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NHÔ MARCO, Figura de Folhetim

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Quando o conheci, Nhô Marco já teria para mais de setenta anos. Caboclo alto e empinado, sua cabeleira compacta branqueava, mas as pernas e braços guardavam muito do vigor antigo. Trajava bombachas de brim azulado, não muito largas, talvez porque atrapalhariam sua lida no matão onde vivia. Pelos lados de fora elas exibiam duplas carreiras de botões brancos, muito brilhantes, que minha mãe dizia serem de madrepérola, riquefoques para valorizar a vestimenta, acentuando sua distinção. As bombachas estavam sempre abaixo da linha da cintura, em permanente ameaça de cair que, no entanto, incomodava mais aos outros que a ele próprio. Isso se devia, em parte, ao peso do inseparável revólver que trazia na cintura, cujo cabo também era branco, talvez de madrepérola. Perguntado sobre a arma da estima, ele afiançava com vigor ser da marca importada “Trade.” No pescoço, com calor ou frio, usava lenço com nó grande, um tanto espalhafatoso, e raras vezes vestia agasalho mais pesado, mesmo nas friagens medonhas, quando muito uma blusa leve, de lã castigada pelos anos. Pitava seus palheiros, preparados com grande paciência, e mateava quieto, num puxado para os fundos da “casa verde”, onde funcionava o escritório da Companhia Americana e residia o Administrador que, na verdade, nada administrava, deixando tudo por conta do bom Deus.

Nhô Marco, cujo nome completo nunca soube, vivia solito num rancho isolado, para os lados de Anhangüera, estação da ferrovia plantada no meio de imenso pinhal pertencente à Companhia. Além da própria estação, num estilo padrão, com beirais largos e plataforma de pedra-ferro, naquele ermo só se avistavam as casinhas do telegrafista e do guarda-chaves, uma vez que o agente residia na parte de trás da estação. Erguia-se ainda uma caixa d’água para abastecer as locomotivas movidas a lenha, e que recolhia o líquido abundante que descia do cerro próximo, e pilhas de lenha enfileiradas ao longo dos trilhos. Naquele fundão só paravam cargueiros; os trens de passageiros passavam em marcha reduzida, numa choradeira de apitos, martelando com desprezo os velhos trilhos e violando o silêncio pesado, seguidos pelos olhares tristes dos ferroviários que ficavam.

A função de Nhô Marco consistia em zelar pelos próprios da Companhia, – terras e madeiras -, tarefa ao mesmo tempo impossível e inútil. Numa área tão vasta, coberta de mato inceiro e com limites imprecisos, contando apenas com sua velha égua de montaria, o pobre caboclo nada poderia fazer. Mas não se inquietava com isso porque não existiam estradas, nem mesmo carreiros, por onde retirar madeiras furtadas, frustrando a tentativa de qualquer ladrão mais arrojado. Além disso, a madeira era tanta que pouco valia. E dessa forma, degustando palheiros e sugando mates, o velho se desincumbia da missão, vivendo seus dias na santa paz do Senhor, embalado pela cantiga do vento na copa dos pinheiros altos e pela gritaria incessante da passarada. Às vezes, durante a noite, chegavam os rugidos de alguma onça pintada ou gritos de bichos grandotes. Acostumado, não sentia medo. Só saia dali por precisão, para se fornecer no armazém da Companhia ou quando o Administrador mandava chamar através de recado pelo seletivo da estação. Isso, porém, era de quando em quando. (Continua na próxima semana).

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