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NHÔ MARCO (4) – Figura de Folhetim

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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O inverno se anunciava nos dias mais curtos e nas noites que esfriavam. Nhô Marco sentia as juntas e uma friagem no peito que incomodava. Mas tratou de fazer um estoque de lenha para o fogo de chão, consertar alguns furos nas tabuinhas da coberta do rancho e reforçar o fornecimento no armazém da Vila. O inverno prometia, com geadas, ventos gélidos e até umas nevadas de branquear o mundo. Convinha ficar de sobreaviso, afinal nunca se sabe.

Numa dessas tardinhas com o lusco-fusco pendendo para a noite, ele voltava das andanças pelos domínios que lhe cabia cuidar quando deu com o guarda-chaves sentado na área de seu rancho. Uma visita assim de sopetão, naquela hora fora do costume, lhe trouxe certa apreensão. “Qué que houve?” – foi questionando de longe. O homem riu, esticando o papel com o chamado do Administrador para se dirigir à Vila, mas isso no dia seguinte. Ele se acalmou porque, se fosse de urgência, a ordem seria viajar no mesmo dia. Sentou-se ao lado do mensageiro e ali sugaram mates e palheiros, proseando assuntos sem importância.

No dia seguinte, madrugadão, já troteava na velha égua pelos carreiros fundos no rumo norte, em direção à Vila. Quando avistou a povoação lá em baixo, com as duas ruas em cruz, a cerração principiava a levantar, como se a Vila se espreguiçasse dum sono pesado. Embicou pela rua da entrada e logo amarrava a montaria na argola própria que havia diante da casa verde, o escritório da Companhia. O único funcionário presente puxou prosa, mas não quis adiantar nada, até que o Administrador, falando alto, naquele sotaque chiado, entrou na sala. Vestia um capote pesado, com manta de lã no pescoço e boné de orelheiras desabadas para proteger. Cumprimentou e convidou Nhô Marco para entrar no gabinete, fechando a porta.

“Marco, – foi dizendo sem cerimônia, – você está velho para morar sozinho no meio do mato, como bicho. Andei pensando na sua situação e resolvi trazer você para cá. Preciso de um condutor para minha charrete, nas andanças por aí, e penso que você é o homem certo. Seu serviço será cuidar da charrete e do cavalo e estar sempre pronto para me levar onde eu preciso ir.” O velho caboclo ouviu aquilo com espanto. Então o Administrador pensava nele! Respondeu num jeito desajeitado que aceitava, embora sentindo, no fundo, muita dó de deixar seu rancho e seus animais. Como se adivinhasse, o chefe completou: “Vou destinar a você uma das casas perto dos tanques, onde você poderá manter seus bichos e plantar o que quiser.”

Nhô Marco voltou ao rancho, agora numa visita de adeus. Andou pelo mato, subiu ao cerro para apreciar o Anhangüera, visitou os ferroviários na estação. Ajeitou a tralha, que o Joça Volante foi buscar no fordeco, e dias depois se instalava na Vila, numa casinha nova, sem furos no telhado, e de onde avistava a estação e parte do povoado. Seus bichos, inclusive a égua, ganharam novas moradas e ele se apossou da charrete e seu cavalo, o Gatiado. Passou no veículo uma limpeza em regra, lustrou o couro do assento, engraxou as rodas e os cubos para não chiarem e engraxou o arreame. O Gatiado teve os cascos e crinas aparados, foi lavado e alisado com raspadeira. Passou a receber trato caprichado e em breve reluzia de gordo.

Desde então, quando chamado, lá estava Nhô Marco conduzindo o Administrador na sua charrete, para lá e para cá, visitando fazendas e casas, matos e campinas, estações e fábricas. Com paciência sem limite, levava o chefe para todos os cantos, suportando as reclamações e o sotaque chiado, com a bombacha abaixo da cintura, ameaçando uma queda que nunca aconteceu. Na minha última lembrança, evoco os dois velhos de cabelos brancos, um ao lado do outro, sentados no banco da charrete tirada pelo Gatiado, dirigindo-se para algum lugar (Fim do Folhetim).

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