Os naufrágios são constantemente descritos como cápsulas do tempo, pois neles são preservados muitos objetos e equipamentos de época, que não sobreviveriam na superfície. A profundeza do mar – e a salinidade de suas águas – possui o poder de destruir, mas também de preservar, esses objetos que nos revelam muito sobre a vida dos homens no passado. A descoberta de um naufrágio, por si, já é um acontecimento notável. Mas quando este naufrágio pertence ao século 14 aC.; torna-se uma joia rara, de profunda importância para o estudo de toda uma época. Este foi o caso do naufrágio de Uluburun.
A descoberta ocorreu apenas em 1982, por um caçador de esponjas chamado Mehmed Çakir, que atuava nas proximidades da cidade de Yalikavak, no litoral de uluburun, Turquia. Çakir encontrou na ocasião, o que os arqueólogos chamam de “lingotes de couro de boi”, uma peça em cobre de formato geralmente retangular com quatro pontas. E eram muitas! Por este motivo, os técnicos do INA (Institute of Nautical Archaeology) costumavam perguntas aos mergulhadores de esponjas sobre a descoberta de peças e objetos estranhos no fundo do mar. Os objetos descritos, assim como a carcaça do antigo barco, encontravam-se a apenas 50 metros do litoral.
Baseados na composição da carga encontrada, os arqueólogos acreditam que o Uluburun (não sabemos o nome real do navio) partira de algum ponto do litoral da Palestina em direção às ilhas gregas de Rodes, Creta e, provavelmente, Micenas, no continente grego. A datação por radiocarbono em diversos fragmentos distintos do naufrágio indicam uma data próxima de 1320 aC, ou seja, pertencente a Idade do Bronze (3300 a 1200 aC). Mas o mais interessante é que foram encontrados em seu porão, objetos relacionados a onze culturas distintas, que geograficamente ocuparam áreas do norte da Europa, Mediterrâneo, Oriente Médio, Mesopotâmia e norte da África, confirmando assim que o comércio da Idade do Bronze era “internacional” e que o barco de Uluburun pertencia a uma rota marítima comercial sofisticada de especiarias e objetos de luxo.
Especialistas identificaram a origem da madeira que formava o casco do navio: o cedro libanês. Os cálculos indicam que a embarcação possuía 16 metros de comprimento e um casco reforçado para suportar cargas pesadas. Os arqueólogos identificaram como parte da carga, 354 peças de cobre (cerca de 10 toneladas); 1 tonelada de estanho (proveniente de minas no Uzbequistão); 149 jarros cananeus contendo contas de vidro, azeitonas e resina; âncoras confeccionadas em pedra; 175 peças de vidro azul cobalto; toras de madeira ébano da África; marfim; cascos de tartaruga; dentes de hipopótamos; incenso; casca de ovo de avestruz; lâmpadas a óleo e cerâmica cipriotas; caixas para cosméticos; anéis feitos de conchas; 37 peças em ouro (pingentes, anéis, medalhões); pedras preciosas (ágata, carmelina); prata; escaravelhos egípcios; estatuetas femininas em bronze; armas (adagas, pontas de lança, machados, espadas); ferramentas (brocas, serras, pinças, foices, arados); jogo de pesos em bronze para medição em balança; além de vestígios de alimentos como figos, azeitonas, uvas, coentro, romãs, pinhões, trigo, cevada e amêndoas.
Diversos produtos encontrados no porão do Uluburun tiveram um destino certo: o Egito, em especial a cidade de Tel El Amarna. Essa certeza ocorre porque diversas jarras de cerâmica escavados em Amarna possuem o mesmo tecido argiloso das localizadas no naufrágio. Além do que, muitos dos produtos eram claramente voltados ao mercado de consumo egípcio, como escaravelhos, estatuetas e artigos de maquiagem. Os demais produtos indicam suas origens no atual Uzbequistão, Turquia, Sardenha, Córsega, Chipre, Síria, Palestina, Israel e Grécia.
As escavações deste singular naufrágio, composto por mais de 22 mil mergulhos, foram realizadas entre 1984 e 1994, e dirigidas pelo arqueólogo subaquático George F. Bass e posteriormente por Cemal Pulak. As investigações provaram que os chamados “proto-fenícios” naquela longínqua época já dominavam uma rede comercial próspera, com artigos diversificados que atendiam as necessidades de diversas civilizações. Esses hábeis navegantes construíram a base do que seria posteriormente o domínio naval de gregos e romanos. Todo o material localizado no naufrágio de Uluburun encontra-se atualmente no Museu de Arqueologia Subaquática de Bodrum, na Turquia.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)