Laurecy Felipe Rocha, 67 anos, é mais conhecido como Seu Lalo (só quem o chamava de Laurecy eram pessoas da família, como o sogro), nativo da Praia de Taquaras, localidade onde seu avô foi ‘pioneiro’, tendo construído a primeira casa do local, é casado com a professora Erodites Rocha, 68 anos, de Camboriú, e que tem uma vida dedicada ao ensino de Taquaras (é professora na localidade desde 1974), onde até hoje atua como educadora. Os dois tem muita história para contar, memórias de Balneário Camboriú e da praia que, para muitos, é a mais bonita da cidade, onde a energia elétrica só chegou em 1988. Eles têm dois filhos e quatro netos e vivem até hoje em Taquaras, atrás do comércio da família, uma mercearia que é ponto conhecido no bairro e já tem 37 anos.
Família pioneira em Taquaras
Nasci aqui mesmo, meu pai me registrou em 20/11/53,
Mas nasci em 27/01/54, meu pai me registrou muito depois
E colocou a data errada (risos). Diziam a data, na escola, para
Matricular e não precisava mostrar a certidão de nascimento.
O verdadeiro é 27 de janeiro, mas nos documentos tá 20/11.
Meus avós foram a primeira família a morar aqui
Em Taquaras.
Vieram de Portugal, pararam em Porto Belo, e
Pararam aqui.
Falam que quando eles chegaram, compraram a
Taquara inteira!
E outra família comprou a ponta de lá.
Depois foram vendendo, separando.
Mas nós fomos os primeiros aqui
Em Taquaras.
O meu pai, se fosse vivo,
Teria hoje 111 anos.
A primeira casa foi os meus avós que fizeram,
Chamavam de ‘casa branca’, porque usavam argila
E ficava branquinho, sabe?
O pau a pique! Batiam e depois arrumavam.
Quando meu pai nasceu a casa ainda estava ali.
Toda a história de Taquaras nós vivemos.
Já era Taquaras
Sempre chamaram de Taquaras, é nome indígena!
Uma vez o ex vice-prefeito, Cláudio Dalvesco,
Fez um trabalho e viu que os nomes Taquaras,
Itajaí, Camboriú, são nomes indígenas.
Já outros como Estaleiro, não… já foram outras pessoas que deram.
Eu tinha um tio que contava que o pessoal vinha
de Bombinhas, de lancha, para tirar ‘taquaras’ daqui
E fazer cesto para fazer a farinha.
Tinha taquara, que é tipo um bambu, ali na
Beira da praia. Tira o miolinho e é flexível,
Perfeito para o cesto de farinha.
Na foto: As taquaras de Taquaras, no quintal da família Rocha(Arquivo Pessoal)
23 casinhas
Quando eu conheci Taquaras tinha só 23 casinhas,
Isso quando eu era criança, né.
De lá pra cá, mais de 50 anos,
Tem uma base de 250 casas.
É um crescimento grande, e mesmo assim
Muita gente que comprou terra não vendeu e tem
Ainda terra pra vender.
Minha mãe vendeu um terreno em 77 que está
Inteiro ainda! Tem 45 mil m2, da praia até a montanha,
E o cara não fez nada, está intacto.
Falam de construir prédio aqui, eu acho que já estão até
Passando da conta! Vai mudar o que é.
Quem vem pra cá, quer ficar escondidinho.
Se tivesse o progresso de hoje lá no começo, meu pai
Teria sido um construtor.
Mas o bom de Taquaras é ser como é.
É a praia que tem mais verde!
Ela é admirada por isso.
Seis irmãos: “Muita luta”
Minha infância, eu tenho lembrança de muita luta.
Nós éramos em seis irmãos!
Meu pai correu a vida inteira, tinha que trabalhar na roça,
Tinha que ir lá para o costão pescar, voltar, ir na Barra
Fazer compra. Se alguém ficasse doente, tinha que ir a pé
Comprar remédio em Itapema, com o Seu Alfredo, em Camboriú, que tinha o
Seu Barreto, farmacêutico famoso, ou o João Argelim, em Itajaí.
Aqui não tinha nada.
Se meu pai queria tirar uma foto nossa, tinha que ir até a ponte nova da Barra,
Ajudava a carregar caminhão, pra pegar carona e ir até Itajaí.
Meu pai lutou muito.
Se tivesse progresso antes, ele teria se dado muito bem.
Penso muito nisso até hoje.
Brincadeiras: fugia da mãe para ir na praia
Ah, brincadeira era na praia.
Eu nunca tive uma bicicleta, sabia?
A gente fazia pula-pula, para ver quem pulava mais alto.
Muito carrinho de rolimã também.
A gente ia nadar! A gente fugia da mãe pra ir,
Eu, meus irmãos e mais nossos primos.
A gente tomava banho e secava a roupa na pedra,
Mas a gente chegava em casa e ela sabia que a gente tinha
Ido tomar banho, porque o sal ficava no rosto e o cabelo
Ficava duro (risos).
Era muito bom, dá saudade.
Peixe era a alimentação
Ah, o que a gente comia era o peixe!
Minha mãe tinha que se virar, camarão aqui em Taquaras não foi forte.
Aqui era o caniço, rede de arrasto e a tainha.
Camarão a gente pegava na Barra.
Meu pai pegava um cestinho, com anzol, jogava na lancha
E pedia para encherem de camarão.
Na Barra dava muito camarão mesmo.
Igreja era na Barra
Eu tenho lembrança de que a nossa igreja era a da Barra,
Aquela igrejinha famosa!
Não tinha igreja aqui.
Tinha festa de Santo Amaro e a de Nossa Senhora do Bom Sucesso.
A gente se reunia e ia. As festas eram muito boas.
A do pescador também era grande, a gente adorava.
Interpraias: ninguém imaginava
Tinha que passar pelo morro de carro de boi.
Meu pai contava que pouco antes de eu nascer ele tinha que levar
Uma outra roupa na sacola porque iam pela mata
E podia se sujar, né.
Abriram a estrada, o prefeito Meirinho, só em 64.
Meu pai trabalhou nela de voluntário,
Depois recebia como permuta, não precisava pagar imposto porque
Tinha feito o trabalho braçal.
Era de barro ainda, só depois, nos anos 2000, que
Fizeram a Interpraias! Lembro do primeiro dia
Que colocaram máquina, nós passávamos todos os dias.
Ninguém imaginava que essa obra ia acontecer, foi muito bom.
Hoje quando passo esse morro, vejo o quanto Taquaras é admirada.
Mudou muito. É difícil hoje vir um turista que não passe por Taquaras.
É a melhor! Tem muita fama, muito procurada.
Ela tá bem conservada.
Lenda de Taquaras: figueira assombrada
Tinha uma figueira enorme!
Eles cortaram em 88, quando passou a energia elétrica.
Tinha um rapaz que deu um susto no pessoal ali, perto dela,
Mas o que comentavam era que tinha uma pessoa, um fantasma,
E ninguém mais passava perto da figueira à noite.
Um outro senhor, que era muito genioso, estava chupando mandioca,
Disse que tinha gente com medo, questionou o homem que assustou o povo,
E ele riu! Mas não disse que tinha sido ele.
Um dia um rapaz de Itajaí, que bebia muito, um rapaz deu um susto nele
Embaixo dessa figueira, e ele um dia estava tomando uma cerveja no meu comércio,
e disse que ia embora pela praia, e eu falei pra ele ir por trás, onde
Antes ficava a figueira, que já tinha sido cortada, mas ele disse que não
Porque a raiz tinha ficado e o mal estava na raiz! (risos)
Pesca muito forte até hoje
Tem que valorizar mais, porque a pesca é a história.
Meu pai comentava que o pai dele, há 130 anos atrás,
Não tinham rede, e começaram a produzir as redes para pescar.
Você conhece o carro de boi? Tem a sebe, que amarra para colocar a mandioca,
Eles faziam disso, 50, 100 metros, com bambu e pegavam tainha com isso!
Hoje tá mais escassa a tainha, mas tinha muita.
Eu nunca vivi da pesca, mas sou apaixonado por ela.
Eu pesquei muita tainha, estive nos maiores lanços,
Os históricos, né.
Lembro como se fosse hoje, 26 de maio, eu tinha
Seis aninhos, e pegamos um lanço enorme!
Em Taquarinhas.
Meu pai achou o cardume, ele era vigia.
Era muito peixe, e a rede não aguentou, mais
de 15 mil peixes fugiram.
Meu irmão pulou na água, e conseguiu dominar e pegar uma
Tainha grande pra ele.
Em 2008 foi a última grande, pegamos 25 toneladas.
Uma base de 20 mil tainhas. Foi lindo.
Até hoje eu pesco e eu prefiro peixe do que carne.
Precisava mais respeito, eles esperam o ano todo,
Pintam canoa, ficam esperando o peixe, e tem gente
Que passa de jet ski, lanchas, parece provocação.
Seu Lalo estudou até a 3ª série
Tinha colégio! Era uma casinha de madeira,
E iam várias crianças.
Eu fiz até a 3ª série na escolinha.
Dos 8 aos 13 anos eu estudei.
Trabalhou na roça e nas pedreiras
Trabalhei muito na roça,
E até numa chácara de Laranjeiras!
Tem um pedaço de Taquaras que é muito bom,
Tudo que planta ali, mandioca, cana, feijão, pega muito bem.
A gente produzia pra vender pra fora,
Tinha muito engenho de farinha aqui, e eu também ajudei.
Trabalhei nas famosas pedreiras, aquelas né que o Meio Ambiente
Conseguiu fechar, porque realmente desmatava bastante.
Muita mata aqui dos morros são novas por isso, replantadas.
Cortei muita pedra lá.
E aí depois abri meu comércio, já fazem 37 anos!
Ele é um ponto de referência em Taquaras, optamos por manter
Como sempre foi, porque é histórico daqui já.
Dona Erodites é de Camboriú
Meu pai sempre foi motorista, dirigiu o ônibus do Baturité,
Foi motorista da prefeitura de Camboriú, também trabalhou
No Rio de Janeiro, foi garçom em Blumenau.
Quando ele voltou, casou com a minha mãe,
Que era do Estaleirinho, ali perto de Itapema.
Era nativa dali! Nativos mesmo,
Minha mãe morava em um engenho de farinha.
Eram todos conhecidos, e foram morar em Camboriú.
Nasci no centro de Camboriú
E depois, bem pequena, com 3 aninhos, a gente foi
Morar no Colégio Agrícola, que tem a minha idade.
10 irmãos, 4 professoras
Moramos mais de 20 anos lá, passando os dormitórios tem
Umas casinhas. A gente morava lá.
O meu pai, que era motorista, era obrigado a morar lá porque
Havia muita necessidade do serviço, levantar cedo para ajudar os alunos
e professores. Ele trabalhou 30 anos ali!
Foi a nossa vida ali.
Mas eu não estudei ali, fiz Magistério em Itajaí.
Éramos em 10 irmãos, 7 mulheres e 3 homens.
Somos em 4 professoras!
Eu sempre quis ser professora, sonhava.
A gente brincava de escolinha e eu já dizia que queria ser.
Minha mãe nunca esteve na escola, não podia porque tinha que
Ajudar em casa. Na época era mais obrigatório os homens estudarem.
E ela incentivava a gente a estudar!
Destinos se cruzaram quando Erodites veio para Taquaras
Quando comecei a trabalhar como professora,
Decidi que queria vir para Balneário, porque aqui pagavam mais!
Eu não conhecia Taquaras, nem sabia que existia, mas
O meu pai conhecia, aqui pertencia à Camboriú.
Meu pai trabalhou na estrada, carregando material, que o
Pai do Lalo trabalhou. Ele dizia
“Você não conhece, mas eu conheço, lá não tem nada”.
Eu decidi que mesmo assim viria.
Conheci o Lalo assim que vim conhecer Taquaras,
A avó dele tinha um local que era tipo uma padaria,
Todo mundo ia lá para conversar, tomar um café.
Lalo: Quando cheguei lá, vi umas pessoas que não conhecia,
E minha mãe disse que era a professora, e que ela era muito legal.
E ela acabou vindo morar na casa do meu irmão.
A gente começou a namorar, então.
No fim daquele ano ela voltou para Camboriú,
Até então os pais dela não aceitavam, a gente não conseguia se falar,
Ficamos sem ter contato por um mês, porque não tinha como né, não tinha celular.
A gente se reencontrou em um ônibus indo para uma festa no Estaleirinho,
Foi coincidência!
Erotides: Eu engravidei, vim morar pra cá,
Moramos 3 anos com a mãe dele, e depois
Casamos no civil.
Ampliação: de escola isolada para multiseriada
Quando cheguei para dar aula,
a escola não tinha continuidade, ia só até a 3ª série, na
Escola Isolada Municipal de Taquaras.
Começamos então a trabalhar mais, com o tempo, em 77, 78,
Ampliamos. Tudo era na escola, até catequese.
Depois passou a ser Escola Multiseriada, porque tinha
As 4 turmas! 2 de manhã e 2 à tarde.
Quando comecei, eram 22 alunos.
Também dei aula para o mobral, que hoje chamam de supletivo.
Era à noite, eu trabalhava 60h, e a gente usava lampião de gás,
Porque não tinha energia, né.
Tinham alunos de várias idades, inclusive alfabetizei o tio do Lalo,
O Tio Bento, e ele sempre me elogiava porque aprendeu a
Ler o jornal, revista, por causa de mim.
Nós também implantamos uma extensão do Ghislandi,
E a prefeitura dava transporte para trazer os professores,
E foi aumentando as turmas a cada ano.
Até hoje a prefeitura dá transporte para trazer os alunos
Pra cá, vem das praias, da Barra. Porque as
Escolas estão superlotadas, e aqui a gente tem até o 9º ano.
É uma turma por ano, até hoje.
Professora =
líder da comunidade
Quando comecei, não tinha associação de moradores,
Então eu era realmente a líder da comunidade.
A gente fazia reuniões na escola, trazia o prefeito, vereadores.
Pedíamos energia elétrica, depois iluminação pública.
A energia só veio em 88! Recente, né.
E a gente fazia as reuniões e só iam uma meia dúzia de pessoas,
Porque a maioria não acreditava.
“Aqui não vem energia”, diziam.
Duvidavam que Taquaras ia crescer,
Eu dizia que tínhamos que ter fé.
Os antigos não acreditavam mais porque sofreram muito.
Não tinha aposentadoria na época, era a pesca, a lavoura. Eles tinham
O que produziam.
Hoje quase nem se fala em lavoura.
Mas a pesca continua, né!
Higino construiu
5 escolas
Depois de um tempo demoliram a escola, que era de madeira,
E, de 64 em diante, foi construída a nova,
Pelo prefeito Higino João Pio, o nosso primeiro prefeito!
Ele construiu 5 escolas, a nossa aqui, a de Laranjeiras,
Onde hoje é o teleférico, aquele terreno era da prefeitura,
Depois a do Estaleiro, onde tem a creche,
Depois na Várzea do Ranchinho e no Barranco.
Cinco escolas iguais que o primeiro prefeito construiu.
A escola de Taquaras, perto da praia, bem na esquina,
Foi inaugurada em 94!
Dificuldades
Agora é bom de morar em Taquaras,
Mas já foi muito difícil.
A nossa filha, que tem hoje 46 anos,
Quando chovia não passava carro, e não tinha
Ainda a estrada de Laranjeiras.
No dia que ela ia nascer, choveu!
Eu tive que ir a pé! Grávida. Para ter ela no Marieta, em Itajaí.
Tinham mulheres que iam de barquinho.
Transporte era carro de boi, era dificuldade.
1975 Balneário já estava crescendo no turismo, e aqui era complicado.
A gente ia na prefeitura a pé, não tinha transporte.
Mas a gente se divertia, tinham bailes muito bons.
Domingueiras, né. Faziam em casa, e tinha baile todo domingo.
Futuro
Taquaras ainda vai crescer bastante!
Há 50 anos, meu tio que morava em Balneário, disse que aqui
Ia ter muito progresso e fama, e imagina o que ele ia dizer agora!
A gente quer que fique essa beleza, mas eu acho que ainda vai crescer muito.
Tem que manter a natureza dela. Eu que nasci e me criei aqui,
A gente sempre vai cuidar. O povo de Taquaras mesmo,
A gente não vai deixar isso morrer, a gente vai lutar
Pra nossa praia ser famosa, mas preservada.
Já temos esgoto, energia elétrica, já tá quase tudo asfaltado,
Temos ônibus, Interpraias. Tudo mudou muito.
Eu sempre digo que moro em um sítio em Balneário Camboriú.
Ela tem esse diferencial, e é isso que é bom nela.
Por: Renata Rutes