A Loja Luciene Calçados, a mais antiga em atividade em Balneário Camboriú, fechará as portas neste sábado (30), após 55 anos de atendimento. O comércio, localizado na Avenida Central, marcou gerações sob comando da família Vieira, representada por Luiz de Aquino, hoje com 80 anos, e a esposa, Ivete Fonseca Vieira, 73 anos. Na época, nenhum outro comerciante trabalhava com o segmento de sapatos em Balneário Camboriú.
A família é responsável também pela primeira loja de materiais esportivos da região, a Marcelo Sports, que hoje é a ShopMasp, e segue em atividade com 49 franquias pelo sul do Brasil.
Luciene Calçados desde 2018 loja passava por momentos difíceis
Quem comanda a loja é a filha do casal, Luciene Vieira, 54 anos (ela tem mais dois irmãos, todos sempre trabalharam no comércio da família).
Ela relembra que os pais, quando casaram, decidiram abrir a loja, em 4 de novembro de 1966.
“Faríamos 56 anos neste ano. Desde 2018 a loja estava passando por um momento difícil, e com a pandemia isso se intensificou. Há mais de cinco anos a mantínhamos com recursos próprios, não estava mais dando lucro. Porém, deixo claro que não falimos, estamos fechando a loja muito bem. Temos a nossa gerente que tem 38 anos de loja, temos funcionários de mais de 20 anos, muitos que aposentamos… não foi uma decisão momentânea, já não investíamos mais nela, nem em publicidade, porque estava em processo de fechamento”, explica.
Principal público eram os idosos
A família Vieira sempre esteve ligada às entidades representativas do comércio, como a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da cidade. Luiz foi um dos fundadores e presidente e Luciane está na diretoria na diretoria até hoje.
“Somos muito informados sobre tudo o que acontece no mercado e não é de hoje que todo o comércio está passando por um processo. Com a chegada dos e-commerces, as lojas precisam ser vitrines para a compra digital, precisam ser lugares de experiência, o chamado ‘varejo Disney’, para que as pessoas queiram ficar na loja”, salienta.
A Luciene Calçados estava com dificuldade de encontrar esse espaço, porque o público envelheceu junto com a loja – a principal clientela são idosos, que ainda valorizam o comércio de rua, mas que com a pandemia compraram menos, por evitarem sair.
“As pessoas já não fazem mais tanta compra caminhando, com exceção dos turistas. Hoje, quem quer roupa ou calçado vai no shopping, mas não desvalorizo de forma alguma o comércio de rua, sei da importância, vim dele”, acrescenta.
História da família se cruza com o comércio
Luciene diz que encerram as atividades com uma relação ‘extremamente positiva’ com fornecedores e clientes – inclusive conseguiram liquidar boa parte do estoque, com promoções de 50% de desconto.
“Sábado será o último dia. O prédio é nosso e estamos alugando. Continuaremos com a ShopMasp, temos uma loja na cidade que é nossa e mais 49 franquias em SC, PR e RS. A Luciene Calçados sempre foi nesse local da Avenida Central, tivemos outras pela cidade, mas aquela era a original, morávamos ali, eu nasci ali, nossa história está muito atrelada à ela. Somos daqui, meus avós são daqui, realmente somos nativos de Balneário, somos guardiões de uma história que vimos com nossos próprios olhos e de um amor muito grande também”, analisa.
A empresária confessa que não tem sido fácil para ela e a família aceitarem o fechamento da loja, e que é difícil até mesmo falar sobre o assunto.
“Agradecemos muito à cidade que nos acolheu, aos clientes, colaboradores e fornecedores. Todas as relações que temos, tudo que recebemos, não tem preço. Fizemos a vida aqui, mas muito mais – temos credibilidade, amizades, trocas, partilha de histórias”, comenta.
Futuro
Ao Página 3, Luciene disse que tem desejo de seguir trabalhando, mas não como era com a Luciene Calçados.
“Eu estou muito envolvida com as questões de sustentabilidade, tenho muita vontade de falar sobre isso com comerciantes, de estar além da porta, olhar ao redor. Aprendi isso com os meus pais, que sempre buscaram melhorar a cidade, acolher. No sábado (30) será o último dia, mas não vai ter nada especial. Vamos fazer um jantar para parceiros e colaboradores, que são de fato a nossa família. Agradecemos muito, é só isso que queremos falar”, afirma.
“Aqui ninguém anda de sapatos, somente de chinelos” por Luciana Zonta
– Bom dia, senhor gerente. Meu nome é Luiz Aquino Vieira e quero investir em uma loja de sapatos aqui em Balneário Camboriú. Venho até o banco verificar a possibilidade de adquirir um empréstimo.
O homem o olhou com ar de desconfiança e uma pitada de descrédito. Em seguida, perguntou:
– O senhor tem certeza? Esta é uma cidade de praia, ninguém anda de sapatos, somente de chinelos. Não vai dar certo! – profetizou o executivo do banco Inco, onde o aspirante a empresário buscava apoio financeiro para tirar o sonho do papel.
Luiz Aquino virou as costas e saiu banco afora ainda mais decidido. Abriria uma loja de sapatos, quisesse o banco ou não.
A compra da primeira remessa da Loja de Calçados Popular – pioneira do segmento em Balneário Camboriú – foi em São João Batista, até hoje o principal polo calçadista de Santa Catarina. Com pouco dinheiro no bolso, Luiz Aquino e a esposa Ivete compravam remessas pequenas, de acordo com o que o escasso recurso que tinham guardado permitia. Para dar a impressão de que o estoque era maior, pediam aos clientes para que deixassem as caixas dos sapatos na loja, o que ajudava a criar o “volume” nas prateleiras.
Pouco tempo depois, o comércio mudou de nome para Luciene Calçados – uma homenagem à primeira filha, Luciene. Em 1969, era uma das poucas da Avenida Central de Balneário Camboriú. Na mesma via, estavam uma tradicional loja de confecções, um banco, um posto de gasolina e um açougue. Para atrair os moradores nativos na baixa temporada, vendia-se à vista, no crediário e também com o apoio das tradicionais cadernetinhas de anotação para pagamento no final do mês. “Eram poucos moradores e clientes. Sabíamos o nome e sobrenome de todos e quase não existia calote”, lembra Luiz Aquino.
A esposa Ivete era – e ainda é – uma exímia mulher de vendas. Não havia cliente que saísse de mãos vazias, tamanho o poder de convencimento de que o produto era realmente bom e necessário. A visão empreendedora do casal refletia na equipe e na forma de gerir pessoas. A Luciene Calçados foi uma das primeiras lojas da cidade a implementar ações de incentivo às vendas, em que as melhores profissionais do ano eram premiadas com viagens e recompensas financeiras.
Alguns anos mais tarde, com a loja de calçados já firmada como referência na cidade, o empresário e a esposa perceberam um novo mercado latente: Balneário Camboriú carecia de um lugar onde comprar artigos esportivos na região, em especial itens para a pesca. Surgia um novo negócio, a Marcelo Sports, agora uma homenagem ao segundo filho. A loja foi uma das primeiras da Terceira Avenida, endereço ainda pouco comercial e, até então, “longe” do centro da cidade.
Ao longo dos anos, a loja de calçados diversificou os produtos e passou a oferecer também roupas e acessórios finos, passando a se chamar Loja Luciene. A Marcelo Sports ganhou corpo e mercado no segmento, espalhando unidades em diferentes cidades do Estado e investindo forte no comércio online. Os filhos Luciene e Marcelo trouxeram uma nova dinâmica de gestão às empresas e os negócios cresceram, virando referência em seus segmentos.
Texto extraído do livro “Uma Porta para o Mundo – Memórias do Comércio de Balneário Camboriú