Dizia Gilberto Amado, um dos grandes da literatura nacional, que o distraído, o avoado não sabe viver porque é preciso dar atenção à vida e rechear os minutos, para que ela não se torne vazia. Essa observação é mais válida ainda quando aplicada ao cronista porque o escritor que se dedica a esse gênero deve estar sempre com as antenas ligadas para captar os temas cronicáveis que estão ao seu redor e que as pessoas em geral nem sequer percebem.
Essas observações me ocorrem ao terminar a leitura do livro “Imagem do sol poente”, de autoria de Homero Castelo Branco (Editora Nova Aliança – Teresina – 2016). É uma extensa coletânea de crônicas que revelam um homem atento, dono de admirável erudição, refletindo sobre o mistério da vida, a existência em comunidade, o encontro da felicidade pessoal e tudo aquilo que preenche os dias da trajetória terrena, sem esquecer a tristeza, a dor e as inevitáveis perdas, inclusive da juventude. Trata-se das reflexões, experiências e lições de uma pessoa sensível e arguta observadora de tudo que acontece. É um pensador que escreve em estilo muito pessoal e característico e que, ainda que declare não ser poeta, consegue atingir o nível da prosa poética.
Sem pretensões professorais, o cronista fornece incontáveis lições de vida, todas baseadas na observação dos fatos, no estudo da natureza humana e na experiência vivida. Sobre o equilíbrio emocional, escreveu ele: “É importante aprender a desfrutar a vida, porque do contrário passará sem que tenha vivido de verdade. Viver sem desfrutar é o pior desequilíbrio. Quem joga apenas para ganhar acaba perdendo o melhor do jogo, que é a diversão de jogar e de criar” (p. 31).
Sobre o tempo, esse enigma que nos cria e nos destrói, diz o cronista: “O tempo é como o rio. Nunca podemos tocar na mesma água duas vezes, porque a água nunca passará novamente” (p. 34). A lição é viver cada dia porque ele não voltará mais.
São muito precisas suas observações sobre o escritor. a escrita e o livro. Hemingway escreveu certa vez que o escritor é um grande mentiroso, ao que o cronista retruca: “Geralmente o escritor é exímio, renitente mentiroso, claro que é por força do ofício. Na verdade, o escritor não mente no sentido exato do termo. Apenas, vez ou outra, costuma transfigurar a tal da realidade, botando uma pitada a mais ou a menos de tempero, com a finalidade de tornar o que conta um pouco mais atraente…” (p. 38). Sobre os personagens e sua criação, conclui: “O mundo anda repleto de personagens cujas histórias anseiam ser contadas, por mais inverossímeis que pareçam a nossos olhos de costumeiros incrédulos…e resta ao escritor, quando dá de cara com um bom filão, explorá-lo até as últimas consequências” (p. 38). Algo parecido dizia Monteiro Lobato, quando relatava que muitos de seus personagens foram colhidos na vida cotidiana. E quanto às histórias, Érico Veríssimo afirmava que a vida é muito mais pródiga em casos estranhos do que a mais descabelada ficção. Quanto ao livro, comenta o cronista: “Todo livro tem um pouco de autobiografia, mas não dá para separar a ficção da vida, da biografia. É uma construção também. É minha experiência, não posso fugir dela, nem quero” (p.35). Não há dúvida de que a escrita tem muito do escritor, refletindo sua própria personalidade, além de que muitos podem ser identificados apenas pelo estilo. O estilo, como já se afirmou, é como o nariz, cada um tem o seu. E o estilo de Homero é inconfundível; seus leitores devem identificá-lo à primeira leitura. Aliás, ele confessa que escreve por que gosta e que o escrever lhe dá prazer. Ou seja, tem a vocação do escritor.
Sobre a vida, preocupação sempre presente em suas páginas, o cronista escreve que ela exige luta constante, esquecendo as agruras do passado e visando o futuro, sem esquecer o hoje. Porque, conclui ele, com toda razão, viver é ser teimoso!
A leitura do livro de Homero Castelo Branco é um autêntico manual de vida ou uma receita de bem viver. É para ler, reler e refletir.