“Celebrar a infância é muito mais do que simplesmente dar brinquedos para as crianças. A criança de hoje é o adulto de amanhã, e o que estamos construindo com elas? O que estamos permitindo que elas construam para si mesmas? Estamos pensando na infância como mera preparação para a vida adulta, ou respeitamos esse riquíssimo período da vida na sua potência e valor reais?”
Esses são alguns questionamentos que a professora e ativista ambiental ReNata Batista tem feito com mais intensidade desde que participou da Conferência Internacional – Espaços Naturalizados para as Infâncias em São Paulo, em setembro.
ReNata representou Camboriú com o trabalho “Lá fora também é sala de aula” no evento, que reuniu profissionais de diversas cidades do mundo que atuam em diferentes campos – educação, arquitetura, saúde e artes – e acreditam que a natureza colabora na promoção de saúde física, mental e bem-estar para todos.
Cidade boa para as crianças é boa para todos
Estiveram representados países como Espanha, Gana, Japão, Estados Unidos e muitas cidades brasileiras, e a mensagem foi uma só: a de que as crianças precisam ser ouvidas e que uma cidade boa para as crianças é boa para todas as pessoas.
Desemparedamento das infâncias
A abertura do evento ficou por conta de Lea Tiriba, educadora ambientalista e professora na Escola de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Foi ela que cunhou o termo “desemparedamento das infâncias”, que se refere à necessidade de se possibilitar às crianças que vivenciem o espaço externo, ampliem seus horizontes, brinquem na natureza.
“A sociedade precisa acolher as crianças e possibilitar que os recém chegados gostem de viver entre nós. É preciso escutar as crianças, mas não é simples, porque não se trata de uma questão auditiva, mas de superar o adultocentrismo que nos habita”, disse ela em uma das mais importantes falas do evento.
Em sua palestra, Emma Cortés, coordenadora do Programa Cidade Brincante, de Barcelona, disse: “Em Barcelona, brincar é coisa bem séria”.
Já a estadunidense Jaime Zaplatosch, que lidera um programa global para incentivar a naturalização de espaços escolares e a aprendizagem ao ar livre, afirmou que “escolas com mais natureza significam mais saúde, principalmente física e mental”.
Infância viva e o retorno ao simples
A brasileira Tais Froes, fundadora do Projeto Oca Viva Infâncias (Salvador-BA), falou sobre a importância de se possibilitar uma infância viva para todas as crianças e o retorno ao simples, ao barro, à terra, para gerar essa vida.
“Estar naquele lugar cheio de gente ouvindo e falando tudo isso me deu uma injeção de ânimo, porque no dia-a-dia, muitas vezes vem um grande desânimo ao perceber que estamos muito distantes de uma visão coletiva sobre a imensa importância de desemparedar as crianças. É muito triste perceber que os valores estão distorcidos, e que isso acaba gerando muitas das doenças que vemos crescerem hoje na nossa sociedade, como ansiedade, depressão, transtornos de aprendizagem. Sem contar a crescente violência, gerada pela falta de sentido de vida que essa desconexão provoca”, afirma ReNata, que diz ainda: “Foi muito com perceber que não estou sozinha, agora quero compartilhar essas ideias com mais e mais pessoas”, destacou ReNata.
Trabalho escolhido entre 500
O trabalho selecionado de ReNata foi apresentado na forma de pôster digital bilíngue exibido em displays no hall de entrada do SESC Vila Mariana.
Intitulado “Lá fora também é sala de aula”, foi um dos 60 escolhidos entre mais de 500 inscritos, enviados de todo o Brasil e países vizinhos.
“Foi uma honra ver o meu trabalho em meio a tantas iniciativas bacanas, muitas das quais eu já conhecia e admirava. Isso me deu uma nova perspectiva sobre a minha prática, e os contatos estabelecidos a partir disso ainda vão render muitas parcerias”.
O trabalho de ReNata foi selecionado em meio a iniciativas de todo o Brasil que inscreveram suas pesquisas, experiências e práticas em cinco categorias, dentre elas: “Educação ao Ar livre: como utilizar os espaços abertos, elementos naturais e referências da cultura popular ligados à natureza em processos de aprendizagem”, na qual o presente trabalho se apresenta.
Primeira vez na América Latina
O evento foi realizado pela Aliança Internacional de Espaços Escolares (International School Grounds Alliance – ISGA) em parceria com o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, e o Sesc (Serviço Social do Comércio) e aconteceu no SESC Vila Mariana, em São Paulo, entre 20 e 23 de setembro. Essa foi a primeira vez que o evento aconteceu na América Latina, e a próxima edição vai acontecer em Haselt, Bélgica em abril de 2024.
Palestras & Passeios
Além das palestras e da apresentação dos trabalhos digitais, a programação também incluía visitas a espaços diversos em que a criança é personagem central e sua relação com a natureza é estimulada.
ReNata visitou o Mundo das Crianças, um parque de Jundiaí com 170 mil m2 de área com muita natureza, chafarizes e brinquedos de madeira não estruturados para as crianças explorarem e correrem riscos saudáveis em brincadeiras livres.
Divulgação (Arquivo pessoal)
O diretor do espaço acompanhou o grupo pessoalmente e contou sobre sua criação e funcionamento.
“Estar nesses lugares faz a gente pensar que é possível criar ambientes em que a criança se expresse, explore o ambiente e se desenvolva numa relação saudável com seu corpo e mente. Basta que se entenda a importância disso, e a partir daí se buscam meios para viabilizar. As cidades em geral são ambientes pobres de experiências para as crianças. Tudo é pronto, padronizado, tem um caminho único de experimentação. É preciso ampliar as possibilidades de interação da criança com o meio, com outras crianças, e consigo mesma”, diz ReNata.
Ser Criança é Natural
Além de participar da Conferência Internacional, ela também aproveitou para participar de uma vivência para educadores com Ana Carol Thomé, do projeto Ser Criança é Natural, no Parque Alfredo Volpi. Foi uma tarde em área de Mata Atlântica nativa com muitas investigações de Arte e Natureza, com diálogos instigantes com professoras de São Paulo e outros estados brasileiros.
“Todas essas vivências me deixam mais animada para seguir trabalhando para que as pessoas entendam que possibilitar à criança um maior contato com a natureza é fundamental para que tenhamos ainda vida por mais tempo nesse planeta. Se não ensinarmos isso a elas, e não permitirmos que elas aprendam através da experiência sensível e não utilitária com a natureza, eu não sei o que vai ser do nosso futuro enquanto espécie. E isso é muito sério, muito grave.”
Arte & Natureza
A professora ReNata defende que as crianças precisam aprender a amar a natureza para cuidar dela.
“Além disso, estar em contato com a natureza auxilia nas questões de aprendizado e já há comprovações científicas de que até nos transtornos de aprendizagem, como TDAH e dislexia, brincar em contato com a natureza é muito produtivo”, afirmou.
A proposta pedagógica que a professora e pesquisadora desenvolve na Escola Andrônico Pereira e no Jardim de Infância Padre Sergio Maykot consiste em conectar os conteúdos da disciplina de Arte com experiências estéticas ao ar livre.
Arte e natureza sempre foram campos de interesse e pesquisa de ReNata, que em 2022 publicou um artigo intitulado “A natureza que educa e cria sentidos: uma reflexão sobre ambiente natural e estesia na aprendizagem nos Anos Iniciais”, em que aborda os benefícios da natureza nesses tempos em que as mídias digitais estão interferindo tão negativamente no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças.
Ela se formou em Licenciatura em Artes Visuais e está cursando a segunda especialização em Psicopedagogia, na UFSC, para se aprofundar nos processos de aprendizagem das crianças e adolescentes e poder auxiliar principalmente nos transtornos de aprendizagem. Seu trabalho é compartilhado na sua rede social: @eco_arte_educacao
“É possível e é necessário ampliar as experiências das crianças com a natureza, seja na escola, seja em espaços públicos nas cidades. Cada vez mais os estudiosos se preocupam com o distanciamento que estamos promovendo em relação à natureza, e isso já está fazendo consequências graves na saúde psicológica e no aprendizado das nossas crianças”, finalizou ReNata.
A importância do estar ao ar livre
A Sociedade Brasileira de Pediatria diz que “as crianças e adolescentes devem ter acesso diário, no mínimo por uma hora, a oportunidades de brincar, aprender e conviver com a – e na – natureza para que possam se desenvolver com plena saúde física, mental, emocional e social” e que “as escolas e instituições de cuidados devem organizar suas rotinas e práticas de forma a equilibrar o tempo destinado às atividades curriculares com o tempo livre (recreio), a fim de permitir que as crianças e os adolescentes tenham amplas oportunidades de estar ao ar livre, preferencialmente em ambientes naturais em contato com plantas, terra e água.
Diversos estudos e exemplos mostram que mais tempo de recreio beneficia diretamente o aprendizado e o comportamento dos alunos nas escolas”. As informações foram publicadas no Manual Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes, disponível em: clique aqui.