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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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MESTRE GRAÇA NA VISÃO ALHEIA

O crítico M. Paulo Nunes foi grande conhecedor do chamado romance documental de 1930. Conhecia cada um dos expoentes dessa fase, suas obras e suas biografias. Nutria especial admiração por Graciliano Ramos sobre quem muito escreveu e a cuja obra dedicou o livro “A Lição de Graciliano Ramos” (Livraria e Editora Corisco – Teresina – 2003) no qual reuniu um punhado de ensaios sobre o mestre das Alagoas.

Inicia observando que Graciliano não acreditava no sucesso de seus romances e na vendagem deles. Dizia ao editor que nem uma centena de exemplares seriam vendidos e nisso se equivocou para sorte da boa literatura nacional. Logo começaram a chegar manifestações positivas dos leitores e a cronista Eneida de Moraes, companheira de prisão, foi das primeiras a declarar de viva voz o impacto que lhe causou o romance “Angústia”.   Mesmo sendo vítimas dos terríveis erros de revisão contra os quais ele se indignava, os livros obtiveram imenso sucesso e correm mundo até hoje,

Analisando o processo criativo de Graciliano o ensaísta registra o meticuloso modo com que ele se entregava ao trabalho. Relembra uma entrevista em que Graciliano compara o método de escrita ao trabalho das lavadeiras de Alagoas e a forma meticulosa como elas tratavam da roupa na beira da lagoa até que restassem totalmente límpidas. “Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. Secar a palavra ao sol e fugir do gerúndio como o diabo da cruz” – aconselhava o romancista. Cada palavra há de ser pensada porque só ela e nenhuma outra cabe naquele contexto.

Por outro lado, acentuou o crítico, ninguém retratou a triste situação social nordestina com tanta fidelidade como Graciliano. “Voltando à análise da realidade social do país, dizíamos que sua obra é daquelas que mais de perto a focalizaram. Porquanto, a partir de seu livro de estreia, “Caetés”, de 1933, empreende o nosso autor uma análise em profundidade dos mais graves problemas sociais do país” – escreveu. O secular problema da seca, a fome, a miséria, a condição de semi-escravo, tudo isso vai surgindo em suas narrativas como fatos e sem propósito panfletista ou doutrinário. É uma realidade que salta aos olhos. “Vidas Secas” corrobora o retrato da miséria reinante.

A técnica apurada da escrita de Graciliano é sempre acentuada pelos críticos. Aurélio Buarque de Holanda afirmou que Mestre Graça “escreve como quem passa telegrama, pagando caro por cada palavra. Seu livro (“Caetés”) é excelentemente construído; nele nada se perde e nada falta”.  Como se vê, o romancista exercia uma rigorosa autocrítica sobre tudo que escrevia.

M. Paulo Nunes acentua, com razão, que os personagens de Graciliano vivem seu mundo interior, seus dramas íntimos e secretos, o que não impediu o autor de mostrar uma realidade que perdura até hoje. Foi aquele que “mergulhou mais fundamente na tragédia da condição humana, de modo especial no drama do homem nordestino do interior dos nossos sertões, que continua o mesmo: pobre, desamparado, esquecido de todos os governos, de ontem, de hoje, de sempre”.  Não há quem leia Graciliano Ramos sem sentir a dureza dessa realidade.

Outros críticos, e muitos, se debruçaram sobre a obra dele. O ensaísta dedica todo um capítulo a esse assunto desde a época do lançamento dos livros até os dias da publicação de seu ensaio. Não houve, salvo engano, crítico algum que não se ocupasse de sua obra.  Creio poder afirmar que Graciliano é dono de uma das maiores fortunas críticas das letras nacionais.

O autor de “Vidas Secas” deixou uma obra imperecível e que vem encantando os leitores de todas as épocas.

M. Paulo Nunes, por sua vez, faz muita falta e ela já começa a ser sentida. Falemos dele sempre porque a pessoa só morre quando ninguém mais se lembra dela.

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