Com esse título, Monteiro Lobato (1882/1948) batizou um de seus mais curiosos contos, depois incluído no volume “Cidades Mortas”, de suas Obras Completas. Embora contenha apenas duas páginas, é um modelo de ironia e provocou indignação em cidadãos prestantes que nele se julgaram retratados. Aliás, é frequente que pessoas reais se identifiquem ou julguem identificar conhecidos em personagens de ficção. Como a pessoa real, porém, nunca é uma persona ficcional porque esta quase sempre reúne elementos de várias outras e muitos fictícios, na maioria dos casos é uma preocupação sem fundamento. Também é comum leitores localizarem as histórias, afirmando que aconteceram aqui e ali, quando tudo não passa de pura criação do autor. Mas voltemos ao conto de Lobato.
Aconteceu que João Teodoro, com esse nome e nada mais, “o mais pacato e modesto dos homens, honestíssimo e lealíssimo”, andava inquieto com os destinos de sua comuna – a velha Itaoca, palco de incontáveis histórias lobatianas. Aquela terrinha já fôra bem melhor, teve dois médicos e agora só tinha um, e “bem ruinzote”, tinha seis advogados e agora “mal dá serviço para um rábula ordinário… Nem circo de cavalinho bate mais por aqui!” E o pobre João Teodoro, só João Teodoro, via em tudo a decadência de sua velha cidade, entregue ao desmazelo e ao abandono, sem rumo e futuro. Ele, porém, não se entregava a essas cismas por ambição porque não desejava nada, não ambicionava nada, apenas observava o ar de tapera que recaía sobre tudo. Nem mesmo se considerava apto para nada ou que tivesse a menor importância. Era honesto o suficiente para se avaliar.
Mas vai que um dia correu a notícia de que João Teodoro estava nomeado delegado da cidade. Aquilo foi uma cacetada na cabeça e ele ficou tonto com tão insólita situação. “Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa séria – excogitava. – Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado!” Mas, querendo ou não, estava diante de um fato consumado – era o delegado de Itaoca.
João Teodoro se recolheu e entrou a ruminar seus secretos pensamentos até a decisão definitiva, aquela de que não cabe recurso.
“Pela madrugada – escreveu o contista – botou as malas num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu. Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador. “Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?” – indagou o outro. “Vou-me embora… Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim!” Incrédulo, o amigo não entendeu: “Mas como? Agora que você está delegado?”
– “Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus.”
E sumiu.