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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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GRANDES ESQUECIDOS (2)

Afirma o refrão popular que a justiça tarda mas não falha. Na vida literária, no entanto, nem sempre é assim e muitas vezes a justiça tarda e falha. Autores de excelentes obras, cujo valor é inquestionável, são esquecidos ou ignorados e acabam desaparecendo sem o merecido reconhecimento. Não raro, as musas se mostram caprichosas.

Caso dos mais conhecidos, entre nós, é o de Godofredo Rangel (1884/1951). Romancista, contista, novelista, crítico, tradutor e gramático, produziu obras da maior qualidade, em especial no gênero romanesco, mas jamais foi reconhecido e ainda hoje purga completo ostracismo. Amigo e correspondente de Monteiro Lobato, parece ter sido obscurecido por ele, o mais famoso escritor de sua época, embora Lobato tudo fizesse para divulgá-lo. Muito estudei e divulguei sua vida e obra sem grande resultado. A cortina do esquecimento parece envolvê-lo sem remédio.

Outra figura notável, sonetista de grande mérito, foi Raul de Freitas (1885/1946), por coincidência também integrado ao chamado Grupo do Minarete, que gravitava em torno de Lobato, no início do século passado. Nascido em Pindamonhangaba, bacharelou-se em Direito pela USP, foi funcionário público e exerceu o jornalismo com intensidade, tanto no interior como na capital paulista. Segundo depoimentos, foi “a sombra e a memória sobressalente” do poeta Ricardo Gonçalves, figura admirada por todos. Quando Ricardo, nas suas espetaculosas declamações, engasgava, Raul o socorria porque “sabia na ponta da língua” todos os poemas dele. Raul publicou um único livro sob o título de “Sonetaços.” Numa antologia de poetas de sua cidade natal, Raul de Freitas mereceu a publicação do poema “Recordações de São Paulo” e uma nota biográfica eivada de erros. Ali se afirmou, entre outros equívocos, que ele teria sido cofundador do célebre jornal “O Minarete”, que depois daria nome ao grupo, mas a informação não procede. Quem criou o jornal foi Benjamim Pinheiro, amigo de Lobato, e o grupo preenchia suas páginas à distância. Esses fatos fazem lembrar a “boutade” do poeta francês Baudelaire, segundo a qual a glória literária muitas vezes se resume a um verbete de enciclopédia com o nome errado.  

Também esquecido, talvez até mais que os anteriores, é Permínio Ásfora (1913/2001), romancista que gozou de intenso prestígio nas décadas de 1940 a 1960, caindo no esquecimento com a implantação da ditadura, em 1964, face às constantes perseguições de que foi vítima, como também acontecera na Ditadura Vargas, quando seu romance de estreia foi proibido pela censura. Filho de Salles Moyses Ásfora, nascido em Ayria, na Palestina, veio ao mundo na povoação piauiense de Pimenteiras, mas foi no Sapé (PB), à margem da estrada de ferro, que viveu até os vinte anos. Exerceu o comércio, perambulando muito pelo sertão, foi prefeito de Pilar,  funcionário público e jornalista. Bacharelou-se pela célebre Faculdade de Direito do Recife e depois se fixou em definitivo no Rio de Janeiro. Desde seu primeiro romance – “Sapé” – mereceu o aplauso de grandes nomes das letras, como Afonso Arinos e José Lins do Rego. Publicou oito romances e numerosos trabalhos na imprensa. “Sapé”, “Noite Grande”, “Fogo Verde”, “Vento Nordeste”, “O Amigo Lourenço”, “Bloqueio”, “O Eminente Senador” e “Confidências do Largo da Segunda-Feira” foram suas obras. Todas inspiradas no viver do povo, observando o meio social nas intermináveis andanças das primeiras fases de sua existência. Foi, porém, o romance “Vento Nordeste” que mais empolgou a minha geração e foi lido, discutido e comentado antes que baixasse a cortina negra do obscurantismo. São de Gilberto Freyre estas consagradoras palavras: “Constitui rigorosa reafirmação de um talento já agora inconfundível. Um dos maiores talentos de narrador entre os romancistas brasileiros do nosso tempo.” Faleceu quando escrevia seu oitavo romance.

Para comemorar o centenário de nascimento do escritor, Adauto Ramos, membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, publicou interessante plaqueta com preciosas informações biográficas, genealogia, fotos e fontes de pesquisa sobre tão brilhante quão injustiçado romancista. Por algum tempo Permínio Ásfora voltou a brilhar no céu literário.

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