Nereu Corrêa de Souza foi, sem favor, o maior crítico literário catarinense. Seu julgamento era sempre admirado pela argúcia e pela erudição. Famoso no meio literário estadual, com realce nacional, foi homenageado e premiado pela Academia Brasileira de Letras e seu ensaio “A Tapeçaria Linguística de Os Sertões” alcançou intensa repercussão. Não obstante, hoje está completamente esquecido. É impressionante notar como o esquecimento recai com rapidez sobre nossos expoentes aqui no Brasil. Aí reside o maior mérito da revista “Blumenau em Cadernos” – não deixar morrerem os nossos mortos.
Nascido em Tubarão, na região sul do Estado, em 1914, Nereu Corrêa descendia de proprietários de engenhos de cana e mandioca. Guardadas as proporções, foi um menino de engenho nos moldes de José Lins do Rego, vivendo a infância típica daquele meio. Nunca frequentou a Universidade porque, como ele mesmo diz, suas circunstâncias não o permitiram. Foram aquelas condições que prevaleceram, como diz Hemingway. Leitor aficionado desde muito cedo, amealhou imensa cultura geral e invejável erudição que fariam dele, mais tarde, exímio escritor, professor e jornalista.
Humberto de Campos, o célebre Conselheiro XX, foi seu mestre e quem o ensinou a escrever. “O escritor que maior influência exerceu sobre a minha formação literária foi Humberto de Campos, nos idos de 30 – escreveu ele. – Fui sempre um grande admirador da linguagem límpida e transparente do escritor maranhense. Foi com ele que eu aprendi a escrever. A crônica, como gênero literário ganhou, na sua pena, uma altura jamais alcançada na literatura brasileira.” Confesso-me também admirador de Humberto de Campos cuja obra li, reli e tresli desde a juventude. Tenho comigo a edição de suas Obras Completas, lançada pela W. M. Jackson e que foi muito divulgada quando de seu lançamento. Humberto de Campos foi o cronista mais lido e temido de seu tempo. É conhecida sua polêmica com o escritor João do Rio, vítima de suas frequentes chacotas.
Nereu também se declarou grande admirador de Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo. “Bandeira – anotou ele – pela sua poesia da infância, do quotidiano e da ternura. Cassiano, pelo largo espectro do seu universo lírico e das diversificações formais de seus poemas. Com efeito, nestes últimos sessenta anos, ele esteve presente em todas as escalas percorridas pela poesia brasileira, desde o livre metrismo do verso modernista às mais ousadas experiências da poesia de vanguarda. Foi o mais brasileiro dos poetas brasileiros sem deixar de ser universal.” No campo da prosa, confessa-se devoto de Josué Montello e Assis Brasil.
Como crítico, Nereu Corrêa optou pelo caminho do impressionismo. Para ele, o crítico era um leitor diferenciado que estabelecia uma ponte entre o autor e o leitor. Concordava com Tristão de Athayde para quem a crítica literária é tão indispensável ao autor e sua obra como o oxigênio à vida. Ainda que respeitasse a crítica científica ou universitária, sentia-se mais à vontade no campo impressionista. Ele escreveu sobre muitos catarinenses, embora nem tantos como eu desejaria porque seu juízo sobre eles seria fundamental.
“No Tempo da Calça Curta – Memórias e Confissões”, salvo engano de minha parte, foi seu derradeiro livro. Publicado pela extinta Editora Lunardelli, em 1988, é o repositório de sua vivência na idade das evocações. O livro tem a característica de ter sido ditado, uma vez que o autor estava acometido de problemas visuais. É um trabalho desafiador porque, para o escritor, o aspecto visual do texto é essencial. Mas ele se saiu muito bem, contando inclusive com a “crítica” do neto que leu algumas páginas e afirmou que “eram enrolações do vovô.” O livro é um documento humano, sensível e sincero cuja leitura encanta e comove. Ao longo de suas páginas o autor aborda inúmeros temas sobre os quais pensou e escreveu.
Depois que completou 60 anos Nereu evitava ser fotografado. Não queria registrar as marcas do tempo. Minha esposa, Jandira, tirou uma de suas últimas fotos quando nos visitou em Blumenau.
Embora tenha escrito sobre minha obra, sempre pensei que ele não apreciava a minha ficção. As estórias rudes dos campeiros da Serra-Acima parece que não agradavam ao seu paladar. Quando fui candidato à Academia Catarinense de Letras ele votou no meu adversário. Depois me escreveu uma carta lamentando o “voto equivocado.” Mas nunca deixei de reconhecer seus méritos e muito escrevi sobre ele, inclusive nos meus livros.