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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Lucas da Feira, precursor do Cangaço?

Nas minhas “leituras cangaceiras” venho encontrando referências a um certo Lucas da Feira sem, no entanto, obter maiores informações sobre essa figura. Agora, porém, caiu-me nas mãos uma antiga conferência pronunciada pelo pesquisador baiano Alberto Silva em 1949, bem fundamentada em sólidas fontes informativas e que lançou muitas luzes sobre a vida e as ações do misterioso personagem.

Lucas Evangelista, mais tarde alcunhado de Lucas da Feira, nasceu numa fazenda “de plantação e cultura” nas proximidades da cidade de Feira de Santana (1807/1849). Negro, com nítidos traços africanóides, musculoso e forte, era filho de pais escravos e, portanto, também escravo.   Em decorrência de inventários, mudou de donos até que se cansou da condição servil e fugiu, escondendo-se nas matas da região que conhecia muito bem. Livre, leve e solto, dá início a um interminável rol de assaltos e crimes de todo gênero. Não tardou a se tornar conhecido e temido pelas populações dos interiores e a sofrer inúteis perseguições das forças policiais. Ganhou inimigos e admiradores, aqueles tratando-o como um ladrão e criminoso sanguinário, estes como um herói popular, espécie de Robin Hood que tirava dos ricaços para doar aos necessitados.

Durante algum tempo Lucas chefiou um grupo de bandoleiros, mas, ao que tudo indica, não teve muita duração. Parece que ele foi um precursor do cangaço, ainda na primeira metade do Século XIX, sem a organização e as táticas que esse gênero de banditismo viria a alcançar. Em geral agia só ou com reduzidos companheiros.

Na sua biografia são registrados crimes inomináveis e de extrema crueldade. Afirma-se que cometeu mais de 150 homicídios, incontáveis estupros e assaltos a moradias e nas estradas, embora declarasse que nunca matava suas vítimas. Certa ocasião, tomado de paixão por uma bela jovem, raptou-a e levou para a mata. Ao tentar estuprá-la, ela resistiu com todas es forças. Exasperado, ele a amarrou num pé de mandacarú cujos espinhos provocaram sérios ferimentos. Ao retornar, no dia seguinte, esperando contar com a anuência da moça, encontrou-a morta. Desde então nunca voltou ao local.. Outras vítimas de estupros eram largadas nuas pelas estradas ou amarradas a troncos de árvores depois de lambuzadas com mel para serem picadas pelos insetos. Às vezes se divertia assustando as mulheres que encontrava deixando-as sem roupas longe de suas casas.

Ganhou notoriedade o episódio acontecido com o pobre sapateiro Manoel Nunes, assaltado numa estrada.  Verificando que ele não possuía um centavo, tirou um prego da mochila e pregou o homem pelo lábio inferior ao tronco de uma árvore. Em outra ocasião obrigou um transeunte a dar “umbigadas” num viçoso pé de mandacurú enquanto ria com gosto. Mais tarde repetiu a cena com uma mulher grávida debaixo de chicotadas. Um tal Francisco que havia ameaçado denunciá-lo teve a língua e os dentes arrancados e foi morto sem piedade. Deparando-se com um pobre diabo que vendia chicotes artesanais, afirmou:

– Ah! Você vende chicotes para os senhores surrarem os negros! Pois vou lhe dar uma lição para bem vender!

Tomando os chicotes, desferiu chicotadas com cada um deles nas costas do vendedor que gemia e gritava de dor. Depois concluiu:

– Agora você mostra as marcas aos compradores confirmando que seus chicotes são mesmo bons!

Em outra ocasião assaltou os que conduziam a bagagem do Juiz de Direito da Comarca para mostrar que não o temia. Mas furtou apenas o Código Penal para ver as penas em que incorria.

E por aí seguiram as atrocidades de Lucas da Feira.

Evitava atacar os conhecidos e as pessoas da Feira entre as quais contava com protetores e coiteiros. Encontrando o padre que fora seu senhor, este perguntou quando deixaria aquela vida de crimes e voltaria para casa.

– Logo, respondeu ele.

Traído por um compadre de nome Cazumbá, Lucas foi preso, processado e condenado à pena capital. A sentença foi confirmada pelo Superior Tribunal de Relação.  Ferido com seriedade, teve um dos braços amputados.

A execução da pena por enforcamento foi um espetáculo macabro que agitou a vila da Feira. Acompanhado de autoridades, sacerdotes, policiais e grande público, foi conduzido à forca. Meio empurrado, foi levado ao cadafalso depois de ter desmaiado. Levantou a mão e pediu perdão ao povo pelos crimes praticados. Logo em seguida seu corpo balançava na ponta da corda. Foi em 26 de setembro de 1849, uma quinta-feira, por volta do meio dia. Os sinos badalavam a defuntos. Lucas tinha 42 anos de idade.  

Exímio cordelista, Lucas da Feira registrou em versos as peripécias de sua vida aventuresca. Antropólogos de renome, entre eles Nina Rodrigues, examinaram seu cérebro mas tudo indica que nada encontraram de anormal e que o equiparasse ao criminoso nato de Lombroso.

Em um de seus versos dizia:

“Homens pobres não roubei

Que não tinha o que roubar

Mas os ricos de carteira

Nunca deixei escapara.”

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