Uma das poucas metas que avançaram no Plano Nacional de Educação, a ampliação da educação em tempo integral ocorreu de forma desigual no país, deixando de fora os alunos mais novos, da região Norte e das áreas rurais.
Para esses três grupos não apenas não houve avanços, como ainda retrocessos. Estudantes pretos, pardos e indígenas tiveram mais acesso à educação em tempo integral (com ao menos sete horas de aulas diárias), mas a progressão para eles foi menor do que para os brancos.
Sancionado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff (PT), a lei do PNE completou uma década de vigência nesta terça-feira (25) sem que nenhuma das 20 metas tenha sido plenamente cumprida, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Um relatório feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta que, mesmo nos objetivos em que o país avançou, o progresso aconteceu de forma desigual. Segundo a lei, o país deveria chegar em 2024 com, no mínimo, 50% das escolas públicas oferecendo a jornada de tempo integral e 25% dos alunos da educação básica nessa modalidade.
Apesar de ter avançado, o país segue longe de alcançar essas marcas. Os dados do Censo Escolar 2023 mostram que a jornada de tempo integral está presente em 30,5% das escolas para 20,6% dos estudantes da educação infantil ao ensino médio. Em 2014, essas proporções eram 29% e 17,6%, respectivamente.
A ampliação da carga horária de aulas é tida por especialistas e estudos como uma das principais estratégias para melhoria da educação. Mas a modalidade significa mais gastos para estados e municípios, que concentram as matrículas.
Para alguns grupos, a ausência ou interrupção de políticas educacionais levou à regressão do número de matrículas em tempo integral. É o caso dos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), que passaram a ser menos atendidos em jornadas escolares estendidas.
Só 16% das crianças estudam em tempo integral nessa etapa, na qual é esperado que sejam alfabetizadas e consolidem as habilidades para continuar a trajetória escolar. Desde 2014, houve redução das matrículas em 5,2 pontos percentuais.
O documento da Campanha avalia que esse recuo é consequência do fim do programa Mais Educação, criado no fim do segundo mandato do presidente Lula (PT) e descontinuado no governo Michel Temer (MDB) para ser substituído pelo programa que passou a fomentar a jornada estendida apenas no ensino médio.
É nessa última etapa da educação básica que houve maior avanço no ensino de tempo integral. O número de escolas com a modalidade cresceu 22,2 pontos percentuais e o de matrículas 13,9.
Apesar de ser a etapa com maior progresso, o avanço é questionado do ponto de vista de qualidade. A proporção de matrículas no tempo integral ocorreu após a implementação do novo ensino médio, ou seja, a ampliação da jornada ocorreu com a contabilização dos itinerários formativos –carga optativa que é alvo de críticas de estudantes e professores por ter tirado o tempo de aula de disciplinas comuns.
O novo ensino médio também permitiu que parte das aulas seja dada de forma remota, ou seja, a ampliação da jornada não ocorreu apenas com a garantia de mais tempo dos alunos dentro da escola.
“Não foi uma política para ampliação do tempo integral, mas uma mudança estrutural no modelo de ensino médio. Mas o que é questionável é a qualidade dessa oferta, por isso mesmo que está sendo reformulada no Congresso”, diz Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha.
Nos últimos dez anos, a desigualdade entre as escolas da zona urbana e rural também aumentou, com a redução de 3,5 pontos percentuais nas matrículas de aulas de áreas rurais do país.
Também houve desfavorecimento crescente dos alunos da região Norte, com o recuo de 4,7 pontos percentuais no número de matrículas. Já o Nordeste, foi a região que alcançou a maior proporção de matrículas em tempo integral, com 28% dos alunos nessa modalidade.
O relatório da Campanha destaca que o governo Lula retomou no fim do ano passado uma política mais ampla para a modalidade, o Programa em Tempo Integral –que prevê chegar até 2026 com mais 3,2 milhões de matrículas, da creche ao ensino médio.
A política, no entanto, anda de forma lenta. No primeiro ano do governo, apenas cerca de 40% do recurso previsto para fomentar as escolas de tempo estendido foi de fato executado pelo governo federal.
Pellanda destaca que a política foi bem desenhada ao pensar em estratégias para evitar a evasão dos estudantes mais pobres ao terem que frequentar a escola por mais tempo, em conjunto com o programa Pé-de-Meia, por exemplo. No entanto, defende que ainda é preciso garantir recursos para que a educação ofertada seja de qualidade e atrativa.
“A nova política de educação em tempo integral é formulada com mecanismos que garantem a permanência das populações negra, do campo, de periferias, indígenas e quilombolas [por mais tempo na escola]. Nenhum dos dois, mesmo juntos, será suficiente para uma expansão substantiva dessa modalidade, dado que não garantem o custo aluno necessário para educação integral”, diz Andressa.
O plano tem sua vigência encerrada nesta terça (25) sem o governo Lula ter apresentado um novo plano para orientar as políticas educacionais da próxima década. Segundo a lei do PNE, a atualização das diretrizes deveria ser enviada ao Congresso até junho de 2023.
Como o governo não cumpriu o prazo, o Senado aprovou a prorrogação do plano atual até dezembro de 2025. A expectativa é de que Lula assine o projeto nesta quarta (26).