A Festa da Tainha é mais que uma festa, é uma forma de honrar a história de quem aqui vive, de quem chegou há muito tempo, de quem acompanha a praia, observa o movimento do mar. É uma forma de honrar a natureza, que é quem determina, se é um ano bom ou se é preciso cultivar a esperança para o próximo. É uma forma de honrar os saberes ancestrais, que de pai para filho, ensinam como ficar atentos aos sinais que vem do mar. A Festa da Tainha é momento de celebrar de onde viemos e o que ainda temos de lá.
Com a proximidade do festejo, que está acontecendo neste final de semana, a reportagem ouviu dois nativos do Estaleiro e Taquaras para saber das memórias que trazem consigo dessa antiga tradição.

“Lembro de uma história minha, assim que viemos morar no Pinho, eu tinha uns 5 anos, foi o maior lance de Tainha que teve no Estaleiro, mais de 8 mil tainhas… era 8 de maio, e foi no dia das mães… E a minha felicidade, -seu Pedro Francisco era o patrão-, lembro que ele fez uma fila com as crianças, e eu era uma dessas crianças e ganhei uma tainha que era maior que eu… Nossa, pensa numa felicidade de uma criança, subindo aquele morro do Pinho, -que hoje em dia tá fácil mas antigamente era estrada de barro, era um morrão-, eu subindo aquele morro do Estaleiro pro Pinho arrastando aquela tainha até em casa… Acho que foi a coisa que mais marcou a minha vida até hoje foi esse lance de tainha, eu levando aquela tainha nas costas, porque cada um tinha que trazer o que ganhava, minha mãe era assim né… meu pai tinha ganhado também bastante tainha…. Essa é minha memória de criança.
E antigamente aqui no Estaleiro quando pegavam peixe, era assim: o pessoal aqui trabalhava na roça, e eles faziam farinha, na época da tainha, em junho, era época de fazer farinha, então tava todo mundo na roça arrancando mandioca ou no engenho, cevando a farinha…Daí ficava somente os vigias e quando vinha o lance eles buzinavam com um chifre de cima de uma figueira que tinha antigamente ali no porto do Estaleiro, ali onde é o condomínio Vivenda, ali tinha uma figueira, e ficava um ali em cima e eles chamavam o pessoal através do chifre, buzina, pro pessoal que tava nos engenho, na roça, pra todo mundo ajudar a puxar a rede. Taquaras acontecia a mesma coisa. Essa é uma história que o pessoal conta, e eu cheguei a ver…”
Silvana Wisbecker, moradora do Estaleiro

“A Pesca da Tainha não tem como não se lembrar, porque a gente é geração daqui né, então claro que tem lembrança. Já participei quando criança e adolescente dessa pesca de arrasto na praia. Com uns 13, 14 anos, até num dos maiores lances de peixe em Taquarinhas, eu tive participação, uma história que ficou muito marcante, porque na época foram pescadas 12 mil tainhas e foi vendida ali pra uma cidadão de Balneário Camboriú, da praia central, e na época não se recebeu um centavo né. A gente teve a inocência, melhor dizendo, aquela coisa do fio de bigode, da confiança de vender fiado e o cara nem sequer pagou um centavo lá… nessa pesca, por ser uma pesca com volume grande de tainha, teve gente que perdeu relógio, machucou o dedo, um envolvimento quase que o dia todo, e o trabalho praticamente jogado fora…foi uma das pescas que mais marcou que eu participei e foi um dos maiores lance em Taquarinhas.
E assim, conhecimento do lance a gente tem, a gente se dedicou à pesca profissional porque chegou como um meio de ganhar a vida… então fomos por um outro caminho, outro tipo de pesca, mas a tainha também complementa sim… quando chega na safra a gente se dá a esperança de contar com um ano de boas pescarias, depende muito de natureza né, a tainha tem que ter tempo frio, o primeiro passo da natureza é uma maré alta que dá ali no mês de maio, no mês de abril melhor dizendo, pra tirar esse peixe lá da Lagoa dos Patos que o maior volume vem de lá e aí ela segue rumo ao norte em busca de água quente, pra desovar, todo aquele processo…por isso é a pescaria mais na costa, dessa rede de arrasto, essa tradição.
Antigamente era isso mesmo, por não ter freezer, por não ter um meio de conservar esse pescado melhor dizendo, então a melhor forma de garantir um pescado pra comer no mês seguinte, é a tainha escalada, e hoje ainda segue, o pessoal adora, fica diferenciado, desidrata o peixe, dá um sabor na brasa mais gostoso. E até hoje a gente ainda faz parte sim dessa tradição, sempre esperançoso que cada ano seja melhor. Essa tainha escalada veio da época dos meus avós, hoje a gente já tem freezer, outros meios pra guardar, mas a gente faz. Veio lá das tradições mais antigas. Hoje é mais pra ter um prato diferenciado, no mercado quase não tem, porque dá trabalho, mas vem lá dos nossos antepassados, então fazemos com gosto e orgulho”.