Quem mora ou veio para Balneário Camboriú já deve ter visto pelas ruas malabaristas, heróis e até princesas, além de atores e atrizes e músicos. Agora com a recente lei aprovada, artistas de rua estão amparados e poderão ter até carteirinha, que a Fundação Cultural planeja fazer.
O Página 3 conversou com artistas que contaram como é o dia a dia nas ruas da cidade, desafios e histórias. Acompanhe.
“De extrema importância”

Thyago Souza, o Homem-Aranha de BC, tem 31 anos e foi o primeiro cosplayer de super-herói da cidade, em 2018
“Quando cheguei em Balneário Camboriú, em 2018, já conhecia o trabalho do Máscara e admirava bastante essa possibilidade de dar vida a um personagem. Com o passar do tempo, foram surgindo outros super-heróis e personagens, não somente em Balneário, mas também em cidades vizinhas.
Na minha opinião, o surgimento dessa nova lei é de extrema importância, justamente pelo aumento de personagens ao longo dos anos.
Sou totalmente favorável ao surgimento de novos cosplayers, desde que suas condutas não sejam inapropriadas e que não se copie o personagem que já está sendo interpretado por outra pessoa. Inspirar-se no trabalho de um cosplayer e dar vida a um personagem que você se identifica e que ninguém interprete ainda, é totalmente válido, porém, copiar o mesmo personagem que outra pessoa já interpreta há anos, na minha opinião, é querer pegar carona e se aproveitar de uma história já construída por alguém que se dedica todos os dias para dar vida ao seu personagem e que já conquistou o carinho do seu público.
No meu caso, interpreto desde 2018 um personagem que usa máscara, então há o risco de qualquer outro cara com um traje do Homem-Aranha cometer algum delito ou ter uma atitude inadequada e ser confundido por mim, destruindo uma imagem positiva e a admiração da população que levei anos para conquistar.
Temos que ter em mente que somos personagens cujo público em grande maioria é formado por crianças e adolescentes e que tudo que fazemos pode servir como influência e inspiração para os mesmos.
Não concordo com personagens que, enquanto caracterizados ingerem bebidas alcoólicas, fumam, utilizam de linguagem inapropriada (palavrões) ou agem de forma que não condiz com a atuação de um personagem infantil.
Ao meu ver, as regras que foram impostas nessa nova lei não têm nada de absurdo, nada que já não devesse ser cumprido por quem tem o mínimo de bom senso.
Sou favorável à criação dessa lei, até mesmo para que não se perca o controle e nossa cidade não vire uma bagunça.
Para mim, a atuação de personagens e cosplayers é de extrema importância e contribui positivamente para a divulgação de Balneário Camboriú, movimentando o turismo inclusive”.
“Dá mais segurança”

Pedro Nazz, interpreta o personagem Ninja
“É uma lei muito importante porque visa proteger quem sair para a rua para trabalhar, dá mais segurança porque estaremos trabalhando com alvará, sem ocupar nada de forma irregular. Eu não tenho muita dificuldade, porque amo o que faço!
O Ninja é o personagem que mais me identifiquei e trabalho com ele, mas infelizmente quem mais nos valoriza são as pessoas que vêm de fora.
O que eu mais gosto é trabalhar com o povo na rua, faço eventos também… no verão é um dinheiro bom que entra a mais!
Moro há mais de 14 anos em Balneário, fazia manequim vivo, e um dia disse para a minha esposa que iria para a rua com o personagem, que é diferenciado porque o Ninja se mexe, faz as artes marciais, algo que estudei… e eu gosto muito do que eu faço!”.
“Precisávamos de algo assim”

Carlos Estebam Duplessy, atua como estátua viva
“Essa lei para artistas de rua é muito boa, precisávamos de algo assim para nós. Trabalho em Balneário há 23 anos! Estando na rua há tantos anos, vejo que 99,9% do público é excelente, 10! Mas sempre tem 0,1% que não gosta, que falta respeito, que fala alguma coisa ruim, que destrata, que incomoda, que te puxa a roupa.
Mas a maioria está tudo bem, e te incentiva a seguir trabalhando! E é isso que me move, a maioria das pessoas gosta e elogia, tiramos fotos, conversamos, abraçamos e brincamos.
Fantasiado tenho 2,30m, e uma criança vem e abraça minhas pernas… é impagável isso, é o mais lindo!
Te saúdam, te cumprimentam… o público em geral fala coisas muito boas! Eu vou em muitos lugares, em Florianópolis, Itajaí… conheço pessoas de muitos lugares, Rio, Fortaleza, Porto Alegre… já passei por muitas cidades, fiz muitos eventos por todos os lados, e o público é sempre excelente, muito bom!”.
“Uma conquista para os artistas da cidade”

Rafaela Peralta, advogada de formação, mas atuo há três anos como produtora cultural e é atriz
“Faço parte da Inventor de Sonhos, um grupo de Teatro de Bonecos Popular brasileiro aqui de Balneário Camboriú.
O grupo se dedica à pesquisa da linguagem teatral que envolve apresentação de espetáculos, atividades de formação e difusão do teatro de bonecos, realização de festivais e recriação de folguedos populares como: Auto de Natal e Carnaval com Bonecos Gigantes.
Vejo que a lei representa uma conquista para os artistas da cidade, porque nos dá segurança e incentiva a nossa maior atuação.
As apresentações de teatro de rua que realizamos e as contribuições espontâneas “passar o chapéu” que recebemos compõem a nossa fonte de renda.
Além disso, a rua tem um lugar especial no coração dos artistas, porque a rua é democrática e proporciona aos artistas expressarem as suas criações fora daqueles espaços elitizados e consagrados, contribuindo ainda para deixar a cidade mais viva e mais bela.
Hoje, a principal dificuldade é encontrar uma estrutura mínima necessária para a apresentação, como por exemplo: ponto de luz.
O que mais gosto é o fato de a arte ser uma viagem para dentro de mim mesma, uma maneira profunda de me compreender. Penso que o artista é um cara importante, é quase um cientista, que pode trazer muitos frutos para a sociedade. Eu mulher, e tomando consciência cada vez mais da minha posição enquanto minoria política, desejo que nós mulheres nos manifestemos, que haja canto, que haja dança, as artes plásticas, a literatura feita por mulheres e que ocupemos os espaços públicos como uma maneira de reivindicar os nossos direitos em uma sociedade patriarcal. Porque por menor que seja a nossa manifestação, quando a gente se expressa servimos de inspiração para outras mulheres, rompemos o silêncio, nos conectamos com os nossos ideais, defendemos nossos valores e nosso futuro”.
“Foi muito bacana a FCBC ouvir os artistas de rua”

Sebastian Marques, artista e também integrante da Inventor de Sonhos, junto com Rafaela (opinião acima), é pesquisador da cultura popular e professor de Cultura Popular
“Considero que a lei é uma conquista da mobilização do artista – o teatro e a democracia nasceram na rua! Vou dar um exemplo, o teatro grego, a Polis, onde eles discutiam política nas praças públicas; Shakespeare sempre escreveu para o teatro de rua! A arte sempre foi uma manifestação pública e não privada. Os artistas fazem a sua nação.
Balneário até pouco tempo era conhecida como uma cidade que não permitia manifestações na rua.
A importância social de ter manifestações na rua é permitir o contato humano, que é uma coisa que está se perdendo. Foi muito bacana a FCBC ouvir os artistas de rua e que tenha se criado essa consciência em perceber a importância de ter a manifestação na rua, porque você terá muitos benefícios.
A arte de rua é a mais democrática que existe! Lá se junta desde o pipoqueiro, o morador de rua, os ricos… quem não está gostando pode ir embora. Se forma a roda, como a gente diz, é porque o público está gostando.
E as pessoas vêm para Balneário não só pelo mar, mas para ver a cultura local!
Mas aqui em Balneário falta sensibilidade nos políticos e empresários em apoiar financeiramente os artistas, precisamos de apoio financeiro para nos manifestarmos. Eu sou ator e poeta, quando atuo me sinto vivo, não existe passado ou futuro, me sinto em Shakespeare, no teatro grego! E quem me assiste, viaja junto!”.
“Seria muito bom ganharmos algum incentivo da prefeitura”

Anderson dos Santos Moraes, tem curso de TV e Cinema e atua como os personagens Thor e Capitão América
“Gostei da lei, achei bem justo. A questão do horário para estar na rua poderia ser até a meia-noite, mas aquela questão de som até às 22h apoio, e o não uso de animais também. Como eu não tenho muito tempo de rua, ainda não achei muitas dificuldades, mas a questão do tempo climático afeta um pouco nosso trabalho, eu como saio à noite pra fazer meu cosplay, não tem como ver direito se o tempo está para chuva, uma vez saí e começou a chover, e nós não temos certos pontos para ficar. Encontramos abrigo nas marquises e estabelecimentos, eu estava comentando com o Chapolim (artista de rua) que poderíamos ter uns locais cobertos em cada ponto da cidade para buscar abrigo!
Antes, quando comecei, em 2015, eu passeava muito na Calçadão, onde tinha mais movimento, mas era complicado se manter, não conhecia muito bem as redes sociais e tudo tinha gastos.
Hoje me facilita mais por conta que trabalho em um hotel próximo ao Calçadão, onde gosto muito de ir! Eu até apoio a lei, isso de fazer um cadastro na prefeitura e tudo mais, mas seria muito bom ganharmos algum incentivo da prefeitura. Acredito que muitos artistas gostariam dessa ideia do incentivo”.
“Mantém a organização na cidade”

Viviane Lopes, 22 anos, interpreta a Mulher-Aranha – ela é namorada do Homem-Aranha, Thyago
“Eu percebia que a grande maioria dos cosplayers eram homens, então decidi acompanhar o Homem-Aranha em sua missão de levar alegria pelas ruas de Balneário Camboriú.
Eu nunca sofri nenhum tipo de situação constrangedora, mas acredito que as mulheres ainda são minoria justamente pelo fato do assédio nas ruas por parte dos homens que acabam muitas vezes sexualizando a figura de heroína ou personagens femininas.
Uma grande dificuldade enfrentada pelos artistas hoje em dia, creio que seja a falta de originalidade.
As pessoas veem que você começa a ganhar um público e se destacar com seu personagem e enxergam nisso uma oportunidade de ganhar dinheiro em cima de algo que você já construiu.
Existem milhares de personagens disponíveis, mas infelizmente há pessoas que preferem pegar carona em algo que já está pronto porque é mais fácil do que construir seu próprio legado e conquistar a admiração das pessoas do zero, interpretando um personagem novo.
O Homem-Aranha, há quase cinco anos na cidade, ainda hoje sofre constantemente com pessoas querendo copiá-lo e algumas vezes até se passando por ele nas ruas. Nunca houve uma Mulher-Aranha na cidade que fosse atuante e estivesse constantemente fazendo esse trabalho nas ruas, e após eu começar este ano, já estão surgindo outras.
Eu e o Homem-Aranha, apesar de trabalharmos com eventos e divulgações, temos nosso trabalho fixo.
O nosso principal objetivo com o cosplay é realizar ações sociais em hospitais, comunidades carentes e participando de campanhas, por amor ao próximo, mas há aqueles que enxergam nisso apenas uma oportunidade de faturar dinheiro. O que mais amo nesse mundo do cosplay é o carinho que as crianças têm conosco e a possibilidade de ficarmos marcados na memória afetiva dessas crianças que um dia serão adultos e se lembrarão que conheceram e tiraram fotos com seus heróis. Esses tipos de sentimentos, dinheiro nenhum é capaz de comprar.
A chegada dessa nova lei, ao meu ver, é de extrema importância nesse sentido, pois mantém a organização na cidade e evita que tudo acabe virando um grande tumulto desordenado, com pessoas achando que podem simplesmente vestir um traje de super-herói e fazer o que quiser pelas ruas”.
“Estaremos na rua respaldados pela lei”

O personagem Professor Pantera Negra preferiu não revelar a sua identidade
“É muito importante termos uma lei porque hoje somos em pouco mais de 20 personagens pelas ruas da cidade, e tendo algo para nos guiarmos fica mais fácil, impedindo que vire uma bagunça. Alguns colegas disseram que não seria interessante porque colocaram horário para interpretarmos e tem personagens que trabalham após às 22h, mas diz que se tem evento, pode até mais tarde. Mas eu acho muito interessante porque estaremos na rua respaldados pela lei.
Algo complexo que enfrentamos, mais o Homem-Aranha, é pessoas que se passam pelos personagens, quem conhece sabe de nossas atitudes, somos pessoas do bem, nunca nos envolvemos com bebida e bagunça, mas fica complicado quando vem outra pessoa e faz algo ruim, porque associam.
O que mais gosto é o olhar das pessoas, que nos encontram e ficam felizes, quando olham, começam a sorrir, dá para perceber isso. É o que me faz colocar a fantasia e sair para interpretar na rua”.