Algumas vezes na história, personagens reais possuem passagens de suas vidas entrelaçadas com acontecimentos considerados, no mínimo, bizarros. Uma delas diz respeito a uma série de mergulhos lendários de Alexandre, o Grande; rei grego que criou um dos maiores domínios territoriais já conhecidos no século IV aC. Mencionado em uma obra medieval póstuma, essas aventuras deslumbrantes nos relatam como Alexandre desceu às profundezas do mar em uma espécie de equipamento de vidro, junto com uma galinha e um cachorro, e passou a observar a estranha fauna do mar, com seus seres monstruosos e desconhecidos.
A referência sobre o mítico mergulho de Alexandre, começa com as citações de Aristóteles e encontra-se na obra Problemata (IV aC.), no subtema relacionado aos “Problemas relacionados aos ouvidos”: “Mas parece haver uma passagem espontânea da respiração para o exterior; e devemos considerar em seguida se a respiração interior também é assim. Aparentemente é; pois eles permitem que os mergulhadores respirem igualmente bem, deixando cair um caldeirão; pois isso não enche de água, mas retém o ar, pois é forçado a cair diretamente na água; pois, se ela se inclinar em uma posição vertical, a água entra”. É provável que o aparelho nada mais fosse que uma espécie de barril com a parte inferior aberta, prendendo desta forma o ar em seu interior.
Segundo o relato de Aristóteles, o exército de Alexandre O Grande (que foi um de seus discípulos) fez uso deste aparelho na tomada de Tiro – cidade fenícia localizada no atual Líbano – em 332 aC. Ainda no mesmo livro, Aristóteles nos apresenta algumas técnicas usadas pelos mergulhadores, no que seriam as primeiras soluções para os problemas de pressão nos ouvidos: Por que os ouvidos explodem daqueles que mergulham no mar? […] Por que os mergulhadores prendem esponjas nos ouvidos? É para que o mar não invada violentamente os ouvidos, pois assim, eles não ficarão cheios de água. […] Por que os ouvidos dos mergulhadores estouram menos se derramarmos óleo neles? Será que, como a causa do estalo dos ouvidos já foi detectada, esse óleo, quando derramado nos ouvidos, faz com que o mar escorregue como acontece com as partes externas do corpo quando são ungidos.
Reza a lenda, que o próprio Alexandre realizou posteriormente diversas investidas ao fundo do mar, em um aparelho semelhante ao descrito por Aristóteles, porém confeccionado em vidro. A ideia surgiu da observação da carapaça de um caranguejo, e com isso mandou fazer uma estrutura que fosse capaz de armazenar ar em seu interior, como a carapaça do animal. O que resultou na prática foi uma jaula metálica, em cujo interior encontrava-se uma enorme jarra de vidro com o fundo aberto. A jaula era baixada com o auxílio de cordas e correntes, de modo que Alexandre podia assim, “flutuar” no fundo do mar, observando sua natureza de perto.
Essa história faz parte da coleção de lendas sobre as aventuras míticas de Alexandre O Grande, conhecida como O Romance de Alexandre. A primeira versão dessa coletânea de histórias data do séc. III aC., e foi escrita em grego. Não se sabe de verdade quem é o autor dessa obra. No século IV d.C. surge a primeira versão em latim; e até o séc XVI, outras versões em grego, armênio e siríaco (derivado do aramaico). Fato é que na Idade Média, a obra tornou-se muito popular, e foi acrescida de novos contos fantasiosos – inclusive de referências judaico-cristã –, influenciando em muito os romances de cavalaria da época.
Os relatos envolvendo Alexandre e suas aventuras no mar, por mais fantasiosos que sejam, tiveram uma importância ímpar no imaginário medieval. Em 250 aC., Arquimedes revelaria o princípio físico da hidrostática, dando assim mais credibilidade e embasamento à fantástica história de Alexandre. Por mais que olhemos para O Romance de Alexandre de modo incrédulo, devemos entender que muito provavelmente essa crônica foi o ponto de partida para uma longa relação de invenções envolvendo o uso da tecnologia no mergulho subaquático.
A aplicação prática do mergulho através dos tempos não contou apenas com a capacidade pulmonar dos homens. A obtenção e riquezas naturais ou a necessidade de vencer uma batalha impulsionaram a mente humana a criar recursos técnicos capazes de fazer permanecer por mais tempo, os homens debaixo d’água. Apesar do estímulo financeiro ou de vitória em um embate, as técnicas eram ainda bastante rudimentares, e não evoluíram muito na época antiga ou mesmo nos primeiros séculos da Idade Média. Ao contrário da engenharia naval, os inventos referentes ao mergulho em si, não seguiam muito além de tubos de respiração, pesos de lastros amarrados à cintura, óculos improvisados com elementos naturais e sinos de mergulho bastante rudimentares, que na maior parte das vezes, não passavam de caldeirões invertidos na água.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)