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Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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TRÊS EM UM

A leitura de poesia não se esgota. Venho lendo e relendo o mais recente livro de autoria de Elizabeth Rennó, poeta mineira consagrada e das mais premiadas do país. Foi presidente da Academia Mineira de Letras e sempre se envolveu em intensa atividade cultural.

Trata-se de “Natividade – Poemas para meditar e sobre/viver” (Editora Aldrava – Mariana – MG – 2021) cujo nome indica uma coletânea de poemas que exaltam a fé. Segundo Donadon-Leal, “é um auto de Natal com contos de louvores à Natividade em cenários contemporâneos”.

O livro se divide em quatro partes: Intróito, Para Meditar, Para Sobreviver e Posfácio. A primeira delas se inicia com um apelo: “Levemos o Espírito de Natal/ aos corações amargurados/ Entoemos um hino de louvor/ aos construtores da paz/ Cantemos pelo caminho de Belém/ uma oração de amor”.  Com esse estado de espírito o leitor prossegue na leitura de poemas impregnados de fé e sinceridade.

Os poemas seguintes convidam à meditação, como é o escopo do livro, tendo sempre o Natal como pano de fundo. Evoca situações, contrastes, silêncio e festas. Sem esquecer o que deve ser deveras festejado – a Natividade.

Que é o Espírito de Natal? A poeta resume nestes versos: “Fazer o bolo/ não é o principal/ Enfeitar a mesa/ é supérfluo/ Florir a casa/ não é necessário/ Embrulhar os presentes/ e pregar-lhes laços e fitas/ pode ser suprimido/ É bom no entanto/ que se revista/ de veste nova/ a alma/ sem o costumeiro rancor/ dos dias/ E mãos em prece/ sejam a saudação/ ao Amigo”.

Concluindo: “Sabei/ que ao dia basta sua pena/ Buscai/ o reino de Deus primeiro/ o resto terei por inteiro”.

Como escritora, reflexão sobre o mais solitário dos ofícios, ainda que breve, não poderia faltar: “Escrever/é sofrer/ expor a alma/ o corpo, o sangue/ o martírio/ o delírio/ o existir/ Restam apenas/ o sonho/ o desejo/ os amores vãos/ na eternidade/ sonhada”.

              — o –

Monteiro Lobato está sempre em questão. Na revista “Língua Portuguesa e Literatura” deparei com interessante ensaio de autoria de Jussara Saraíba, jornalista e contadora de histórias, em que registra como o escritor é objeto de relançamentos e adaptações e “seus personagens ganham novos olhares em um repertório que parece infinito”.

Ressalta a ensaísta o fato admirável de que os personagens lobatianos se tornaram extremamente conhecidos e suas reinações foram submetidas a várias versões para a televisão sem perder o encanto.  A entrada de figuras folclóricas nas histórias, como o saci e tantas outras, aguçaram ainda mais o interesse das crianças. O saci, por sinal, foi sempre objeto do interesse do escritor, tanto que seu primeiro livro foi um inquérito sobre ele realizado através do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Outros aspectos da vida e da literatura de Lobato são por ela abordados, sem esquecer o célebre artigo sobre a Exposição Malfatti que tanto abalou a artista a ponto de fazê-la alterar os rumos de sua arte, passando de vanguardista a fotógrafa. Sempre me pareceu que o texto do escritor foi expelido num momento de má inspiração e que constituiu uma flagrante contradição, uma vez que ele foi o verdadeiro precursor do Modernismo no país. A crítica infeliz o afastou para sempre dos modernistas.

Acentua ela, com razão, que os personagens de Lobato “transcenderam o texto literário e passaram a ter vida em outros meios midiáticos, tais como a televisão, o rádio, o teatro e os quadrinhos”. É como se tivessem ganho vida própria.  Passaram a interessar a artistas de outras áreas.  

As inovações e os contrastes encontradiços em tão vasta e diversificada obra como a de Lobato são apontadas pela ensaísta, o pioneirismo e o nacionalismo, o excessivo didatismo de muitas histórias infantis e as lutas em que ele se envolveu são comentados pela autora. Aponta ainda alguns dos estudiosos da vida/obra de Lobato como fontes de boa informação.

O ensaio de Jussara Saraíba é informação e recapitulação.

               — o –

Oferecido pelo amigo Carlos Adauto Vieira, acabo de ler “Campo Santo”, de autoria do escritor alemão W. G. Sebald  (1944/2001), publicado pela Companhia das Letras em tradução de Kristina Michebelles (S. Paulo – 2021).

Trata-se de uma coletânea de crônicas e ensaios escritos em linguagem sofisticada e caprichosa, exigindo do leitor muita concentração e empenho. Parágrafos longos, às vezes muito longos, que se desdobram em ideias que, por sua vez, atraem outras ideias. 

As crônicas são em geral inspiradas em viagens do autor, como em “Pequena excursão a Ajaccio”, em que ele anota detalhes mínimos em regra não vistos pelo viajante comum, e no próprio texto que serve de título, “Campo Santo”. Aqui ele anota e observa tudo que vê num cemitério em Piana, desde as asperezas dos caminhos, os despenhadeiros, as posições dos túmulos, os casebres semi-destruídos pela intempérie e a vegetação. Temas lúgubres que uma linguagem muito pessoal acaba por tornar interessantes.  Observa que os mortos eram enterrados conforme o clã a que pertenceram em vida. O costume de sepultar os falecidos em terras da família estabelecia uma espécie de inalienabilidade do solo; vendê-lo seria alienar os familiares. Anota ainda a quase ausência de animais silvestres na região, antes abundantes e hoje quase extintos pelas caçadas.

“Os Alpes no mar” contêm uma dura lição para nós. Houve tempo em que toda a Córsega foi coberta por imensas florestas. Cresciam sem parar, galgando andar depois de andar, atingindo enormes alturas, sombreando e umedecendo o ambiente. Mas o machado entrou em cena nas mãos dos colonos e o processo de degradação não teve fim, devorando árvore após árvore, alterando as condições do solo e o clima regional. É um alerta sobre o que acontece na nossa Amazônia.

 Duas crônicas entrelaçadas pelo assunto merecem especial atenção. “Via Suíça até o bordel”, sobre os diários de viagens de Kafka, e “Kafka vai ao cinema” refletem as reações do escritor em relação à chamada sétima arte. Cinema ainda precário e incipiente, tocava de maneira especial o gênio criador de “Metamorfose”. Sem dúvida sua imaginação privilegiada previa os píncaros que o cinema poderia alcançar em mãos inteligentes, ainda que muita porcaria viesse a ser filmada como nos dias de hoje.

Muito mais haveria a dizer sobre tão estupendo livro mas cansaríamos o leitor.

Quem se arrisca a uma experiência de leitura exigente e caprichosa irá agarrar o livro de W. G. Sebald e não o largará antes de virar a última página.    

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