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Balneário Camboriú

VILAS HUMILDES

Enéas Athanázio
Enéas Athanázio
Promotor de Justiça (aposentado), advogado e escritor. Tem 60 livros publicados em variados gêneros literários. É detentor de vários prêmios e pertence a diversas entidades culturais. Assina colunas no Jornal Página 3, na revista Blumenau em Cadernos e no site Coojornal - Revista Rio Total.
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Em minhas andanças pelo interior, desde longos anos, conheci muitas vilas humildes, dessas povoações anônimas de população diminuta, onde todo mundo se conhece, afastadas dos grandes centros e isoladas do mundo. Algumas delas, que conheci ainda prósperas, estão em vias de desaparecer. Outras, situadas à margem das ferrovias extintas, também entraram em irremediável processo de decadência. Em busca de emprego, estudos e melhores oportunidades, a população foi migrando, em especial para as cidades mais próximas, e um desolador ar de tapera se abateu em definitivo sobre elas. Aquelas que serviam de entrepostos para carregamento de madeira serrada e erva-mate, nos tempos áureos, quase desapareceram. Lança e Poço Preto, nas proximidades de Porto União, são exemplos típicos, cuja trajetória descendente pude acompanhar nas últimas décadas. A primeira nem existe mais, restando apenas a igrejinha, enquanto tudo ao redor se transformou em pastagens e plantações. Na segunda, além de algumas casas decrépitas, sobrou a estação ferroviária abandonada, lembrança melancólica de dias melhores, abrigando ratos, morcegos e talvez alguns fantasmas. Outras, deixadas à margem das grandes rodovias, sentiram a marginalização e começaram a fenecer. Lembram as tristes cidades mortas de Monteiro Lobato, por ele descritas com mão de mestre, vítimas de um “progresso nômade e sujeito a paralisias súbitas” ou de um “progresso cigano que emigra.”

Nesses ambientes assim esquecidos tudo é precário e seus pobres moradores são vítimas de completo abandono. Neles não existem médicos e em geral não funcionam serviços de saúde e emergência, submetendo o infeliz necessitado à contingência de correr para outros centros em caso de necessidade. Crianças e idosos são as vítimas maiores. O boticário, quando existe, administrando escasso estoque de medicamentos, é o anjo salvador nas dores agudas e crises inesperadas – e faz o que pode. Transporte costuma ser deficiente, quase sempre sujeito a linhas de “pinga-pingas” com horário duvidoso e tantas vezes superlotado. Candidato a viajante, o sofrido vivente tem que suportar longas esperas sob abrigos precários, quando existem. Em matéria de preços ao consumidor e direitos trabalhistas reina a mais deslavada exploração. Segurança, lazer, distrações – coisas etéreas. A vida social se resume a alguns bailarecos, festas de padroeiros, casamentos, batizados, visitas do padre. Isso aqui em nosso Estado, tido como dos mais adiantados. É fácil imaginar o que vai por esses grotões do país. 

Não obstante tudo isso, é inacreditável constatar que as pessoas quase sempre amam o lugar, – são até bairristas, – e parecem gozar de grande felicidade. É um mistério, mas muitas se recusam a arredar pé e até abdicam de oportunidades. Acomodadas àquela vidinha, seus horizontes acabam se amoldando aos limites da terrinha e dali contemplam com estóico fatalismo o lento correr dos dias para o poço sem fundo do tempo. E muitas, quando saem, suspiram de doloridas saudades dos dias bucólicos e iguais. Humberto de Campos, depois de conquistada a glória nas letras e o sucesso no grande mundo nacional, suspirava de saudades dos tempos de menino pobre nos ínvios do Maranhão. A alma humana é a mais complexa das equações!

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