Meu amigo Mário Edgar Wolff, colega de Ministério Público e de antigas comarcas, enviou-me um dia destes um punhado de jornais velhos, amarelados pelos anos, alguns se esfarelando. São cinco exemplares de O JORNAL, editado em Campos Novos, minha cidade natal, cujo proprietário foi Antônio Chedid Filho, saudoso amigo.. São números editados entre fevereiro e maio de 1963, um ano antes da “Redentora” e há 60 anos!
Confesso que o inesperado presente, chegando assim de mansinho, me deixou emocionado. Ele me devolveu, de repente, a uma juventude já distante em que o idealismo e a crença na democracia ainda estavam intactos. Formado no regime da Constituição de 1946, não tínha vivido ainda os dias negros da ditadura e minha fé na democracia era inabalável. Acreditava em homens que se diziam democratas e depois se revelaram golpistas e autoritários da pior espécie. Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Jânio Quadros, tantos e tantos outros – ídolos de pés de barro.
No mais antigo deles (10/02/63), lá estou eu, engravatado e de lenço branco espiando do bolsinho, exibindo uma basta cabeleira fixada a “Gumex.” Parecia olhar meio desconfiado para a vida, imaginando talvez as peças que ela me pregaria. Logo ao lado, na primeira página, meu primeiro artigo sobre Monteiro Lobato. Bem que ele, de onde está, poderia me dar uma ajuda, retribuindo essa fidelidade de seis décadas, e me fazendo ganhar algum premiozinho aí de seus 200 mil. Mas ando desconfiado de que o prestígio dele, por lá, não se compara ao que tem por aqui.
Palmilhando páginas que ameaçam se desintegrar, descubro coisas do arco-da-velha e reencontro figuras esmaecidas pela fumaça dos anos, algumas já “estudando a geologia do campo santo”, como dizia mestre Machado. Lá está meu amigo Constantino Medeiros, o Tino, fã ardoroso de Simón Bolívar, com quem muito se parecia, escrevendo sobre coisas da terra. Seu artigo “Com a caneta no coldre” foi elogiado por Corifeu de Azevedo Marques, no “Grande Jornal Falado Tupy”, da “Rádio Tupy”, de São Paulo, para todo o país. Momento glorioso do jornal! Reencontro também meu ex-aluno Reny José Steffen falando de sociedade e de esportes. Tino partiu para sempre; Reny sumiu no mundo.
“Com o comunismo não se brinca!”, artigo terrorista típico do auge da Guerra Fria, ocupa toda uma página. “E quem tiver tendência para o comunismo procure dispersá-la, porque com esse “bicho” não se brinca” – advertia o articulista. Armando García, filho de Dom Ramón García, pioneiro do cinema naquelas bandas, assina a coluna policial. Entre o furto de um boi brasino de sobreano e o sumiço de uma Rural Willys, ele comenta a frustrada tentativa de botar em cana o truculento fazendeiro Tonico Carula, cujas tropelias deixavam assustados os pacatos moradores. José Matusalém Comelli, Nêodo Noronha Dias, Zenaide Pereira da Costa, Valdira Rupp e Zoraida H. Guimarães assinam artigos ou poemas. E lá pelas tantas surge um certo Vinsconde de Massaróka, cuja coluna “Atrás do Toco” se dedicava à malhação do próximo. Entre outros temas elevados, esse nobre se divertia com a mania de comprar títulos de nobreza que avassalava a região, o amarelão policial nas ruas para prender Carula, a lista de adesões para a compra da canoa de atravessar ruas durante as chuvaradas e a criação do movimento cívico-higiênico “Liga para a varrição de ruas.” Esse nobre era de amargar!
Entre os comerciais, avulta a “Churrascaria São João”, de Edvino Weber, mais conhecido por “Luz Baixa”, onde se serviam “os mais gostosos churrascos de gado, leitão, ovelha, galetos, risotos (sic) etc.” Não poderia faltar o “Bar e Café do Álvaro”, ali na esquina do Jardim, ponto obrigatório, onde se consumia café requentado, acompanhado pelas mais novas fofocas.
O JORNAL do amigo Chedid ficou na história e na saudade!
Registro aqui minhas felicitações à escritora Isadora Krieger que acaba de ser premiada pela Academia Catarinense de Letras (ACL). Ela recebeu o prêmio destaque do ano no gênero Poesia pela publicação do livro “Tanatografia da Mãe”, elogiado pela inovação e pela criatividade. Faço votos de que muitos outros prêmios venham enriquecer sua carreira literária e que ela seja longa, produtiva e obtenha sucesso junto à crítica e os admiradores do gênero poético.