor que “poucos poetas representam tão bem o sincretismo com toda a sua problemática e a sua riqueza, quanto Da Costa e Silva.”   Não obstante, não esconde o lirismo de origem romântica presente, entre outros, no célebre soneto

SAUDADE

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,

E o pranto lento deslizando em fio, 

 Saudade! Amor de minha terra… O rio

Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho…O caburé com frio,

Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando…

E, ao vento, as folhas lívidas cantando

A saudade imortal de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do pensamento!

Gemidos vãos de canaviais ao vento…

A mortalha de névoa sobre a serra.

Saudade! O Parnaíba, velho monge

As barbas brancas alongando…E, ao longe,

O mugido dos bois da minha terra…

O poema celebrizou-se e virou uma espécie de hino piauiense. Nas minhas andanças por lá muitos o declamavam para mim e o encontrei impresso em variados locais. “Uma nota forte de telurismo está expressa nos poemas em que o autor volve os olhos para o seu pátrio Piauí (tal como o fizera em Saudade, do primeiro livro” ) – anotou o ensaísta.

“A verdade é que – arremata o autor = segundo a pertinente observação de Alberto da Costa e Silva, o tempo, na obra do poeta, toma o símbolo do rio. O rio Parnaíba, que é elemento essencial na obra de Da Costa e Silva. Rio que atravessa, como o tempo, a paisagem e a vida.”

O ensaio de Sânzio de Azevedo é indispensável ao conhecimento de Da Costa e Silva e sua obra.

Mais autores são estudados neste livro essencial. Cada um deles, a rigor, mereceria um comentário, embora seja impossível nos limites de um artigo. Raul de Leoni, Guerra Junqueiro e Antônio Nobre, todos poetas, também merecem acuradas análises do autor. São ensaios ressuscitadores, surgidos em boa hora, porque todos purgam prolongado ostracismo. E também fazem justiça.

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