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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Notícias sobre um livro (2)

Acabo de retornar de uma viagem pela obra literária de Miguel Jorge. Escritor goiano de nome consagrado, é romancista e contista de mérito, tendo merecido louvações de Carlos Nejar, Ronaldo Caggiano e outros expoentes de nossas letras. Nejar, o celebrado poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu que o goiano é o romancista dos subterrâneos do instinto e das escurezas do crime e castigo, avizinhando-se da literatura latino-americana quanto a certo clima mágico e surreal.

Autor de romances e contos, reuniu no volume “A Fuga da Personagem” (UFG – Goiânia – 2016) um punhado de histórias curtas. Destaco dentre eles o conto-título por várias razões, a começar pela curiosidade que o próprio título desperta. É um conto criativo e instigante. O nome da personagem é Maria Paula e, como toda personagem ficcional, foi criada pelo autor. Ele lhe deu nome, face, corpo, personalidade. Mas um dia constatou, perplexo, que a personagem havia fugido das páginas do livro e se revoltado contra o autor. Desejava ser mais que simples figurante em um texto literário e queria se libertar, ficar livre, leve e solta para viver a vida, inclusive bebendo cachaça com os amigos no boteco da esquina. Foram vãos os esforços do autor para fazê-la voltar ao livro e ficar lá. Ela mudou o nome para Mirian e tratou de viver a nova experiência, provocando inclusive a paixão de um rapaz que não percebeu que ela não existia. O desenrolar da história é repleto de surpresas.

Como fecho da história o autor faz um desabafo: “Meus personagens surgem da luz, não das sombras que escondem as noites. Dou-lhes forma, personalidade, vida. Frutos de mim mesmo. Da repartição de vários nomes, vários lugares, novas máscaras. Mesmo que em sonhos, me faço neles, me guardo neles, talvez, como se fosse eles. Para isso, se espera um mundo de horas, a eternidade passada em segundos. Os gestos humildes, obscenos, brutais, são jogos duros da terra que criei com seus tortuosos caminhos.”

Personagem ficcional nunca é uma pessoa. É antes o amálgama de duas, várias, múltiplas. Caso contrário seria um retrato em palavras, quase sempre incompleto. Todo personagem, por outro lado, contém muito do seu criador, o que me leva a indagar se Miguel Jorge alimenta, no íntimo, algum desejo de fuga. Por fim diria, como penso, que a vida do escritor é um eterno esperar. Espera a formação do romance, do conto ou da crônica na cabeça, processo lento para muitos; espera as longas técnicas da publicação e, por fim, espera as manifestações que muitas vezes costumam ser longas.

Resta saber se é preferível ser um mortal logo esquecido ou uma personagem eternizada pelos leitores como tantas da literatura universal. Creio, porém, que essa questão não entrou nas cogitações de Maria Paula ou Mirian. A obra de Miguel Jorge é ampla e variada. Estende-se pelo romance, o conto, a poesia e o teatro. É autor de roteiros cinematográficos e libretos e recebeu múltiplos prêmios. Tem obras traduzidas para outros idiomas. Destaco “Minha querida Beirute”, romance monumental que mereceu amplo acolhimento, e “Em busca do coração no sábado à noite”, obra surpreendente pela criatividade e pelos engenhosos recursos estilísticos.

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