Nos começos da carreira, fui convidado a examinar uma causa em pequena cidade campeira, do outro lado do Pelotas. Numa “Rural” novinha em folha, meu cliente me conduziu pelas curvas e serras da estrada poeirenta e, através de uma balsa de cabo, tirada a muque pelo balseiro, subimos para o campo verde que se estendia a perder de vista, onde o gado pastava em calma e alguma ema assustada corria desajeitada, levantando as grandes asas numa posição deselegante. Às vezes passávamos por uma fazenda, tão erma e silenciosa que parecia deserta. Mas logo ela ficava para trás e voltávamos à mesmice do campo e aos reboleios da estradinha.
No topo de uma coxilha avistamos, enfim, a cidade de nosso destino, iluminada pelo sol amarelo que rebrilhava nas janelas e coberta por um céu tão limpo e azul que parecia artificial. A igreja, no ponto mais alto, erguia a única torre acima de tudo, como se vigiasse o povo, advertindo-o contra os maus serviços. Na claridade reinante, sua cor branquicenta parecia ainda mais viva. Naquela distância ainda não se via movimento e nada se ouvia, parecendo a pintura estática de uma tela carregada nas tintas.
O veículo avançou e não tardamos a entrar pela rua principal, tão larga que parecia um exagero, como se o remoto construtor tivesse errado nos cálculos, planejando para outra cidade, muito maior e mais movimentada. Logo, porém, começamos a encontrar alguns carros, carroças, cavaleiros, transeuntes. Um cachorro barroou em algum canto e percebi que o vento campeiro sacudia de leve as árvores do passeio.
Estacionamos diante do Fórum, antigo prédio de madeira, examinei o processo e logo me inteirei das providências, acalmando meu cliente em seus temores. Embora com muito atraso, almoçamos numa churrascaria. Como fosse tarde para o retorno, rumamos para o único hotel da praça.
Quando o avistei, mal pude acreditar no que via e fiquei um tempão a admirá-lo de vários ângulos. Construído em local elevado e cercado de gramado muito verde, era um casarão de madeira de lei com dois andares e mais um terceiro em formato de chalé, em cujas paredes as numerosas janelas, com seus vidros coloridos, se alinhavam indicando os quartos. Ao longo dos beirais se viam os enfeites caprichosos, serrados em tábuas por verdadeiros artistas. A pintura forte lhe dava um ar imponente e dominador entre as construções menores.
Mas não foi isso, acredito, que o fixou para sempre na minha memória. Ainda que impressionasse pelo tamanho, era um tipo de construção mais ou menos comum na região. O detalhe insólito é que estava amarrado ao chão, aprisionado como servo na gleba verdejante.
Com receio de algum vento insidioso, freqüente naqueles pagos, alguém se lembrou de prendê-lo ao solo por meio de quatro robustos cabos de aço, fixados em cada canto da construção, e daí distendidos até pesados blocos de concreto escondidos sob a terra.
Embalado pelo vento que cantava nos oitões, dormi no velho hotel, com pena de sua escravidão. Creio que os rangidos noturnos de suas vigas e paredes expressavam um sonho de liberdade e com ele fui desde logo solidário.