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O CONSELHEIRO XX, AINDA

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Entre minhas mais antigas leituras está Humberto de Campos (1886/1934), cujas obras completas conservo em minha casa de praia. Na verdade, nunca o abandonei, repassando de forma esporádica seus escritos. Mas, de uns tempos para cá, comecei a olhar trechos e acabei relendo, em sequência, quatro de seus livros. Os dois últimos foram “Fragmentos de um Diário” e “Um Sonho de Pobre”, indicando que dei preferência, sem muito escolher, à sua obra autobiográfica. Quanto mais lia, mais me convencia de quão gritante injustiça é o esquecimento a que está entregue esse extraordinário escritor.

Teve uma infância pobre, quase miserável, trabalhando nos mais humildes serviços, em situações até humilhantes. Mas, à custa de talento e esforço, tudo conquistou, ingressando na Academia Brasileira de Letras com cerca de 40 anos e exercendo por duas vezes o mandato de deputado federal, cargo que lhe cassou a Revolução de 1930. Contista, crítico, ensaísta, poeta e, acima de tudo, cronista, tornou-se um dos mais poderosos homens de imprensa do país, cuja palavra fazia reputações ou destruía falsos mitos. Com o pseudônimo de Conselheiro XX, alcançou grande notoriedade; era festejado, respeitado e temido.Talvez em decorrência da dureza da vida vivida, tomou-se de um pessimismo negro que se foi agravando no correr dos anos, ainda mais quando a cegueira se abateu sobre ele, tirando-lhe a visão aos poucos, de forma implacável e incurável.

“É que, na infância, o que se ouve, ou o que se vê, não sobe para o cérebro: desce para o coração, e aí fica escondido” – escreveu ele, talvez numa tentativa de se justificar. Considerando a brutalidade dos grandes centros (já naquela época!), pensou: “E eu fico a pensar, intimamente, o que será mais doloroso: se permanecer, até à morte, na pequena terra em que se nasceu, sem jamais vir olhar aqui fora o oceano tumultuoso da civilização larga, ou regressar à vida simples e sossegada de uma obscura cidade sertaneja depois de haver provado os entontecedores venenos do mundo. . .” Analisando as injustiças cotidianas, filosofou: “Vêm-me à ideia, então, certas vidas, certas existências longas e obscuras, – fios de seda, trabalhados na sombra, e que só merecem o apreço dos homens depois de cortado pela tesoura da Morte o fio precioso de que elas se constituíram.” 

Escritos sob o impacto de terríveis dores que o matariam antes dos 50, quando seus horizontes, dia a dia, se reduziam, tomados pelas sombras da cegueira, neles não há queixas ou lamentações, apenas uma espécie de contida autocomiseração. “A vida está se tornando um fardo, dia a dia, mais pesado e terrível. Eu queria a vida principalmente para consagrá-la às minhas letras, à realização de uma obra de profundo alcance humano que trazia no pensamento. Isso se tornou impossível.” E mais adiante: “Essas reflexões temperadas por Schopenhauer preparam-me para morrer com sabedoria. Deitar-me-ei na mesa como quem se deita num leito macio, para um sono largo e feliz. Se o sono for bom, para que despertar?”

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