Eles são levados até a Clínica Social e se aceitarem, são encaminhados para tratamento
A repórter Renata Rutes do Página 3 acompanhou nesta semana uma noite de trabalho da Clínica Social de Balneário Camboriú, projeto que assiste pessoas em situação de rua com equipe formada por psicólogos, médicos, guardas municipais e assistentes sociais.

Naquela noite, de terça para quarta (11 para 12), 23 pessoas foram atendidas na Clínica, sendo que sete delas aceitaram internar-se para tratar a dependência química.
A cobertura iniciou por volta de 23h, com saída do Centro de Convivência da Família, localizado na Rua Itália, no Bairro das Nações, onde foi instalada a Clínica. Participaram da ronda o secretário de Segurança da cidade, Antônio Gabriel Castanheira Junior, quatro guardas municipais e a equipe do Resgate Social, formada por assistentes sociais e psicólogos.

Saiba como foi a ronda acompanhada pelo Página 3
A regra da equipe é clara: toda pessoa em situação de rua abordada deve ser encaminhada para passar a noite na Clínica, que funciona até às 7h. Quem não aceita ir de bom grado, pode até mesmo ser algemado.

Durante a ronda, foram abordados os mais diversos tipos de pessoas – incluindo um homem já conhecido dos guardas e equipe da Clínica, que possui imóvel em Balneário, na Avenida Central. Ele confessou que estava saindo de um ponto de venda de drogas, onde havia acertado uma dívida. Ele não queria ir para a Clínica, alegando que a filha estava o esperando em casa. Porém, ele estava acompanhado por uma mulher, que disse ser garota de programa e também dependente química (ela seria de Gaspar e viria diariamente para Balneário fazer programa). Os dois foram encaminhados para a Clínica.
Além deles, chamou a atenção um casal trans. Os dois são de Joinville e disseram que estavam em Balneário há poucos dias e se mantinham vendendo doces nos sinaleiros da cidade. Porém, ambos confessaram ser dependentes químicos (eles estavam indo em direção ao Bairro dos Municípios, para comprar drogas).

Para o secretário Castanheira a mulher disse que já havia tentado se tratar em uma clínica de reabilitação, mas que havia sofrido transfobia, e por isso desistiu do tratamento.
Na hora da abordagem, os dois pareceram interessados em tentar se tratar, mas ao final da noite na Clínica optaram por voltar para as ruas da cidade.
Outro casal que disse morar em Camboriú, também estava na rua, já por volta de 1h de quarta-feira, na Quinta Avenida. Eles haviam comprado drogas. O homem tentou dizer que não podia ir para a Clínica Social, porque ele e a esposa (que chegou a chorar ao confessar ser dependente química) tinham que ir para casa alimentar seus cachorros, mas mesmo assim foram encaminhados à Clínica.
Se preciso, pessoas em situação de rua serão encaminhadas todas as noites para a Clínica

Algo repetido diversas vezes pelo secretário Castanheira e pela equipe da Clínica é: “Queremos que você trate a sua dependência química, você pode recusar, mas não iremos aceitar que fique em situação de rua em Balneário Camboriú e usando drogas. Iremos te levar para a Clínica todas as noites, se preciso”.
O secretário disse que respeitam o direito de ir e vir, mas que acima disso consideram o direito à vida, e que encaram a dependência química um problema de saúde pública, já que essas pessoas utilizam boa parte do dinheiro que ganham em álcool e/ou drogas – inclusive um dos abordados estava com uma cachaça e ficou visivelmente irritado por não poder levar a bebida para a Clínica.
O secretário disse que inclusive um homem já chegou a enfrentá-lo, falando que iria embora da Clínica para beber.
“O vício é uma doença, e o foco da Clínica é tratar. Estamos buscando dar uma nova chance de vida para essas pessoas”, afirmou Castanheira.
Médico destaca a importância da Clínica: “Eles precisam de nossa ajuda”

Já na Clínica, todos os abordados são cadastrados pela equipe de profissionais, devem tomar banho e ganham peças de roupas limpas, para então passar pelo psicólogo e equipe médica.
O Página 3 conversou com o médico que fazia plantão na Clínica na madrugada de quarta-feira, Daniel Marcelo Terrazas, que disse que estava muito surpreso com a iniciativa do município, comparando com outras cidades e estados onde trabalhou, e que nunca havia visto uma ação social tão importante focada em pessoas em situação de rua e dependentes químicos.

“Eles precisam de nossa ajuda. Estou bastante contente em poder fazer parte disso. A dependência química é um problema de saúde pública. Com a Clínica nós conseguimos identificar quem precisa de atendimento médico. Muitos chegam também com problemas de pele. Aqui nós conseguimos avaliá-los e podem ser encaminhados à UPA ou Hospital Ruth Cardoso também, se necessário. Tem muitas pessoas que precisam de internação para tratar a dependência, mas nem todos aceitam”, relata, citando que também é comum ver na Clínica surtos de abstinência.
“Por isso temos medicações para tratar os sintomas da abstinência, e temos proximidade com a UPA Nações em casos que precisem de algum outro tipo de abordagem”, completou.