Durante muitos anos acompanhei pelos jornais a trajetória de uma das figuras mais exóticas da política nacional: Tenório Cavalcanti. Nestes últimos tempos, não sei qual a razão, ele tem sido lembrado em matérias televisivas, ainda que sem grande atrativo, ao que parece. Nascido no povoado conhecido como Bonifácio, no interior do município de Palmeira dos índios, em Alagoas, mesma cidade onde viveu Graciliano Ramos e foi descoberto pelo editor Augusto Frederico Schmidt, Natalício Tenório de Albuquerque Cavalcanti migrou muito jovem para a Baixada Fluminense em busca de melhores condições de vida. Sem qualquer recurso, como tantos nordestinos fugitivos da seca e da miséria, foi trabalhar em Duque de Caxias, cercada na época por um charco imprestável onde campeavam as doenças e a violência pela posse da terra. Entregou-se no início a toda sorte de trabalhos e depois passou a vender lenha e carvão, acreditando-se que assim construiu grande fortuna. Esforçado, estudou e se bacharelou em Direito, não tardando a se envolver em atividades políticas. Filiou-se à UDN, partido elitista, em desacordo com suas inclinações popularescas e clientelistas. Violento e temperamental, envolveu-se em numerosos casos de grande violência e que o levaram a afirmar que aos 47 anos de idade ostentava no corpo 47 marcas de tiros. Popular entre a população mais humilde, ajudando e atendendo às pessoas, não tardou a fazer carreira, elegendo-se Deputado Federal com grande votação.
Orador inflamado, fustigava sem piedade os adversários e com isso agradava a elite udenista, eximindo suas “vestais” de descerem ao nível do populacho. Transitava pelas ruas do Rio e da Baixada num flamante Cadillac conversível, com motorista, reunindo logo um grupo e admiradores e curiosos. Vítima de ameaças, passou a envergar uma larga capa preta sob a qual carregava uma metralhadora portátil, tipo Thompson, batizada de Lurdinha. Envolveu-se em incontáveis casos de grande impacto e que a imprensa noticiou com estardalhaço. Ficou na história política o cerco de sua casa-fortaleza, em Duque de Caxias, ameaçada de invasão. Apelou à Câmara Federal, pedindo sua intervenção, pois afinal era detentor do mandato de Deputado. Para lá acorreram figuras destacadas em sua defesa, como Nereu Ramos, presidente da Câmara, e Oswaldo Aranha, ministro da Fazenda. Foi salvo e a invasão não aconteceu. Também esteve envolvido, apontado como coautor, no atentado que vitimou o Delegado Imparato e o Inspetor Bereco. Exibicionista e autoritário, Imparato era dessas figuras típicas que brotam das sombras em períodos conturbados. Transitava em um automóvel Nash, “único veículo sem chassis e construído sobre as rodas” – como afirmava a propaganda, praticando toda sorte de arbitrariedades. Seu carrão foi metralhado e se tornou autêntica peneira. O inquérito concluiu de maneira exaustiva que Tenório estava envolvido. Nada lhe aconteceu. Envolveu-se ainda, por diversas formas, em outros tantos episódios que lhe deram grande notoriedade. Entre eles, o célebre caso do Tenente Bandeira cuja defesa assumiu perante o Tribunal do Júri, além da defesa de Araci Abelha, obtendo sua absolvição, e na acusação de Olga Sueli, pertencente à família inimiga dos Dantas. Esteve em Porto Alegre, ao lado de Leonel Brizola durante a chamada Cadeia da Legalidade. Mestre da autopromoção, não perdia qualquer oportunidade.
Pouco a pouco vai assumindo uma postura mais popular e clientelista, afastando-se da UDN, da qual acaba por se desligar. Torna-se um verdadeiro “coronel urbano.” Candidato aos governos do Estado do Rio e do novo Estado da Guanabara, obteve ampla votação, ainda que não se elegesse. Rompendo com o udenismo, juntou-se aos adversários de ontem e por isso caiu em desgraça com a implantação da ditadura em 1964. Teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Numa tentativa desesperada de sobrevivência política, ensaiou uma aproximação com a o novo governo através da ARENA e depois do PDS. Com um “sorriso amarelo” no rosto, engoliu tudo que havia dito, engendrando os mais extravagantes argumentos, como escreveu um de seus biógrafos. O ostracismo o tragou para sempre, enquanto a UDN também engolia o ideal democrático que afirmava defender e se lançava gostosamente nos braços da ditadura em companhia do arqui-inimigo PSD.
Tenório Cavalcanti amealhou grande fortuna. Nunca se soube ao certo como teve início e suas explicações foram pouco convincentes. Manteve um jornal de grande circulação, a “Luta Democrática”, e uma emissora de rádio acoplada a uma rede de alto-falantes espalhada por toda a cidade de Duque de Caxias,
Dois livros sobre ele fizeram sucesso quando foram lançados. O primeiro deles, “Capa Preta e Lurdinha”, de autoria do historiador Israel Beloch, hoje esquecido, foi publicado pela Editora Record (Rio de Janeiro – 1986). “Tenório – O Homem e o Mito”, escrito por Do Carmo Cavalcanti Fortes, filha mais velha, foi lançado pela mesma editora e no mesmo ano. Ambos são ricos em detalhes, embora o primeiro tenha se valido de fontes mais isentas.
Rememorando Tenório Cavalcanti, fico com a impressão de que o Brasil tem saudade dessas figuras excêntricas do passado. A mediocridade reinante é tão pobre que nem sequer os cria.