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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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MADAME BOVARY (2)

Abordado em artigo anterior, o romance “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert (1821/1880), merece mais alguns comentários. É uma narrativa lenta e os fatos se sucedem devagar, sem pressa, entremeados de minuciosas descrições, longos diálogos, discussões entre personagens e relatos do cotidiano na província. Emma, infeliz e silenciosa, padece o seu calvário ao lado de um marido apático que não lhe dá a merecida atenção.

 Acontece, então, o primeiro fato digno de nota. Ela se apaixona por um rapaz de nome Léon, escrevente de cartório, mas o romance não avança e termina no terreno do sentimento quando ele vai embora para Rouen, cidade mais importante e movimentada, com o objetivo de concluir o curso de Direito. Emma sofre calada. Mais tarde se reencontrarão em um teatro de Rouen, capital da Alta Normandia e principal cidade da região.

No entanto, outra paixão se acende em seu coração. Bonitão, rico e solteiro, Rodolfo é atraído por ela e vai tecendo suas teias até que ela cede. Abalada, no início, ela se vê adúltera. Encontram-se no jardim, na calada da noite, e ele a recolhe dentro de uma imensa capa campeira. Essa cena, no correr do tempo, é repetida incontáveis vezes em filmes, programas televisivos, romances, novelas, contos, peças teatrais e outros locais. O novo romance, porém, dura pouco e o rapaz logo se cansa. Em uma carta prolixa e chorosa, rompe a relação e viaja. Emma adoece e a recuperação é difícil e lenta. Entrega-se às lides caseiras, trabalhos manuais e atividades assistenciais. Sem nada ver ou desconfiar, o marido trabalha e se afunda em dívidas para satisfazer todas as vontades da esposa. Emma continua linda, vistosa, exuberante. Assim o romance se arrasta até o final da segunda parte.

Em Rouen se apresentam, no teatro, célebre bailarino e sua troupe. O casal Bovary para lá se dirige e no correr do espetáculo reaparece Léon, sacudindo o coração da senhora Bovary. Por estranhas razões, o marido retorna para casa e deixa a esposa. Então acontece o esperado desfecho dentro de um fiacre que percorre a cidade, sem rumo ou destino, e com as cortinas cerradas.  É uma cena que provoca a indignação das leitoras moralistas e contribui para a censura do livro pelas autoridades. A cena também será copiada em inumeráveis lugares. Existe um conto de João do Rio em que algo semelhante acontece.  Mais uma vez a senhora Bovary se sente adúltera embora nada deixe transparecer.

Outro fato digno de nota atinge o casal Bovary: falece o pai de Carlos. Esquecendo o afeto e a ternura do sogro, Emma expõe toda sua hipocrisia e se põe a pensar na herança. Alegando que não evoluía no piano, convence o marido da necessidade de lições extras e embarca na diligência “Andorinha” todas as quintas-feiras no rumo da capital normanda. Mas lá não acontece aula alguma e se encontra com León, sempre no mesmo quarto de hotel. Retorna para casa, no final do dia, alegre e feliz. Flaubert faz tal descrição da velha cidade que o leitor parece vê-la. Ela é tão próxima de Paris que sofre forte influência da metrópole francesa. Usando dos pretextos mais infantis, Emma passa a visitar a capital mais de uma vez por semana e não toma qualquer precaução, desfilando pelas ruas de braços com o amante.

Aos poucos, porém, Emma vai se cansando do rapaz. Por outro lado, suas dívidas e do marido começam a vencer e o agiota, implacável, exige o pagamento total, uma importância exorbitante para a época. Ela se desespera, vende tudo que pode, e o casal começa a dar mostras de empobrecimento. A filhinha, Berta, aparece em público com meias rasgadas. A situação é insustentável. Todos os bens do casal, móveis e imóveis, são penhorados.

Emma se põe em campo. Bate nas portas de banqueiros, comerciantes, amigos, agiotas e até se humilha ao visitar Rodolfo, o ex-amante. Todos lhe negam ajuda e ela não encontra saída. Entra às escondidas no laboratório do farmacêutico vizinho e ingere grande porção de arsênico. O veneno não tarda a fazer efeito e ela entra numa agonia terrível e prolongada que culmina com a morte. São convocadas as maiores sumidades médicas da região, mas nada pode ser feito. 

A partida precoce da senhora Bovary comove a Vila. Carlos e Berta ficam sós e desamparados. Ele confia a filha aos cuidados da mãe e se afasta de tudo. Andrajoso, barbado e isolado, tranca-se em casa até que um dia, no jardim, falece de repente. A filha, de mão em mão, acaba como operária numa indústria têxtil. A saga da família Bovary é relatada com tristeza pelos moradores do povoado de Yonville, na Normandia, e ele entrou em definitivo no mapa literário mundial. Como diria Manuel Bandeira, foi a vida toda que poderia ter sido e que não foi.

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