O escritor José Enéas Cezar Athanázio, catarinense de Campos Novos, e morador de Balneário Camboriú há quase três décadas, está comemorando a publicação de seu livro número 60.
“A obra de William Agel de Mello – Algumas Notas” foi publicada pela Editora Kelps, de Goiânia, e traz pequenos estudos sobre o trabalho do diplomata, linguista e escritor, considerado o maior linguista vivo do país, poliglota e autor de um conjunto de dicionários sem igual.
“Além disso, criou uma nova língua chamada Idioma Panlatino, usando as raízes das línguas derivadas do latim, que obteve repercussão mundial e foi objeto de manifestações dos maiores linguistas”, diz Enéas.
Em março do próximo ano, Enéas Athanázio, um dos escritores mais destacados de Santa Catarina, terá mais uma comemoração: 50 anos de atividade literária, já que seu primeiro livro “O Peão Negro”, uma coletânea de contos ambientados nos Campos Gerais, foi publicado em 1973.
“Desde então não parei mais e cheguei aos 60 títulos, o que é um despautério, como dizia o escritor Antonio Callado”, brincou Enéas.
Hoje são 75 obras publicadas, incluindo-se 15 opúsculos, que renderam 37 prêmios.
Advogado, Promotor de Justiça (aposentado) e escritor super ativo, é colunista do Jornal Página 3 há quase três décadas.
Em outubro de 2020, quando tinha 57 livros publicados e anunciava mais três ‘no forno’, afirmou que chegando aos 60 seria a hora de parar. Decidi perguntar novamente, na esperança de que tenha mudado de ideia… Acompanhe:
JP3 – Em outubro de 2020, o senhor disse que quando o livro número 60 chegasse ao mercado, o que aconteceu este ano, iria encerrar a carreira literária. Mas 2023 será uma data muito significativa porque marcará 50 anos de carreira. . .
EA – Parece que naquele momento não me lembrei dos 50 anos. Depois andei pensando no assunto e decidi esperar mais um pouco. Minha esposa e filhas são contrárias ao encerramento. Dizem que ficarei doente, nervoso, desocupado. Afinal, depois de mais de meio século (antes de 1973 eu já escrevia para vários jornais) o escrever faz parte de minha natureza, como diz o povo. Então vou esticar mais um pouco antes de “deixar de poluir o meio literário”, como brincava meu querido e saudoso amigo Cesar Ouriques, pessoa que me faz muita falta.
JP3 – Entre as obras publicadas, quais foram as de maior repercussão?
EA – Sem dúvida, as de contos. Quanto mais regionalistas mais agradaram. Para minha surpresa, tive contos premiados, escolhidos para antologias, coletâneas, apostilas, vestibulares e concursos públicos, teatralizados, transcritos em jornais e revistas, analisados em ensaios críticos e um deles filmado com o título de “Izaura”, exibido pela RBS/TV. O livro “O Peão Negro” tem sido apontado por alguns críticos como um clássico do regionalismo. Vamos ver se isso se confirma, porque um clássico não se faz de uma hora para outra. O Prof. Fábio Lucas diz que minha ficção integrou os Campos Gerais de nosso Estado à literatura nacional.
JP3 – Tem algum assunto de seu interesse pessoal que não trabalhou em sua carreira literária por qualquer motivo?
EA – Nunca escrevi minhas memórias ou autobiografia. Não vejo em meu passado fatos extraordinários que justifiquem um livro. Vivi muitos anos em “bibocas arredias de civilização”, como dizia Godofredo Rangel, juiz no interior mineiro, onde o escritor era uma espécie de louco da aldeia com a pretensão maluca de ser escritor.
JP3 – Depois que uma obra está publicada vem a compensação para o autor em forma de prazer, realização, dever cumprido. Qual é o sentimento quando são 60 obras?
EA – É uma certa incredulidade. Quando vejo a estante cheia de livros meus, acode-me uma dúvida: terei escrito tudo isso? Mas a verdade é doce, eles são reais e circulam por toda parte. Como o ofício de escrever é o mais solitário que existe, fico pensando em quantas horas gastei na sua escrita, numerosas delas roubadas ao descanso e o lazer. Acode-me um sentimento de grande satisfação por ter aproveitado meu tempo. Não o gastei na esquina ou no boteco, bebendo cerveja e falando mal da vida alheia.
JP3 – A política faz parte da vida de todos nós, do cotidiano de cada um. De que forma ela foi inserida nas suas obras?
EA – A ficção tem a virtude de revelar a sociedade em movimento. Como a política está em toda parte, até mesmo nos lugarejos (e lá costuma ser ferrenha), foi entrando com naturalidade nos contos e novelas. Nunca, porém, com caráter partidário.
JP3 – Já pensou em escrever um livro sobre o atual cenário político do País?
EA – É, sem dúvida, um assunto fascinante. Mas o País mergulhou num clima de ódio e intolerância que seria uma ousadia e traria muitos problemas. Até quando escrevo sobre certos temas, como ditadores, holocausto e ataques à democracia há quem se irrite e mande mensagens furiosas. Muita gente parece não aceitar a vida em democracia, prefere viver sob o jugo discricionário dos mandões. Terão almas de escravos? Não é demais lembrar que, como dizia Baudelaire, a democracia pode ter mil defeitos, mas nunca se inventou nada melhor. Só na democracia o ser humano pode viver com dignidade.
JP3 – Qual a influência da tecnologia na literatura, que vem tirando o papel de circulação, jornais, revistas e em menor número, livros … Já pensou em escrever um E-book?
EA – O ato de escrever no computador ficou muito facilitado. Nos tempos das velhas máquinas era demorado e cansativo. Nesse sentido a influência foi positiva. Agora, ler longos textos na tela não me agrada, prefiro a página do livro, mesmo amarelada. Quanto ao E-book, nada tenho contra e sobre a publicação de livros, vejo que as pessoas não desistem. Recebo impressionante quantidade de livros impressos.
JP3 – Outro dia comentou que ao encerrar a carreira literária ocuparia o tempo indo à praia, caminhando, contemplando o mar e o céu, comendo milho cozido e tomando água de coco e caldo de cana. Cenário próprio para começar o livro 61?
EA – Quem sabe! Afinal o encerramento não impede a cabeça de trabalhar.
JP3 – Por fim, porque seu interesse pela obra de William Agel de Mello?
EA – O círculo dos linguistas é muito restrito. Eles mourejam no trabalho uma vida inteira e raramente se tornam conhecidos do grande público. Quando conheci a obra de William fiquei fascinado. Ele compôs mais de 20 dicionários, o que implica em dizer que lidou com milhões de palavras, cada uma delas com sua origem, sua raiz, sua história e seus significados, sem falar nas dívidas e divergências inevitáveis num universo tão imenso de pesquisas. Já na juventude revelou predileção pelas línguas latinas e dominava seis deles. Em 2019 publicou o Dicionário Geral das Línguas Românicas, um trabalho monumental em tamanho grande e com 766 páginas. Obra inigualável em volume e conteúdo. Além disso, William é ficcionista, ensaísta, historiador e tradutor de toda a poesia de Federico García Lorca. Diplomata de carreira, serviu na África e na Europa. Trabalhou com Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, dos quais se tornou grande amigo. O livro é uma homenagem a essa grande personalidade brasileira, como disse com propriedade o prefaciador.
Para encerrar, vai a relação de minhas obras:
LIVROS
1 – O Peão Negro, contos, 1973
2 – 3 Dimensões de Lobato, ensaios, 1975
3 – O Azul da Montanha, contos, 1976
4 – Godofredo Rangel, biografia, 1977
5 – O Promotor Público na Justiça Eleitoral, jurídico, 1978
6 – Meu Chão, contos, 1980
7 – O Mulato de Todos os Santos, ensaios, 1982
8 – Tapete Verde, contos, 1983
9 – Figuras e Lugares, ensaios, 1983
10 – A Pátina do Tempo, ensaios, 1984
11 – Falando de Gilberto Amado, ensaios, 1985
12 – Presença de Inojosa, ensaios, 1985
13- Erva-Mãe, contos, 1985
14 – Meu Amigo Hélio Bruma, ensaios, 1987
15 – Tempo Frio, contos, 1988
16 – O Amigo Escrito, biografia, 1988
17 – A Cruz no Campo, novela, 1989
18 – O Perto e o Longe, Vol.I, ensaios, 1990
19 – O Perto e o Longe, Vol. II, ensaios, 1991
20 – O Aparecido de Ituy, contos, 1991
21 – Enéas Athanázio, bibliografia e antologia, 1991
22 – Jornalista por Ideal, ensaios, 1992
23 – São Roque da Ventania, novela, 1993
24 – Rosilho Velho, contos juvenis, 1994
25 – Adeus Rangel, ensaios, 1994
26 – Fiapos de Vida, Vol. I, causos nanicos, 1996
27 – Um Artista Chamado Antônio, biografia, 1997
28 – Vida Confinada, autoficção. 1997
29 – As Razões da Queda, ensaio, 1998
30 – A Gripe da Barreira, contos, 1999
31 – O Cavalo Inveja e a Mula Manca, contos, 2000
32 – Fazer o Piauí, ensaios, 2000
33 – As Antecipações de Lobato, ensaios, 2001
34 – Mundo Índio, ensaios, artigos e contos, 2003
35 – Fiapos de Vida, Vol. II, crônicas, 2004
36 – Crônicas Andarilhas, crônicas, 2005
37 – Direito Internacional Público, jurídico, 2006
38 – A Liberdade Fica Longe, novelas, contos e crônicas, 2007
39 – O Pó da Estrada, Vol. I, crônicas de viagens, 2008
40 – Meu Amigo o Piauí, crítica literária, 2008
41 – Ensaios Escoteiros, ensaios, 2010
42 – O Campo no Coração, contos, 2011
43 – Contos Escolhidos, antologia, 2012
44 – O Prato do Vidá, contos, 2012
45 – Mundo Apartado, a Primavera, contos, 2014
46 – Enéas Athanázio, 40 Anos de Literatura, 2013
47 – O Reduto de Nhô Ná, contos e crônicas, 2014
48 – O Pó da Estrada, Vol. II, crônicas de viagens, 2015
49 – A Conquista, novela e crônicas, 2017
50 – O Perto e o Longe, Vol. III, ensaios, 2017
51 – Indiologia Militante, artigos, 2018
52 – O Contestado, artigos, 2018
53 – O Holocausto, artigos, 2018
54 – Dinarte do Entre-Rios e Outros Viventes, contos, 2019
55 – Livro Sobre Livros, Vol. I, ensaios, 2019
56 – Livro Sobre Livros, Vol. II, ensaios, 2020
57 – Livro Sobre Livros, Vol. III, ensaios, 2020
58 – O Cangaço, artigos, 2021
59 – Percurando Aquele Traste, novela campeira, 2021
60 – A Obra de William Agel de Mello, ensaios, 2022
OPÚSCULOS:
1 – Algemas, contos, 1988
2 – Sílvio Meira, ensaios, 1989
3 – Joaquim Inojosa e a Pregação Modernista, 1983/1984
4 – Martinho Bugreiro, criminoso ou Herói?, ensaio, 1984
5 – Sete Causos Nanicos, minicontos, 1985
6 – Monteiro Lobato Abriu os Caminhos, ensaio, 1993
7 – Como Casei com a Filha do Coronel, novela, 1994
8 – A Ilha Verde, crônicas, 1998
9 – A Pátria Comum, artigo, 1995
10 – Solidão, Solidão, contos, 1996
11 – Novo e Diferente, artigos, 1996
12 – O Regionalismo Passado a Limpo, ensaio, 2000
13 – A Liberdade Fica Longe, novela, 2001
14 –José Athanázio, Meu Pai, biografia, 3009
15 – Farquhar e Lobato, artigos, 2018