Para muitos críticos, Guy de Maupassant (1850/1893), mesmo tendo vivido tão pouco, foi o maior contista da literatura universal. Para inúmeros outros, creio que a unanimidade, foi o maior contista da literatura francesa, uma das mais ricas do mundo e pródiga em autores de histórias curtas. Seja como for, ele é o modelo do contista, estudado por quantos desejam se entregar a esse gênero literário, e tem milhões de leitores, alguns deles fãs exaltados, inclusive no Brasil. Natural da Normandia, grande parte de sua obra reflete o mundo rural da região, sendo considerada uma espécie de reação do regionalismo à influência avassaladora de Paris quando impunha a todo o país seus critérios estéticos.
Segundo seu biógrafo Henry Thomas, “havia em seu sangue uma curiosa mistura de elementos: o fogo da licenciosidade, a sensibilidade da imaginação, o amargor da desilusão e a cadência fria e rítmica do mar da Normandia” (Vidas de Grandes Romancistas, p. 195). Nos dias vividos em Paris encontrou um grande mestre em Flaubert, o célebre autor de “Madame Bovary”, que muito o orientou e estimulou, e um grande amigo no histórico rio Sena. Aquático por temperamento, naquelas “águas cheias de sonhos e de imundície” ele nadava, remava e mergulhava, conversando com os barqueiros e muitas vezes saltando de uma ponte na torrente gelada, de onde emergia tiritante para pedir um copo de rum (p. 198). Sem se aperceber, fazia o aprendizado que o transformaria num dos maiores escritores de todo o mundo.
Contista por excelência, “Maupassant foi o mestre do conto, mas escrevia-o como quem desenvolve um assunto digno de epopéia. Escreveu vários romances que eram realmente contos. E todos os seus contos eram romances” (p. 204). A convivência com o povo humilde lhe permitiu captar fiapos de histórias das bocas de pescadores, camponeses, atrizes, funcionários, barqueiros, assimilando-lhes a psicologia e a visão do mundo. E assim criou algumas das histórias e personagens mais lidos e conhecidos da literatura. Entre os contos, destaca-se o célebre “Bola de Sebo” que, muito além da própria história, é um profundo estudo da hipocrisia humana, exercitada pelas formas mais sutis e maldosas. É um conto que provoca indignação e pena, além da natural admiração pela técnica sem par do contista. Destaca-se também “O Colar”, história pungente cujo desfecho só aparece na última linha e que retrata pessoas de honradez a toda prova, capazes de se submeter em silêncio às maiores provações para a preservação da própria dignidade. Lembraria ainda o conto “Coco”, história resumida e triste, que não supera duas páginas, em que o velho cavalo, depois de tantos e tantos serviços prestados, é entregue à própria sorte, preso a uma corda, num descampado em que não havia o que comer, ainda que se avistasse, bem próximo, um capinzal verde e luxuriante. Exemplo bárbaro da impiedade injustificada e incompreensível. “Le Horla”, conto igualmente celebrado, reflete sua preocupação com a loucura e seus estudos sobre o tema. É misterioso e enigmático. Outros tantos poderiam ser lembrados.
Dentre seus romances, creio que “Bel Ami” seja o mais conhecido. Nele aparece o personagem elegante e bonito mas impotente que se tornou conhecido em todos os cantos e caiu na boca do povo, mencionado sempre como modelo de pessoa de aparência mas sem força, física ou moral. “Bel Ami” mereceu versões para o teatro e o cinema, integrando a galeria das grandes figuras criadas pelos escritores e que passaram a integrar o universo da cultura.