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Entrevista: Tricampeão mundial de surf, Figue Diel, de Balneário Camboriú, é um exemplo de superação

“Um momento incrível e especial”, disse o tricampeão mundial de surfe adaptado, Elias ‘Figue’ Diel, quando recebeu o título no 9o. Campeonato Mundial de Para Surfing da ISA, dia 9 deste mês, em Huntington Beach, na Califórnia (EUA).

O ‘tri’ mundial estava nos seus planos desde o ano passado, quando chegou muito perto, mas não levou, por causa de uma interferência da arbitragem nas regras.

Figue faz parte do cenário mundial do parasurfe nos últimos oito anos, quando competiu pela primeira vez o Mundial nos Estados Unidos. Desde então, ele esteve no pódio, colecionando medalhas de ouro, prata e bronze em todos os mundiais que disputou.

Desde que perdeu a visão ainda adolescente, Figue descobriu os ‘milagres’ que o esporte é capaz de fazer na vida de qualquer pessoa. Ele era surfista antes do acidente que sofreu aos 16 anos e um dos traumas que carregou por um tempo é nunca mais voltar a surfar. 

Mas com o tempo e o apoio da família e de amigos, ele foi descobrindo e recuperando tudo que gostava de fazer, o contato com o mar e com a natureza. Mudou seu estilo de vida. Praticou yoga, meditação, descobriu a montanha, começou a praticar escalada, vestiu um quimono e tornou-se faixa preta de jiu jitsu e tirou do armário a prancha para voltar ao mar.

Hoje aos 51 anos, casado, pai de Joana e Maria Laura, Figue Diel, é professor de yoga e um supercampeão de parasurfe.

O caminho nunca foi fácil, mas superar desafios é mais um aprendizado na vida deste campeão, que nesta reportagem fala sobre o esporte em sua vida ‘depois dos 16’ e assegura que ele é uma porta aberta para todos, não somente para pessoas portadoras de alguma deficiência. 

JP3 – O título de tricampeão veio com um ano de atraso, porque em 2023, era franco favorito, mas não aconteceu por causa de uma regra da competição e acabou em terceiro lugar. Qual foi o ‘gostinho’ desse pódio esse ano? 

Figue – No ano passado, sofremos uma interferência na final, eu estava liderando com bastante vantagem, mas no final os juízes me deram uma interferência e acabei ficando em terceiro lugar. Então já saí de lá ano passado com aquela vontade, determinação de voltar esse ano para realizar, conquistar esse título, então foi um ano inteiro planejando, treinando e focando, meditando para este título vir.

Divulgação

JP3 – Agora são três títulos mundiais e vários pódios. Quantos foram?  

Figue – Já disputei oito mundiais e fui para o pódio em todos eles. Tenho dois bronzes, três pratas e agora três medalhas de ouro.

JP3 – Quando retornou ao Brasil, ficou doente, foram as tensões e emoções que viveu no Mundial?

Figue – Me desgastei muito, foi cansativo, emocionalmente foi muito intenso, muito forte, baixou bastante a imunidade, o clima muito diferente, muito sol, muito quente, deserto, e muito seco e de manhã cedo muito frio. Essa combinação me deixou bem debilitado, cheguei com sinusite, bronquite, asma, tive que ir direto para o ambulatório fazer soro, me hidratar, porque fiquei bem prejudicado e como já tenho um histórico de pneumonia, a gente se preocupou bastante, mas agora está tudo bem, estou me recuperando em casa.

JP3 – Desde o primeiro Mundial sempre se destacou, qual o segredo? 

Figue – É uma vida dedicada ao esporte, comecei a  surfar muito cedo, e com meu acidente, quando perdi a visão, ficou dentro de mim aquela memória, aquela vontade de surfar e hoje em dia é a minha dedicação diária, através da yoga, da prática, de me manter saudável, de me manter conectado com o mar, com a natureza que é uma coisa que me alimenta, é meu estilo de vida, acredito que todos esses pontos fazem com que hoje em dia eu possa ser essa referência na minha categoria do parasurf.

JP3 – Quando se acidentou e perdeu a visão, ainda adolescente, imaginou algum dia tornar-se tricampeão mundial? 

Divulgação

Figue – Quando sofri o acidente e perdi a visão uma das frustrações que me marcaram muito era não poder surfar, não poder estar dentro do mar surfando, jamais imaginei em ser tricampeão mundial e nem imaginava voltar a surfar sem a visão, um sentido tão importante que temos, para poder estar dentro do mar, jamais imaginaria que pudesse desenvolver uma habilidade de poder surfar sem a visão, jamais passou pela minha cabeça, então realmente é um momento muito incrível.

JP3 – O surf faz parte da tua vida desde que idade? 

Figue – Eu surfo desde os 10 anos, comecei com prancha de isopor em Torres, em 1983 e desde então o surf faz parte da minha vida.

JP3 – Lembro que quando sofreu o acidente, parou de surfar e alguns anos depois, retornou. O que aconteceu nesse período? 

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Figue – O acidente foi com 16 anos, fiquei muito machucado, o acidente me lesionou muito os olhos e fora toda parte emocional, espiritual, fiquei muito prejudicado, mas com o apoio da família, amigos, meu irmão sempre do meu lado, sempre buscamos voltar a viver e foi dentro do esporte que eu recuperei a felicidade e a alegria de voltar a viver.

JP3 – Em que momento decidiu recomeçar a carreira como surfista? 

Figue – Uma carreira de surfista no parasurfe… é algo muito novo, estamos começando agora a construir todo esse momento novo de parasurfe, acho que está acontecendo ainda, estamos nesse processo de amadurecer o parasurfe no Brasil.

JP3 – Quais outros esportes pratica desde o acidente? 

Figue – Desde o acidente comecei primeiro a escalar montanha, caminhar na montanha, curtir a natureza, o montanhismo é um dos meus esportes até hoje e o jiu jitsu, o professor Reinel Spyker foi meu mestre, uma pessoa muito importante que me graduou faixa preta e hoje o jiu jitsu é parte da minha memória, do meu coração, adoro esse esporte, mas devido a muitas lesões que tive, fui obrigado a aposentar o quimono e me dedicar somente ao surf, a escalada e ao yoga.

JP3 – De que forma a tecnologia ajuda no esporte que pratica? 

Figue – Hoje em dia temos dentro do surfe equipamentos muito modernos, minhas pranchas são modernas, feitas com materiais muito leves, que tem muita flutuação e que me proporciona uma facilidade no esporte…e ainda toda questão de segurança, os lash, cordinhas, equipamentos de quilha, de segurança, roupa de borracha, tudo muito moderno, o que ajuda muito a nossa segurança dentro do mar.

JP3 – Como está o cenário do parasurf no Brasil? 

Figue – O cenário do parasurfe no Brasil está crescendo de maneira muito forte, vertiginosamente mesmo, porque tivemos uma alteração na presidência da Confedederação Brasileira há três anos, começou a ter bastante incentivo, as seletivas começaram a acontecer, porque antes não tinha, eram só convocações, isso gerou  muito desconforto dentro da comunidade do parasurfe, porque não é justo uma convocação sem uma seletiva. Então é um cenário em forte crescimento, esse ano tivemos duas etapas de Brasileiro de parasurfe no Nordeste, uma na Paraíba que foi seletiva e o Brasileiro em Porto Galinhas que trouxeram bastante estrutura e apoio para os atletas e isso está sendo muito importante para a evolução do parasurfe.

JP3 – A convocação para o Mundial veio depois de conquistar o Campeonato Brasileiro, aliás é tricampeão nacional também. Mas antes de viajar, os surfistas tiveram que pedir ajuda para as despesas, o que aconteceu, a Confederação não pagou transporte e inscrições? 

Figue – Me classifiquei ganhando a seletiva brasileira em João Pessoa e como nos outros três anos, a Confederação tinha financiado toda viagem dos atletas, estávamos contando com isso, até porque o esporte está crescendo muito. Mas infelizmente teve algum problema de administração, de financeiro, de verba a nível nacional que não tivemos ajuda da Confederação,  tivemos que pedir ajuda aos patrocinadores, amigos que nos ajudaram a custear essa viagem, já que eu viajo com meu irmão Cláudio, ele que me acompanha na viagem e dentro do mar, ele é meu guia.

JP3 – Este tri mundial teve um sabor especial porque o Claudião correu contigo, pela primeira vez, foi isso? 

Figue – Sim, foi muito especial, eu e o Cláudio pela primeira vez corremos todas as baterias juntos desde a seletiva do Brasileiro aqui e no Mundial foi a primeira vez que estivemos juntos na água, foi um grande resgate pra gente, para nossa amizade, para nossa família, nossos amigos que nos viram juntos dentro da água competindo. O Cláudio com grande maestria foi uma peça fundamental na minha conquista já que ele tem muita experiência no surf de competição, porque ele foi um competidor de surf, então foi uma peça fundamental e eu dedico 50% desta conquista ao meu irmão, que  não é só meu irmão, é meu amigo e um anjo na minha vida também.

JP3 – Você sempre diz que o esporte mudou a sua vida, muito mais do que perder a visão. Então qual a mensagem que gostaria de deixar para pessoas portadoras de deficiência que não descobriram ainda a importância do esporte? Figue – O esporte voltou a me trazer essa alegria de viver, já que o acidente provocou todo trauma fisico e emocional que foi muito dificil de lidar…e o esporte foi assim uma porta de entrada para eu voltar a viver, curtir a natureza, estar com os amigos na natureza, porque gosto desses esportes ao ar livre como a escalada, o surf. O jiu jitsu também, não é natureza, mas foi muito importante para autoconfiança, conquista de um físico e uma mente fortes para o esporte, o jiu jitsu foi uma ferramenta fundamental, foi também de um grande apoio que Reinel e todos os amigos do jiu jitsu me deram, esse suporte, me deram confiança, que eu poderia seguir em  frente nesse novo ciclo de vida…O que posso deixar de conselho? Falar pra galera que o esporte é fundamental para a saúde física e mental para todos não só para as pessoas que têm alguma necessidade especial, mas todas as pessoas, porque todas as pessoas têm suas necessidades especiais e a gente vê tanta gente em depressão hoje em dia, sem nenhum problema físico e perde a vontade de viver e o esporte nos traz a alegria de viver e essa esperança de aproveitar dias melhores de vida.


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