Mary Opanton, mulher de rara beleza, integrante da alta sociedade europeia, usufruía de uma temporada em luxuosa villa encastelada em elegante colina de Florença. Servida por um casal de criados atentos e dedicados, realizava longos passeios e frequentava reuniões e jantares para os quais era convidada. Sempre assediada pelos homens, foi pedida em casamento por Edgar Swift, alto funcionário na Índia e bem mais velho que ela. Enquanto ele viajava a serviço, ela adiava a resposta. Entra em cena, então, um jovem inglês rico, meio boêmio e malandro, visivelmente apaixonado por ela: Rowley Flint, a quem ela não levava a sério.
Em um dos luxuosos jantares oferecido por uma princesa, Mary notou a presença de um violinista bastante sofrível que integrava o conjunto musical. Como saberia mais tarde, tratava-se de Karl Richter, estudante de arte, foragido da Áustria por ser contrário à Anschluss que propunha a anexação da Áustria à Alemanha. Vivia clandestino na Itália, como incontáveis outros jovens que se opunham a Hitler. Sem emprego e sem recursos, vivia numa choupana miserável nos subúrbios da cidade. Penalizada, ela deu a ele generosa gorjeta.
Certa noite, retornando para casa, ela notou a presença de alguém à sombra das árvores. Observando melhor, reconheceu o violinista e o convidou para entrar. Observou suas roupas pobres e puídas, o aspecto febril e doentio do rapaz. Ofereceu-lhe alimentos e bebidas e a conversa fluiu tranquila. Depois, “num simples ato de compaixão”, recolhe-o a seus aposentos para uma noite de amor. Ao amanhecer, quando o dia começa a clarear, ela cai na realidade e determina ao rapaz que vá embora. Surpreso, ele não se conforma com a ruína do sonho despertado por aquela noite. Torna-se rude, grita, recusa-se a partir. Mas ela insiste, mesmo porque não há outra solução. Desesperado, ele apanha o revólver dela e, num ato extremo, detona um tiro no próprio coração. Cai morto num dos cantos do quarto. É uma tragédia brutal e inesperada.
Mal refeita do choque, Mary começa a raciocinar. Aquele corpo não poderia ser visto ali sob pena de provocar um escândalo internacional, envolvendo inclusive os donos da villa e ela poderia ser acusada de homicídio. Por outro lado, sozinha ela não poderia fazer nada. Era urgente pedir ajuda. Edgar estava fora de cogitação; ele jamais concordaria em ajudar, ainda mais sabendo da verdade, como mais tarde se confirmou. Pensou em outras pessoas e acabou se fixando em Rowley. Com o jeito meio moleque, ele não recusaria uma ajuda, ainda mais que a amava e estava sempre se declarando. Ligou a ele. Meio sonolento, o rapaz ouviu a história e num instante estava na villa tomando as providências.
Seguiu-se uma noite infernal, repleta de movimentos, sustos e atropelos. Mas afinal, antes do sol nascer, o corpo do austríaco jazia em denso matagal às margens do rio Arno. Depois, exaustos, trataram de aliminar quaisquer vestígios.
Rowley jamais a recriminou e revelou compreensão diante do passo em falso que ela dera. Olhava-a com ternura e amor e então ela percebeu que o amava e com ele se casaria. Só ele guardaria para sempre o segredo daquela noite terrível que ambos viveram. Sem indagações ou censuras. Ela “descobre que negar o amor, com todas suas paixões e riscos, é o mesmo que negar a própria vida.”
“Uma Paixão em Florença” (Editora Record – Rio/S. Paulo – 2000) e um dos mais célebres romances de W. Somerset Maugham, autor, entre outros, de “O Fio da Navalha” e “Servidão Humana.” Nele o romancista exercita com rara habilidade o uso do diálogo, em que foi mestre, e conduz o leitor por todos os escaninhos da alma humana. Como pano de fundo aparece a sanguinária perseguição de Hitler aos seus adversários, obrigando incontáveis jovens a fugirem para a Itália onde viviam em cortiços e sofrendo todo tipo de privações. Karl Richter, a vítima da história, tinha 23 anos, e foi um deles.
Eis um romance que vale a pena ler e reler.